Três anos após o rompimento da barragem de Mariana, na região Central do Estado, apenas um projeto que trata sobre o tema foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Os outros estão parados, enquanto tragédias continuam ocorrendo no setor. Uma das propostas paradas na Casa é a que endurece as regras da atividade minerária no Estado, principalmente em relação ao licenciamento das barragens de rejeitos. A proposição foi elaborada pela Comissão Extraordinária das Barragens, criada justamente após a tragédia que destruiu o povoado de Bento Rodrigues, matou 19 pessoas e poluiu o rio Doce.

O projeto 3676/2016 ficou pronto em julho de 2016, após os deputados passarem sete meses ouvindo autoridades e especialistas, e visitando os locais atingidos. De lá para cá, porém, os deputados não tiveram tempo ou vontade política para apreciá-lo. Leia a resposta dos deputados no fim do texto. O parecer do texto estava pronto para ser votado na Comissão de Administração Pública antes de ser enviado para ser apreciado em segundo turno em plenário e, assim, poder virar lei.

Mas a matéria foi retirada da pauta do colegiado por duas vezes no ano passado. Em outubro, o vídeo de um das reuniões mostra que João Magalhães (MDB), responsável por redigir o relatório pela Comissão de Administração Pública, disse que o documento não havia ficado pronto e, por isso, não tinha como ser votado.

A segunda vez que o projeto foi deixado de lado foi em novembro de 2018. O requerimento de retirada foi apresentado por Gustavo Valadares (PSDB) e aprovado por ele, Gustavo Corrêa (DEM), Cássio Soares (PSD) e Magalhães. Desde então, o projeto está parado, sem data para a apreciação.

Entre outros pontos, o texto determina que a empresa é responsável pela barragem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados pela instalação e operação da barragem, como também pelo seu mau funcionamento ou rompimento. Além disso, é  previsto que em caso de desastre ambiental decorrente do descumprimento da lei, o valor da multa administrativa poderá ser majorada em até 100 vezes. Antes, não havia essa previsão.

A legislação também obriga o empreendedor a recuperar o meio ambiente degradado, além de arcar, no caso de acidente ou desastre ambiental, com as ações recomendadas e com os deslocamentos aéreos ou terrestres necessários dos órgãos ou entidades do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema).

O que mais prevê o projeto 3676/2016

Em linhas gerais, o texto estabelece que o licenciamento ambiental e a fiscalização de barragens competem aos órgãos e entidades do Sisema. Ainda é dito que esse trabalho deve ser realizado de forma articulada com a Política Nacional de Segurança de Barragens.

A proposta ainda determina que para novos empreendimentos é proibida a instalação de barragem de rejeitos em algum tipo de povoamento ou comunidade em um raio de 10 quilômetros abaixo da represa, ou onde houver reservatório ou manancial destinado ao abastecimento público de água potável. Também é proibida a construção de barragens que usem o método de alteamento a montante, utilizado na estrutura da Samarco.

Além disso, está previsto que deve ser publicado anualmente inventário das barragens instaladas no Estado. Também é dito que o Plano de Ação de Emergência (PAE) deverá prever a instalação de sistema de alerta sonoro para avisar as populações que podem ser atingidas em caso de sinistro, além de medidas específicas para resgatar atingidos, mitigar impactos ambientais, assegurar o abastecimento de água potável e salvaguardar o patrimônio cultural.

Em atraso

De autoria do governador Fernando Pimentel (PT), o PL 3.312/2016 ainda não foi analisado nem mesmo em primeiro turno. O texto estabelece uma política estadual para as pessoas atingidas por futuros empreendimentos de barragens. O projeto determina que a empresa responsável deve adotar medidas para assegurar a oferta dos serviços de saúde e de educação, o acesso universal à água potável e à energia elétrica, o respeito às singularidades dos povos indígenas e quilombolas e a transparência das informações.

Além disso, há artigos que estabelecem a contratação prioritária de mão de obra local na construção e instalação de barragens e também fixa a preferência pelo reassentamento coletivo, em detrimento do individual.

Aprovado

O único texto aprovado e sancionado faz alterações na Lei 19.976, de 2011, que institui a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM) e o Cadastro Estadual (Cerm). A proposição garante que a totalidade dos recursos da TFRM e do Cerm sejam destinados à Secretaria de Meio Ambiente e a órgãos do Sisema.

No site da Assembleia é dito que, em 2015, a maior parte dos R$ 250 milhões arrecadados com a TFRM foram utilizados para o pagamento da folha de pessoal da Secretaria de Estado de Fazenda e da Polícia Militar.

Relator alega falta de tempo hábil para votar

Relator do projeto 3676/2016, que foi retirado da Comissão de Administração Pública em novembro, o deputado João Magalhães afirmou que "não houve tempo hábil para se preparar um relatório".

"Ele foi votado no final de 2017 no plenário em primeiro turno e depois voltou para as comissões. Me parece que voltou para (a comissão) de Meio ambiente e só na metade do segundo semestre voltou para (a comissão) a administração. Não houve tempo hábil para se preparar um relatório, fizemos reunião com o MP e as entidades em novembro e não houve acordo para votar. Tentamos ajustar o parecer, precisava ajustar o relatório e tem que atender todas as corrrentes", disse.

De acordo com o deputado, havia divergências, pois os movimentos não queriam aprovar o projeto aprovado pela Comissão de Meio Ambiente. "Eles queriam que aprovasse o relatório original e não houve acordo para votação e ficou pendente. Ameaçaram pedir vista e por isso tiramos de pauta, e com isso virou o ano sem votar", alegou.

Segundo João Magalhães, o acordo não foi possível pois "já era fim de ano, chegou (o projeto) muito em cima da hora e como é uma pauta mais contaminada, infelizmente não houve tempo hábil para votação". Ele diz que a demora se dá por ser um projeto complexo.

"Aprovar o projeto original simplesmente acaba com a atividade minerária no Estado. Por isso, temos que criar um projeto que atenda as entidades, o meio ambiente e também o meio empresarial, um projeto que não leve ao fechamento total das empresas", disse ele.

Ele não acha que a tragédia desta sexta-feira (25) teria sido evitava com a aprovação do projeto. "Estamos disciplinando os novos empreendimentos, e talvez algum pedido de aumento de capacidade de loteamento, mas as barragens que existem hoje, todas estão autorizadas. O projeto é para ver daqui para frente, daqui para trás a legislação anterior que autorizou", afirmou.

O parlamentar nega que haja lobby de mineradoras para impedir a aprovação de textos sobre o tema que endureçam as regras no Estado.

"Acho que não, colocamos em pauta duas vezes na comissão e não houve acordo foi para votar. Em duas sessões não deu quórum. Eles (mineradoras) participaram das reuniões junto com a gente na ALMG, o MP, cada um cedeu uma parte, mas na hora de votar falta acordo", lamentou.

Presidente da comissão extraordinária criada para o tema após a tragédia em Mariana, o deputado estadual Rogério Correia (PT), eleito para uma vaga na Câmara Federal a partir de fevereiro, porém, tem outra visão. Para ele, há sim pressão das mineradoras sobre os deputados.

"É subjetivo, mas na minha opinião houve pressão de mineradoras fazendo lobby contrário a isso. Acredito que houve lobby na Assembleia. O trâmite (do projeto) é demorado de um modo geral, mas digo de uma maneira genérica que houve lobby, por isso o trâmite desses projetos foi tão lento. A comissão (extraordinária) terminou os trabalhos dela, os projetos que apresentamos (da comissão) foram aprovados em 2016 e dava tempo deles terem sido votados na ALMG. Há uma pressão das mineradoras. Apesar do crime de Mariana, as mineradoras mantiveram essa postura de pressionar para manter uma legislação perigosa, no mínimo", reconheceu o parlamentar, que defendeu que os colegas que permanecerão na Assembleia criem uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para analisar o tema.

"Acho que precisa de uma CPI para apurar o que essas mineradoras fazem em Minas, o lobby delas, as pressões, a falta de responsabilidade. Essas mineradoras exportam o minério a torto e a direito para fora, a preço de banana e nem sequer pagam ICMS por causa da Lei Kandir. Então, essas mineradoras não podem continuar a ter essa vida mansa, e o (governador Romeu) Zema disse até que ia aumentar, ia agilizar, principalmente o licenciamento. Olha a irresponsablidade de um pensamento desse", disparou.

Autor do pedido de retirada do projeto de pauta na Comissão de Administração Pública, o deputado federal Gustavo Valadares (PSDB) não foi encontrado para comentar os motivos para seu requerimento.