Menos de uma semana após assumir interinamente o comando do país, o presidente Michel Temer (PMDB) convive com um incômodo gerado pelos próprios homens que escolheu. Em meio a um cenário incerto, enquanto aguarda a decisão final do Senado sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), e com a necessidade de imprimir uma agenda positiva que impulsione politicamente sua permanência no Palácio do Planalto até 2018, o peemedebista convive com a agenda negativa criada por declarações atrapalhadas e posteriormente retificadas por ministros que bombardeiam direitos constitucionais e sugerem apressadamente medidas impopulares.

Tanta dor de cabeça gerada nos últimos dias já faz com que Temer cogite determinar uma lei da mordaça em sua equipe. A grande preocupação é que o falatório desenfreado dos ministros possa influenciar negativamente a decisiva votação do Senado, prevista para acontecer nos próximos meses. Se o governo insistir em pautas extremamente impopulares, senadores que votaram pela abertura do processo de impeachment podem acabar validando o retorno da presidente afastada, o que frustraria os planos do governo recém-empossado.

A “cláusula de silêncio” para a equipe pode ser a última cartada de Temer para parar a usina de más notícias. Antes da medida, o presidente interino já passou pitos públicos em ministros e avisou que quem errar pode ser deixado pelo caminho.

Uma atrás da outra. A última trapalhada a encher de dores a cabeça de Michel Temer veio do Ministério da Saúde. O titular da pasta, Ricardo Barros (PP-PR), disse em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo” que a Constituição “só tem direitos, não tem deveres”, e sugeriu que uma saída para a falta de recursos na saúde seria rediscutir a universalização do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Em determinado momento, vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e outros países, que tiveram que repactuar as obrigações do Estado, porque eles não tinham mais capacidade de sustentá-las”, disparou, em declaração bastante criticada nas redes sociais.

A reação foi tamanha que, horas depois da publicação da entrevista, ontem mesmo, Barros recuou. “O SUS está estabelecido”, disse, afirmando ter sido mal interpretado.

Um dia antes, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, em entrevista ao mesmo veículo, afirmou que não havia “direitos absolutos” e questionou o método de nomeação do mais votado de lista tríplice do Ministério Público Federal (MPF) para o cargo de procurador geral da República, prática que é usada desde o governo Lula. “O poder do Ministério Público é muito grande, mas nenhum poder pode ser absoluto”, afirmou na ocasião.

No mesmo dia, após declaração de Temer confirmando a intenção de manter a escolha do mais votado pelos procuradores, o que é visto pelo MP como fundamental para garantir a independência do órgão de investigação, ele também disse ter sido mal interpretado. Ontem, reiterou a nova posição ao dizer que nomear o número 1 da lista tríplice é “muito bom”.

Por todo lado. O falatório dos ministros aos microfones afetou também outras áreas sensíveis do governo.

Na Fazenda, o poderoso ministro Henrique Meirelles afirmou, logo em seu primeiro discurso, que o conceito de “direito adquirido”, presente na Constituição, é “impreciso”. Ele falava da possibilidade de criar uma regra de transição para afetar, em uma possível reforma da Previdência, aqueles que já estão no mercado de trabalho. Bombardeado até mesmo pela Força Sindical, central trabalhista mais próxima de Temer, ele foi obrigado a se calar sobre o tema, que passou a ser discutido em conjunto com outros setores do governo e do sindicalismo.

No Ministério da Educação, gerou incômodo na equipe de Temer e críticas nas redes sociais a proposta do titular Mendonça Filho, que apontou a hipótese de o MEC apoiar a cobrança de mensalidades em cursos de extensão e pós-graduação em universidades públicas se as instituições, sufocadas pela crise financeira, assim quiserem.

Quem também desagradou ao chefe foi o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra (PMDB). Ele declarou à imprensa que o Bolsa Família pode perder 10% dos beneficiários em um pente-fino que será feito pelo governo na concessão do programa social. Nos bastidores do Planalto, a informação é a de que Temer avaliou a declaração como uma fala “fora de hora”.

Em meio a opiniões indigestas e desmentidos, sobrou para outro ministro, ironicamente, comentar o “bate-cabeça” da primeira semana de gestão. “Estou sendo incapaz de transmitir a vocês com competência aquilo que vocês me perguntam”, disse Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, em uma sinceridade incômoda para um governo em construção.