Em novembro de 2022, quando estive pela última vez na Argentina – portanto, antes do governo Javier Milei – um real era o equivalente a 29,24 pesos argentinos. Após o Plano Motosserra, implantado pelo novo presidente no início de 2023, um real vale agora 185,19 pesos. O dólar, que sempre foi uma moeda muito forte no país sul-americano, corresponde a 1.058,64 pesos argentinos. A premissa de que era possível gastar muito pouco viajando à Argentina evaporou nos últimos dois anos.
Por que a Argentina, que já foi o país mais barato da América do Sul, perdendo apenas para a Venezuela, ficou tão cara para os brasileiros? Frederico Gonzaga Jayme Jr, professor titular de economia e diretor do Centro de Desenvolvimento de Planejamento Regional da Faculdades de Ciências Econômicas (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica como os ajustes econômicos promovidos por Milei tornaram a Argentina mais cara até mesmo em dólares.
'Terapia do choque'
A Argentina, segundo Frederico Jr, sempre foi uma economia muito dolarizada. “Por conta de vários planos econômicos fracassados, quando ocorria uma situação de risco, o argentino corria para comprar dólar e, em consequência, havia uma fuga de capitais do país. Com essa saída de dólares, os preços dos produtos em pesos argentinos tenderam a aumentar. Com esse encarecimento generalizado dos produtos em dólares, a Argentina começou a se tornar um país menos atrativos para os brasileiros.
Por sua vez, com as constantes desvalorização do peso argentino e o fim do congelamento da taxa de câmbio, comprar produtos e serviços em dólar ficou também cada vez mais caro para o argentino. Segundo Jayme Jr., o governo Milei implantou um plano draconiano, em referência ao legislador Draco, que viveu no século VII a.C. O termo é normalmente usado para descrever leis ou medidas severas. Draco concebeu o primeiro código penal de Atenas, na Grécia, que ficou famoso pelo rigor.
Com uma economia dolarizada como a da Argentina, só havia dois caminhos a seguir, segundo o professor da UFMG: forçar a entrada de mais dólares no país ou aumentar o desemprego e jogar os gastos públicos no chão para controlar uma inflação de mais de 200%. Milei escolheu a segunda opção. Atualmente, os gastos públicos na Argentina estão próximos do zero e a inflação stá em torno de 84,5% nos últimos 12 meses, o menor índice desde 2022.
O plano contundente, explica o professor da UFMG, cortava radicalmente os gastos públicos e comprimia os gastos internos. Essas medidas também geraram dois efeitos negativos imediatos: um significativo crescimento do desemprego e um grande aumento pobreza. Hoje, mais de metade da população argentina se encontra abaixo da linha de pobreza e 18% estão na indigência. O país fechou 2024 na recessão, com economia encolhendo 3% a 4%, devido à baixa demanda de consumo. “Se o argentino não tem como comprar, então não tem demanda, e a inflação aumenta. A consequência disso é a pobreza”, resume Jayme Jr.
Toda essa “engenharia” econômica também afetou os brasileiros. Antes do governo Milei, existia o dólar blue, que não era nada mais do que a moeda norte-americana comercializada no paralelo. No final de 2023, o dólar blue havia ultrapassado a cotação de 1.000 pesos, enquanto o dólar oficial ainda era cotado a menos de 400 pesos. Era uma diferença expressiva para o brasileiro que viajava ao país. “O blue representada a demanda de compra, um mercado paralelo”, explica o professor da UFMG. Hoje, essa diferença diminuiu consideravelmente – atualmente o oficial está a 1.052 pesos e o blue a 1.220 pesos.
Apesar de muitos sacrifícios, a popularidade de Milei se mantém acima dos 40%, de acordo com levantamento recente do Instituto Zubam Córdoba. O que sustenta esse índice é a queda na inflação e a imagem antissistema do novo presidente. Depois de décadas de crises econômicas, a população argentina dá um crédito de confiança a Milei, com a promessa de que, no máximo até 2026, a atividade econômica volte a crescer, à medida que o câmbio e o déficit público se ajustarem à nova realidade.
Brasil mais barato para Argentinos
Se antes era a Argentina era barata para o turista brasileiro, hoje são os argentinos que têm viajado ao Brasil para fazer compras a preços baixos. Com o peso argentino em quase em paridade com o dólar e um real desvalorizado em relação ao peso ficou mais caro para o brasileiro viajar à Argentina, como também mais desvantajoso levar real para trocar no país vizinho. Hoje, a melhor escolha de um turista é levar dólar para a Argentina.
Como os preços sobem muito diariamente, a Argentina está também mais cara não só em pesos, mas também em dólares. A inflação em dólares na Argentina é facilmente perceptível para quem esteve no país recentemente. A farra dos bons preços tanto acabou para brasileiros quanto para argentinos. O brasileiro que viaja hoje ao país vizinho paga praticamente o dobro pelos serviços e produtos.
Reunimos abaixo preços aproximados de produtos que um viajante geralmente consome em uma viagem.
- Um café da manhã com dois croissants: US$ 5 R$ 28,45)
- Um café com leite na padaria: US$ 4 (US$ 22,76)
- Uma cerveja grande: US$ 4 (R$ 22,76)
- Uma garrafa de água: US$ 1,80 (R$ 10,24)
- Um refrigerante lata: US$ 3 (17,07)
- Uma corrida de táxi curta: US$ 5 (R$ 28,45)
- Um sorvete: US$ 3 ou 4 (entre R$ 17,07 e R$ 22,76)
- Um combo do Big Mac no McDonald’s: US$ 8 (R$ 45,52)
- Uma pizza com 6 fatias: US$ 16 (R$ 91,04)
- Um Ojo de bife: US$ 29.040 (R$ 154,63)
- Uma noite em um hotel 3 estrelas (por pessoa): US$ 150(R$ 853,50)
- Um city tour em Buenos Aires (por pessoa): US$ 33 (R$ 187,77)
Preços ao câmbio do dólar a R$ 5,69, em 20/02/2025