Flor de Lis Maria Fernandes tinha apenas 7 anos quando uma vizinha – a Mariquinha – a ensinou a fazer o terço de contas de lágrimas. “Dizem que onde Nossa Senhora chorou nasceram as contas”, explica a mineira, hoje com 74. O terço é um dos mais procurados pelos cerca de 45 mil romeiros que tomam apequena cidade de Congonhas, em setembro, para participar do Jubileu do Senhor Bom Jesus do Matosinhos. Realizada desde 1780, a tradição é a maior festa religiosa de Minas Gerais. Neste ano, o evento oficial acontece de 7 a 14 de setembro. A festa pagã se estende até o dia 22, aproveitando o movimento do município, que recebe até seis vezes a sua população, de cerca de 54 mil habitantes.
Sérgio Rodrigo Reis, diretor do Museu de Congonhas e presidente da Fundação Municipal de Cultura, Lazer e Turismo local, explica que no jubileu peregrinos de diferentes partes do Brasil se dirigem à cidade histórico num ato de fé. “A partir do momento que você faz uma promessa e tem a cura, você tem um compromisso de renovar sua devoção no ano seguinte”, esclarece.
Fora da rotina
Durante o jubileu, há missas de hora em hora, bem cedinho, ao ar livre, na ladeira histórica do belíssimo Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Depois de participarem das celebrações, as pessoas visitam o Museu de Congonhas e dão uma passada nas barraquinhas. São quase 500, entre artigos religiosos, artigos de vestuário, eletrônicos, artesanato e petiscos. “É uma festa muita bonita. Mistura fé e devoção com manifestações culturais. Tem muita gente que produz artesanato inspirado na religiosidade. Há idosos que fazem terços o ano inteiro para vender. Há a tradição de velas antigas”, conta Reis.
Nesse período festivo, muitos congonhenses que vivem nas redondezas do santuário saem de suas casas para alugá-las para romeiros. “Durante um mês, a cidade respira jubileu. Você não reconhece Congonhas. Modifica o trânsito e os hábitos”, destaca.
Muito religiosa, a família de Flor de Lis era uma das que acolhiam romeiros. “Minha mãe alugava quarto na casa da gente, que fica numa rua paralela à principal do santuário. Quase todas as casas abrigavam peregrinos”, lembra. Nostálgica, ela revela que sente saudade dos jubileus mais antigos, em que se formava uma fila gigantesca para beijar o santo. “Era do centro da cidade até a basílica. O pessoal passava o dia inteirinho nela”, diz. O aperto dos peregrinos era grande: “Antes não tinha condução. Eles vinham a pé ou de carro de boi e tinham que ficar na cidade até terminar tudo”, observa Flor, que elogia o conforto que existe hoje para os romeiros.
Estrutura
Uma estrutura gigantesca é montada para receber os peregrinos. Para isso, existe a comissão do jubileu, formada por nove pessoas. “Assim que termina um jubileu já começamos a planejar o próximo. É uma festa grande: tem que ir se programando”, explica Vilma de Moura, da secretaria de Fazenda da Prefeitura de Congonhas e presidente da comissão organizadora do evento.
Uma grande tenda de alimentação será montada no estacionamento do hotel e restaurante Cova do Daniel. Banheiros químicos e bebedouros são espalhados pela região do evento. Três pontos de atendimento médico de urgência também são montados durante a festividade.
Segundo ela, quem quiser participar da festa, precisa fazer a reserva em hotéis agora, em agosto. Vale lembrar ainda que, devido ao grande fluxo de ônibus na cidade, é provável que você desça no centro de Congonhas e tenha que caminhar – subir o morro – até a basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. “Venha com roupas e sapatos confortáveis. O peregrino pega calor intenso. Traga boné, passe protetor solar e se hidrate”, aconselha Vilma.
Origem
No século XVIII, o ermitão português Feliciano Mendes foi para a região de Congonhas em busca de ouro. Ele descobriu algumas jazidas e ficou rico, mas foi acometido por uma doença. Para se curar, prometeu se empenhar na devoção local ao Senhor Bom Jesus, santo muito cultuado na cidade de Matosinhos, no norte de Portugal. Ao alcançar a graça, ele então arrecada dinheiro da população, convida Aleijadinho para fazer os icônicos profetas e começa a construir o santuário. Esse gesto culminou no jubileu.
Em Portugal, a devoção do outro lado do Atlântico
A festa do Senhor Bom Jesus é realizada em junho na cidade de Matosinhos, na área metropolitana de Porto, em Portugal. “Quando os portugueses saíam do país em busca de ouro em outro continente, não sabiam o que iam encontrar. O último gesto era ir a Matosinhos, cidade portuária, e fazer uma promessa pedindo proteção e que o santo os guiassem para descobrir as riquezas. Assim, aonde eles chegaram fundaram devoções semelhantes”, explica Sérgio Rodrigo Reis, diretor do Museu de Congonhas.
O diretor do museu conta que foi resgatado um tratado de germinação com a Matosinhos de Portugal. “É um tratado de cooperação cultural e religiosa”, explica. Em junho deste ano, houve na cidade portuguesa o primeiro Congresso Internacional do Bom Senhor Jesus de Matosinhos. A segunda edição, em 2020, será realizada em Congonhas.
“Vimos práticas que eles têm, e nós não. Um fotógrafo (Sérgio Jacques) registrou todo o jubileu de lá e vamos abrir uma exposição no dia 28 deste mês no Museu de Congonhas”, revela. Para saber mais, acesse o site.
Segundo Reis, o jubileu de Portugal é mais sobre ritual do que fé e devoção. “A gente não consegue ver essa expressividade da fé estampada nos milhares de romeiros de Congonhas”, afirma.
Ele conta que por lá há uma tradição de enfeitar altares com flores naturais. “As igrejas são fechadas, e cada família tradicional é responsável por montar um altar: um todo roxo, outro todo branco… Depois uma multidão vai para lá e elege o mais bonito”, descreve.
Serviço
Como chegar
De carro. De BH para Congonhas são 83 km. Pegue a BR–040 (sentido Rio) e siga até a cidade histórica.
De ônibus. BH/Congonhas, pela Viação Sandra (viacaosandra.com.br), a partir de R$ 30,95. Partidas diárias entre 6h e 20h15. Retorno a R$ 27,65, diariamente, às 6h e às 17h.
Onde ficar
Diárias casal entre R$ 105 e R$ 425.
Atrativos
Museu de Congonhas. Com proposta moderna, abriga exposições e obras interativas que pretendem preservar a memória do santuário. Conta com a coleção Márcia de Moura Castro, com 342 peças de arte sacra. Entrada a R$ 10 na terça, quinta, sexta, sábado e domingo, das 9h às 17h. Gratuito na quarta, das 13h às 21h.
Beco dos canudos. Se é o “louco do artesanato” durante uma viagem, esse é o seu lugar. Uma ruela, morro acima, repleta de lojinhas de artesanato. Fica à esquerda do Santuário de Bom Jesus do Matosinhos.
Parque ecológico da cachoeira. Ideal para relaxar em família. Conta com quadras de esportes, piscinas, áreas de camping e restaurante. Aberto das 8h às 18h, de terça-feira a domingo. Entrada de terça a sexta a R$ 8, aos sábados é R$ 10. e aos domingos custa R$ 20 por pessoa. Crianças menores de 12 anos não pagam. Inf.: (31) 3732-2740 ou no site.
Onde comer
Restaurante Casa da Ladeira. Comida típica simples, feita no fogão a lenha. Self-service sem balança a R$ 25 por pessoa. Próximo ao santuário.
Armazém Santa Rita. Democrático: de comida típica mineira e japonesa a rodízio de pizza. Preços não tão acessíveis. Prove os bolinhos fritos recheados com rabada e catupiry.
Brigadeiros Gourmet. Tortas, salgados, sucos, cafezinho e brigadeiros variados, como o de limão-siciliano.