Sim… o corpo sente tudo. E, mais do que isso, ele responde. Quando algo nos fere profundamente, mas não é elaborado emocionalmente, essa dor não simplesmente desaparece — ela encontra abrigo no corpo. E, aos poucos, pode se transformar em bloqueios, sintomas, doenças. Wilhelm Reich chamou isso de couraças: tensões musculares que guardam memórias emocionais não processadas, como se o corpo se armasse para sobreviver ao que a alma não conseguiu lidar. Essas couraças criam uma estagnação energética. E onde há estagnação, o prazer deixa de fluir.

Pessoas encouraçadas não têm dificuldade apenas com o prazer sexual. Elas também têm dificuldade de relaxar, confiar, se entregar à vida. São mais rígidas, controladoras, metódicas. Sentem a necessidade de manter tudo sob vigilância — inclusive o próprio corpo. Não é à toa que muitos desses corpos também desenvolvem doenças autoimunes, como se, em algum nível inconsciente, estivessem tentando se defender de si mesmos.

Freud já dizia que muitas doenças emocionais e psíquicas estão diretamente ligadas a traumas sexuais não elaborados. E isso não significa, necessariamente, abuso. Pode ser culpa, repressão, vergonha, castigo. Tudo aquilo que nos ensinou a desconfiar do nosso desejo, a negar o próprio corpo, a ter medo de sentir.

Tenho acompanhado uma paciente com líquen — uma doença autoimune inflamatória que pode causar dor, ardência e lesões na pele e na região íntima. Essa mulher é linda, feminina, bem-sucedida. Por fora, ela parece segura de si. Mas por dentro, carrega um bloqueio profundo com o masculino. Tem raiva, receio, desconfiança. Estamos investigando, com muito cuidado, a possibilidade de abuso na infância, mas sabemos que seus dois últimos casamentos foram marcados por muito sofrimento. Relacionamentos abusivos, violência psicológica, controle, sentimentos constantes de humilhação e inadequação.

O corpo dela falou. Gritou. E começou a se fechar. Ela até quer sentir prazer. Mas o corpo tem medo. Tem medo de se abrir de novo. Medo de ser invadido. Medo de confiar e sofrer mais uma vez.

E isso pode acontecer com qualquer uma de nós.

Essa semana, um vídeo viralizou nas redes sociais: um homem agredindo violentamente sua namorada dentro de um elevador. Foram mais de 60 socos. Uma cena brutal, que naturalmente gerou comoção. Mas o que quase ninguém fala é sobre o trauma que esse tipo de imagem também causa em quem assiste. Esse fenômeno é chamado de trauma vicariante. É quando o nosso sistema nervoso absorve o trauma do outro como se fosse nosso. O corpo não distingue: ele vê a cena, sente a ameaça, ativa o medo. Muitas mulheres, ao assistir aquele vídeo, reviveram seus próprios traumas. Outras, mesmo sem terem passado por algo parecido, sentiram o corpo fechar, o coração disparar, a respiração travar.

E esse tipo de reação — mesmo que silenciosa — pode nos deixar hipervigilantes, desconfiadas, em constante tensão com o masculino. Passamos a ter medo dos homens, a evitá-los, a recuar mesmo em relações seguras. O corpo se fecha. A vulva se retrai. O desejo some.

Mas o que eu quero te lembrar hoje é que o corpo não é seu inimigo. Ele só está tentando te proteger. E ele pode reaprender. Pode voltar a confiar. Pode se reabrir — com tempo, cuidado e presença.

Se você é mulher, e sente que o seu corpo trava, que o prazer não acontece, que o toque incomoda ou que simplesmente não sente mais vontade, eu te convido a refletir: O que é prazer para você? O que é sexo, além do que te ensinaram? O que representa, para você, a figura do homem? E mais importante ainda: o que o seu corpo representa para você hoje?

E se você é homem, e deseja que a mulher ao seu lado se sinta mais confortável em suas mãos, o caminho é simples — mas exige presença. Pergunte: “Como posso melhorar?”, “Está bom pra você assim?”, “Como posso te fazer sentir mais prazer?” A ideia não é submissão — é confiança. É permitir que ela se sinta segura nas suas mãos. E é essa segurança que faz uma mulher se abrir.

Sabe essa minha paciente com líquen? Recentemente, acompanhei ela em um atendimento com um terapeuta masculino. A intenção era liberar o medo que ela tinha dos homens. No início, seu corpo travou completamente. Os punhos cerrados como se fosse bater nele. Havia raiva acumulada, um desejo profundo de defesa. Mas aquele terapeuta não forçou nada. Ele perguntou se podia tocar. Perguntou como ela estava se sentindo. O que poderia melhorar. E ela foi se abrindo… pouco a pouco. Ao final, depois de viver uma experiência profunda de prazer e respeito, ela disse: “Eu nunca senti isso antes. Nunca senti tanto respeito pelo meu corpo como senti hoje.”

Ela ainda não quer se relacionar. Mas está voltando a brilhar como mulher. Está reconectando com sua essência, com seu corpo, com o poder indescritível que existe dentro dela.

Porque mulher é energia fluida, selvagem, vibrante. E isso só floresce quando ela sente prazer em todas as áreas da sua vida. Na próxima coluna, vamos falar sobre como liberar essas couraças. Como abrir o corpo com práticas, escuta e prazer consciente — sem pressa, sem performance, sem medo.

Até lá, sinta o seu corpo como ele é hoje. E se pergunte com carinho: “Será que o que eu chamo de proteção… não é exatamente o que me impede de sentir?”