Entre as previsões do que pode acontecer após as novas regras definidas pelo Ministério da Educação para o EAD (ensino a distância) há um consenso: as mensalidades vão ficar mais caras. Gestores de instituições de ensino superior, consultores especializados e analistas do mercado de educação privada concordam que o novo marco regulatório traz uma pressão sobre os custos, mas ainda é cedo para cravar a dimensão do impacto no bolso do aluno.

Desde a publicação do decreto, há pouco mais de um mês, já foram divulgadas estimativas discrepantes apontando altas que podem variar de um patamar em torno de 5% até mais de 20% nos preços. A norma restringe a oferta de EAD, eleva a exigência de atividades presenciais nos diferentes formatos de cursos, cria uma modalidade semipresencial e elimina cursos de enfermagem a distância, entre outras medidas.

Para cumpri-la, as instituições terão de investir em infraestrutura mais robusta nos polos de apoio presencial e expandir o corpo docente, custos que devem ser repassados para as mensalidades.

"A nova regulamentação do MEC tende a aumentar o custo operacional das instituições particulares de ensino superior e, consequentemente, impactar o valor das mensalidades. Ao aumentar o percentual de atividades presenciais e exigir mais recursos humanos tanto na sede como nos polos, será necessário adequar a estrutura de oferta das instituições de ensino superior", afirma Janguiê Diniz, presidente da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), em nota.

Além do aumento no gasto com equipe e espaço físico, Evandro Ribeiro, gerente-executivo de ensino superior da Claretiano Rede de Educação, prevê a necessidade de mais investimentos em tecnologia educacional, administração e controle acadêmico.

"Com o novo modelo, a gestão dos cursos também ficará mais complexa. As instituições precisarão registrar de forma mais detalhada a participação dos alunos, os estágios e outras atividades práticas. Toda essa documentação será exigida em avaliações e auditorias do MEC, o que aumenta o trabalho das equipes acadêmicas e administrativas, exigindo mais organização e tecnologia de suporte", diz Ribeiro.

Uma estimativa do analista Márcio Osako, do Bradesco BBI, apresentada a executivos do setor nas últimas semanas, sugere um aumento inferior a 5% no valor das mensalidades, que pode ser repassado inicialmente para os calouros ou dividido para os veteranos com reajustes acima da inflação para compensar a elevação dos custos sobre as empresas.

"O aumento de custo gerado pelo marco regulatório, pelo menos das empresas listadas [em Bolsa], é pequeno. Está basicamente ligado às atividades síncronas mediadas, que é a aula ao vivo com limitação de 70 alunos por turma, algo que não existia", diz Osako.
Outro estudo que repercutiu no meio, feito pela consultoria Educa Insights, já aponta que as mensalidades de cursos a distância podem ter um aumento médio de até 21,6% depois das novas regras.

Segundo a Anup (Associação Nacional das Universidades Particulares), a profundidade do impacto será diferente em cada instituição a depender das particularidades de suas operações.
"Mesmo com algumas estimativas de aumento de mensalidades já realizadas, ainda é difícil estipular com precisão a dimensão total. Isto porque nem todas as portarias que regulamentam a nova política da EAD foram publicadas e, tendo em vista a diversidade dos modelos operacionais das instituições de ensino superior, algumas podem estar mais próximas das regras do novo marco regulatório e outras, mais distantes", diz a Anup em nota.

Para Fernando Marra, pró-reitor de EAD da Uniube (Universidade de Uberaba), uma das variáveis que vai interferir no cálculo dos custos é a figura do mediador pedagógico. "Ele foi criado no novo decreto, mas ainda não tem uma classificação. Uns falam que ele não será docente. Outros, que ele terá funções próximas às de um docente. Isso vai impactar o custo. Se ele for um técnico administrativo que possa ser contratado por valor de mercado, pode haver um aumento menor de custo. Mas se não for definida a categoria profissional dele, vai ficar mais complexo. É preciso ter segurança jurídica nisso", diz Marra.

Na equação entram decisões mais drásticas que as instituições poderão tomar no caso dos cursos menos rentáveis, como o fechamento de polos. "Muitos não terão como atender as exigências do MEC", diz Paulo Presse, coordenador da área de estudos de mercado da consultoria Hoper Educação.

A quantidade estimada de polos a serem fechados é alta, mas em número de alunos o encolhimento deve ser proporcionalmente menor, porque isso vai acontecer, principalmente, em municípios pequenos, que reúnem poucos estudantes.

Para João Vianney, sócio da Hoper, além do aumento na mensalidade, a elevação da exigência do presencial vai encarecer os gastos do aluno com deslocamento e dificultar a flexibilidade de horários, prejudicando a população de baixa renda. "Hoje, mesmo num micro município, a população tem acesso a dezenas de opções para escolher um curso de graduação. O EAD está presente em praticamente todas as cidades acima de 10 mil habitantes, inclusive em aldeias indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Agora isso vai cair muito", diz Vianney.

Em maio, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que o governo não é contra o EAD. "Nós somos a favor do ensino a distância no Brasil, isso facilita vida de muito trabalhador, muito estudante. O que queremos são regras claras", continuou. Ele admitiu que o decreto publicado pode ser aperfeiçoado, mas defendeu que há diferença na formação EAD com relação à presencial.

"Quando entrei no ministério, suspendi todas as autorizações de enfermagem a distancia no Brasil, porque não acredito que o povo brasileiro quer ser atendido por um enfermeiro formado 100% a distancia nesse pais", completou. De acordo com Benhur Gaio, reitor da Uninter, os cursos mais atingidos estão, principalmente, em áreas como saúde, veterinária, engenharia, produção e construção, matemática e licenciaturas. "Os mais afetados serão aqueles extintos na modalidade EAD e que passarão a ser ofertados somente no presencial e semipresencial", diz.

Especialistas avaliam que os resultados mais concretos dessas mudanças serão percebidos ao longo dos próximos dois anos, quando todo o setor deverá estar adequado ao novo marco. Por ora, o que tem acontecido é um movimento apelidado de xepa por alguns analistas do setor.

Enquanto ainda é possível matricular novos alunos nos cursos que tiveram o EAD extintos, como enfermagem e pedagogia, faculdades têm oferecido descontos de mais de 60% nas mensalidades e gratuidade em algumas parcelas. Mas isso vale apenas até agosto, ou seja, quem se matricular até essa data poderá fazer o curso a distância. Depois desse prazo, essas graduações não poderão aceitar novos alunos no modelo remoto.

Dentre as grandes companhias do setor, a Cogna (dona de marcas como Anhanguera e Pitágoras) e a Vitru (Uniasselvi e Unicesumar) são apontadas como mais expostas ao modelo de ensino remoto. Questionadas pela reportagem se preveem aumento de preços, as empresas não responderam. Em nota, dizem estar acompanhando as mudanças regulatórias.

PRINCIPAIS MUDANÇAS DOS CURSOS EAD

Formatos de graduação:

  • Presencial: Deve ter no máximo 30% da carga horária de atividades online. Antes, o limite era 40% 
  • Semipresencial: 30% da carga horária de atividades presenciais e 20% em atividades presenciais ou síncronas (aulas transmitidas ao vivo) mediadas.
  • EAD: Regra exige que 10% da carga horária total seja com atividades presenciais e 10% em atividades presenciais ou síncronas mediadas.  

Cursos que devem ser obrigatoriamente presenciais:

  • Medicina 
  • Direito 
  • Odontologia 
  • Psicologia 
  • Enfermagem  

Cursos que devem ser obrigatoriamente presenciais ou semipresenciais:

  • Licenciaturas 
  • Demais cursos da área de saúde  

Como devem ser a estrutura mínima dos polos EAD:

  • Recepção 
  • Sala de coordenação
  • Salas ou ambientes para estudos individuais e coletivos, compatíveis com as atividades dos cursos ofertados e com o número de estudantes que deverão utilizá-las
  • Laboratórios e outros espaços formativos compatíveis com as atividades dos cursos ofertados
  • Equipamentos e dispositivos de acesso à internet e conexão de internet estável e de alta velocidade, compatível com o número de usuários. O polo deverá possuir espaços e infraestrutura física e tecnológica adequados às especificidades dos cursos ofertado.

JOANA CUNHA