Um reflexo das políticas armamentistas do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), sob a justificativa de aumentar a proteção das famílias. A cada dois minutos, civis registraram uma arma no Brasil – 820 por dia – desde dezembro do ano passado. Os dados foram obtidos pela reportagem de O TEMPO junto ao Exército, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), a partir de um comparativo com dados cedidos pelo Instituto Sou da Paz.
Até o fim de novembro do ano passado, o Brasil tinha 794.958 armas legais nas mãos de caçadores, atiradores e colecionadores (CAC's). Desde então, esse número aumentou em 162.393 – chegando aos atuais 957.351 itens bélicos nas mãos de civis, um crescimento de 20,43% em apenas seis meses. Ou seja, o Brasil se aproxima da marca de 1 milhão de armas registradas com os CAC’s.
Esses dados não consideram as armas nas mãos de servidores públicos, como policiais militares, civis e federais. Os números acompanham o crescimento na compra de munição legal, conforme mostrado por outra reportagem de O TEMPO.
Para o gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, esses números preocupam, pois o País pode criar um novo problema de segurança pública: os massacres contra inocentes, assim como os que acontecem nos Estados Unidos.
“A gente já tem um quadro absolutamente deplorável de violência armada. Obviamente, é diferente do norte-americano, embora muito semelhantes. Com as medidas mais recentes do governo Bolsonaro, com esse contrabando legislativo que ele faz, os CACs têm acesso a uma quantidade de armamento que aumenta o risco disso acontecer. Nós não precisamos disso para viver uma tragédia de violência armada no Brasil, mas são modelos diferentes de problemas. O que você pode criar é um potencial novo problema”, diz o especialista.
Angeli lembra de casos que já ocorreram no Brasil antes do acesso maciço às armas, como o massacre de Realengo, em 7 de abril de 2011, quando 12 adolescentes entre 13 e 15 anos morreram na Escola Municipal Tasso da Silveira, Rio de Janeiro. Mas, diferente do que aconteceu naquela ocasião, hoje a população civil tem acesso a armas de maior potencial de dano, como fuzis.
“Você pode até ter policiais próximos, mas com um fuzil, até o atirador ser parado, a tragédia já se concretizou. Um ‘fracasso’ nesse tipo de ataque já resulta em mais vítimas que o maior ‘sucesso’ de um massacre com uma calibre .38, por exemplo”, afirma Felippe Angeli, do Instituto Sou da Paz.
A preocupação também se estende ao especialista em segurança pública e professor da PUC Minas, Luis Flávio Sapori. “É um fator que potencializa crimes violentos, como homicídios e tentativas de homicídio. Temos um Estado que não consegue garantir a segurança da população. Você ampliar o número de armas num contexto social desse é jogar gasolina na fogueira”, diz.
Minas Gerais armada acima da média
O Exército Brasileiro não divide o registro de armas no País por Estado. Na verdade, a divisão acontece por Regiões Militares (RM). São 12 no total, duas delas ligadas a Minas Gerais. Na 4ª RM está todo o Estado, com exceção do Triângulo Mineiro, englobado pela 11ª RM.
Para efeito de comparação, esta reportagem vai considerar somente a 4ª RM, portanto os números aqui apresentados dizem a uma parcela do Estado. Desde novembro, as armas nas mãos de caçadores, atiradores e colecionadores (CAC's) em Minas saltou 30,32% no total – o terceiro maior aumento entre todas as regiões militares, perdendo apenas para a 8ª RM (Amapá, Pará e Maranhão) e a 9ª (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul)
Em novembro, Minas tinha 43.097 armas registradas com CAC's. Hoje em dia, esse número é de 56.166. Ou seja, 13.069 chegaram aos civis no Estado em seis meses – uma média de 66 por dia ou 2,7 por hora.