Sob a sombra do patrocínio da Ambev no Carnaval de Belo Horizonte, as marcas de drinks mineiros reuniram-se em um apelo na folia de 2025 para pedir aos foliões: bebam local. E o que seria mais local do que uma bebida à base de cachaça, uma criação brasileira do século 16? É o apelo da tradição que pelo menos três marcas de drinks em lata de Minas tentam resgatar neste Carnaval, mas com o desafio de romper a má fama da bebida e chegar ao copo de jovens gerações.

As bebidas à base de cachaça têm ganhado destaque. No ranking de drinks carnavalescos de O TEMPO neste ano, a grande vencedora foi a Jambrunão, mistura de guaraná, laranja, jambu e cachaça. No ranking do ano passado, a ganhadora foi a Xá de Cana, drink de caldo de cana, limão e cachaça — ela também foi a campeã da competição Brasil RTD Cup, que avaliou 56 latinhas.

O reconhecimento é um impulso para as marcas. Até ir do pódio para as mãos dos consumidores, contudo, o percurso pode ser longo. Para uma pequena marca, lançar uma nova bebida já tem desafios por si só, como organizar a logística de produção, distribuição e competir com dezenas de rótulos antes de chegar no carrinho dos ambulantes. As opções à base de cachaça esbarram em um obstáculo a mais: o preconceito.

“O desafio de marketing é maior, uma vez que há, culturalmente falando, conceitos distorcidos sobre a cachaça, começando pelo próprio significado do termo ‘cachaceiro’. Se você buscar no Google, aparece algo como uma pessoa que bebeu muito álcool, ‘bêbado’, sendo que cachaceiros são pessoas que entendem, apreciam ou produzem cachaça. Meu maior desafio foi desmistificar o conceito de que a cachaça é ruim e trazê-la para o mais alto nível com uma bebida de qualidade”, pondera a criadora da Xá de Cana, Sthella Lima.

A latinha da bebida já circulava no Carnaval de 2024 e, no deste ano, chega com uma redução do teor alcoólico. Antes em torno de 10%, agora ele desceu para 6,9%. O movimento é o mesmo da Jambrunão, que estreou no último ano e, agora, ressurge como um drink com menor teor alcoólico (5,9%). Ela é um produto de Bruna Brandão, a mesma criadora da Jambruna, cachaça criada em 2018 e já popularizada na folia no formato de uma garrafinha com uma cordinha para pendurar no pescoço. 

“A tendência não é a bebida mais forte. O pessoal está prezando pelo sabor e pelo consumo consciente. Eu vendo uma cachaça forte, a Jambruna, mas não quero ninguém passando mal ou se excedendo de um jeito estranho. Muita gente ouve o nome ‘cachaça’ e tem a imagem de uma pessoa derrubada no meio da calçada”, diz Brandão.

Bruna analisa que este ainda não será o grande ano dos drinks de cachaça em lata, mas é um momento de virada para o mercado. Ela avalia que a febre do gin, que mobilizou a coquetelaria brasileira nos últimos anos, tem perdido tração, o que pode abrir espaço para outras bebidas. Na perspectiva dela, seria importante que, desta vez, a nova onda fosse uma invenção nacional, e não mais uma base importada de outros países.

“A cultura da coquetelaria chegou muito dos EUA. O rum é basicamente uma cachaça em outro formato, mas é mais bem aceito porque chegou nos EUA e eles moldam a coquetelaria, então se acha mais chique beber rum do que cachaça. Beber uma coisa nacional é uma luta, é militância no copo”, defende.

A valorização de uma bebida originalmente brasileira também é um dos maiores argumentos do criador de outra marca de bebidas em lata com cachaça, Roger Sejas, da Twenty's. Ele é criador da cachaça Jeceaba, com duas décadas de história na cidade homônima na região Central de Minas.

“Quando a cachaça fez 20 anos, veio a ideia de criar algo que celebrasse isso. Eu não via os meus filhos, de 18 e 20 anos, bebendo cachaça. A ideia foi criar uma bebida com cachaça de alambique com menor teor alcoólico para alcançar esse público. A cachaça de alambique conta a história do Brasil”, reflete.

As latinhas da Twenty’s são vendidas em três sabores: Citric Love (de limões cravo, siciliano e taiti), Heartbeat (de morango, pêssego e pitaya) e Sweet Poison (de jabuticaba, mirtilo e tangerina). “Não temos limite. Queremos alcançar todas as pessoas, tribos e classes para fazer esse aculturamento da cachaça”.

A gestora de bares e bebidas Jocassia Coelho explica que não é a base do drink o que mais importa para a ressaca do dia seguinte — tanto faz a cachaça ou o rum, por exemplo. O que faz diferença são a qualidade desse álcool e o teor alcoólico. “Lugares sérios e com selo de qualidade fazem o corte da parte mais volátil do álcool e a jogam fora. Ela faz com que tenhamos mais dor de cabeça, mais ressaca. A questão da cachaça é que, no contexto histórico, ela sempre foi ligada à marginalidade, mas não é pior do que as outras”, avalia.  

“É só abrir a cabeça e experimentar um pouquinho de cada vez”, recomenda. Para quem quiser provar as opções no Carnaval, nem todas as latinhas serão facilmente encontradas nos carrinhos dos 10,3 mil ambulantes cadastrados pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), já que elas têm diferentes escalas de produção. A Xá de Cana é uma das marcas que conseguiu se disseminar, chegar aos supermercados e, hoje, está no BH e no Verdemar (confira todos os pontos de distribuição no Instagram @xadecana). A Jambrunão tem um ponto de venda durante todo o Carnaval em frente ao restaurante Forno da Saudade, no Carlos Prates (veja mais aqui @jambrunao). A Twenty’s foca na região de Jeceaba, mas também é encontrada em BH na distribuidora Savana Cachaças e na Cachaçaria Real (consulte os detalhes em @20sdrinks).

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