Apontada como solução para o problema do trânsito na região dos bairros Belvedere, em Belo Horizonte, e Vila da Serra, em Nova Lima, a construção de uma estrada que atravessará o tão sonhado "Parque da Linha Férrea", na divisa entre os dois municípios, entrou na mira da deputada federal Duda Salabert (PDT) após três comunidades quilombolas que estão no raio de impacto das obras não terem sido ouvidas no processo. 

O TEMPO teve acesso a ofícios encaminhados pela parlamentar mineira ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e ao Ministério Público Federal (MPF) acerca do empreendimento conhecido como "Projeto Parque da Linha Férrea e Rodovia Associada", fruto de um acordo selado entre os municípios, a União e os Ministérios Públicos estadual e federal em junho de 2024.

As comunidades que teriam sido ignoradas no processo são os quilombos Souza, dos Luízes e Manzo Ngunzo Kaiango, sendo que o último deles, inclusive, foi responsável por impedir a atuação da mineração na serra do Curral pelo mesmo motivo, após não ter sido consultado no processo de licenciamento ambiental da mineradora Tamisa

Os três quilombos estão localizados a menos de 10 quilômetros do local previsto para o empreendimento, dentro da chamada "Zona de Restrição para Construção de Rodovias". Nos estudos ambientais das obras, ainda segundo a denúncia da deputada, a existência das comunidades não é citada, sendo que a "consulta livre, prévia e informada" das mesmas é determinada na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Falhas e inconsistências

Para além da não consulta às comunidades tradicionais, os ofícios também afirmam que foi identificada uma série de "falhas e inconsistências com alto potencial de grave violação de direitos humanos" no Termo de Acordo Preliminar (TAP) que levou à criação do parque, bem como nos estudos ambientais dos empreendimentos.

Entre os pontos levantados estão: a remoção de cerca de 20 famílias vulneráveis sem um plano de reassentamento; estímulo ao adensamento urbano em área verde "de importância para o aquífero Cauê"; a realização de Audiência Pública somente pela Prefeitura de Nova Lima, com participação de BH; além da suposta dispensa do licenciamento ambiental a nível estadual, apesar do empreendimento impactar em mais de um município. 

"Desde o ano passado estou analisando os documentos e há fortes indícios de irregularidades nos estudos. Há também rumores de que autoridades que seriam proprietárias de imóveis na região querem, a qualquer custo, a aprovação rápida desse projeto que prevê a construção de uma rodovia na Estação Ecológica do Cercadinho, que poderá levar ao adensamento populacional em região natural que, atualmente, é responsável pelo armazenamento e produção de água de qualidade para o abastecimento da capital e sua região metropolitana", afirma, em entrevista a O TEMPO, a deputada federal Duda Salabert.

"Nova saída para carrões de condomínios de luxo", diz deputada

Em entrevista, a deputada federal Duda Salabert pontuou ainda que, segundo ambientalistas ouvidos por ela, o empreendimento mira, na realidade, a criação de uma "nova saída" para os moradores dos condomínios de luxo existentes naquela região. 

"A verdadeira justificativa desse mega empreendimento é a criação de uma nova saída para carrões de condomínios de luxo que foram construídos irregularmente, como o bairro Bellágio, que, agora, está prestes a ganhar uma rodovia para chamar de sua. Em dezembro, já conversei pessoalmente com a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, denunciando a ilegalidade dessa obra, que estão querendo implantar sem respeitar o mínimo da legalidade e diálogo", completou a parlamentar. 

Outro lado

Questionado por O TEMPO, o Ministério Público Federal (MPF) informou por nota que que o acordo preliminar firmado "não envolve qualquer dispensa de licenciamento ambiental".

"Além disso, o acordo já estabelece a realização de audiência pública para garantir a ampla participação da sociedade no processo. A audiência já realizada contou com expressiva participação de movimentos sociais e cidadãos tanto de Belo Horizonte quanto de Nova Lima", completou. 

Por fim, o MPF pontuou que a definição do trajeto da via não é objeto do acordo e que "qualquer intervenção fora dos limites do parque deverá seguir todas as exigências legais". 

Prefeitura de Nova Lima

Também procurada, a Prefeitura de Nova Lima disse que está ciente da importância da participação popular no processo, e que realizou no dia 12 de dezembro de 2024 a "Consulta Pública" que foi aberta a todo público. "Na oportunidade, os participantes contribuíram com opinião e uma equipe técnica esteve à disposição para esclarecer dúvidas e apresentar os detalhes do projeto", completou.

Por fim, a prefeitura da cidade da Grande BH afirmou que o Termo de Acordo Preliminar, firmado em junho do ano passado, prevê a proteção do meio ambiente, preservação do patrimônio ferroviário e controle do adensamento populacional. "O projeto do Parque da Linha Férrea transformará a antiga linha férrea que conecta os bairros Vila da Serra (Nova Lima) e Belvedere (BH) em um espaço verde dedicado ao lazer e à preservação ambiental, beneficiando diretamente os moradores e visitantes da região", concluiu. 

Prefeitura de BH

A Prefeitura de Belo Horizonte esclareceu que a área pertence à União e há um acordo preliminar firmado entre o Governo Federal, Ministério Público, Estado de Minas Gerais e prefeituras de Belo Horizonte e Nova Lima, cujo objeto é estudar a viabilidade da transferência do terreno em questão aos municípios para implantação de um parque linear. O referido acordo prevê a realização de audiência pública para discutir a proposta do parque, sendo que a primeira audiência pública ocorreu no final do ano passado, em Nova Lima, sem qualquer restrição de participação da população de Belo Horizonte no debate.

É importante destacar que, neste momento, não há que se falar em obras, mas na elaboração de uma proposta a ser submetida à Secretaria de Patrimônio da União que avaliará a pertinência ou não da doação da área. Após essa etapa, caso as tratativas avancem, ainda será necessário o licenciamento de impacto urbanístico da intervenção que depende da elaboração e análise de estudos de impacto de vizinhança e sua posterior aprovação pelo Conselho Municipal de Política Urbana de Belo Horizonte - COMPUR que conta com representantes do Executivo, do Legislativo, do setor técnico, do setor empresarial e do setor popular.

Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania

Já o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) confirmou que recebeu o ofício em questão na última sexta-feira (31/1). "Diante disso, tomamos conhecimento do caso, que está em análise para deliberações necessárias", informou a pasta em nota.