MANZO NGUNZO KAIANGO

Quilombo que impediu mineração da Tamisa ocupa terreno aos pés da serra do Curral, em BH

Cerca de 100 pessoas da comunidade tradicional, entre adultos, crianças e idosos, estão no local desde o início da manhã desta sexta-feira (24)

Por José Vítor Camilo
Publicado em 24 de maio de 2024 | 14:38 - Atualizado em 24 de maio de 2024 | 17:09
 
 
 

Centenas de pessoas do Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango ocuparam, na manhã desta sexta-feira (24 de maio), um terreno localizado ao pé da serra do Curral, no bairro Fazendinha, na região Leste de Belo Horizonte. Reconhecido como patrimônio cultural imaterial da capital mineira, o quilombo foi o "responsável" pela suspensão da licença ambiental concedida pelo governo de Minas e que permitia à mineradora Tamisa, em 2022, atuar em área tombada do monumento natural. 

O TEMPO conversou com Pedro da Maura, um dos membros da comunidade tradicional, que explicou que há cerca de um ano eles vinham promovendo um processo de retomada, que começou a partir do manejo da terra e do plantio de ervas na área junto à serra do Curral e da mata da Baleia. O espaço, segundo ele, era tradicionalmente ocupado pelos quilombolas, há algumas décadas, e, por isso, eles reivindicam o território como parte do processo de se estalelecerem como "guardiões da natureza" local. 

"Fazemos isso guiados por pai Benedito, entidade guia do quilombo e que entende a necessidade da moradia, a necessidade de um espaço para que as pessoas consigam ampliar suas famílias e ter dignidade. Junto à questão da natureza, tentamos manter os processos da tradição, da ancestralidade do nosso quilombo, que carrega através da nossa matriarca, mãe Efigênia, neta de escravizados no quilombo em Ouro Preto", explica. 

Ainda segundo Pedro da Maura, a ideia é estabelecer ali, no pé da serra do Curral, uma escola quilombola. "Uma escola junto à serra para protegê-la dos ataques e da violência das mineradoras, que tentam derrubar esse patrimônio de BH e de Minas Gerais", completou o quilombola. Em barracas improvisadas, cerca de 100 pessoas, entre adultos, idosos e crianças, estão acampadas no terreno. 

Em uma carta aberta divulgada pelo quilombo Manzo Ngunzo Kaiango afirma que, em 2012, eles foram expulsos desse mesmo espaço e, 12 anos depois, resolveram retomar a área. "Retomamos esse território para construir nossa Escola das Ngoma, um espaço em que floresça uma pedagogia dos tambores (ngoma), que acolha e fortaleça o envolvimento de nossa juventude com o território e nossas práticas, em uma educação não para ter, mas para poder ser", escreveu a comunidade. 

Procurada por O TEMPO, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que o quilombo em questão existe em uma área reconhecida como "Área de Interesse Social (AEIS-2) e como Área de Diretrizes Especiais (ADE Quilombo) e devidamente regularizada pelo município".

Já sobre o terreno ocupado hoje, o município informou que a área não pertence à PBH, mas, sim, ao Hospital da Baleia. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da unidade de saúde, que informou, por nota, que já tomou conhecimento das reinvindicações do movimento quilombola e está "aberto para dialogar com os representantes do movimento".

"O terreno onde ocorreu o movimento é propriedade da Fundação Benjamin Guimarães, instituidora do Hospital da Baleia. É, ainda, patrimônio tombado e área de preservação ambiental", informou. "O Hospital do Baleia é uma instituição que completa neste ano 80 anos, 100% voltada para população mineira", conclui o texto.

PM e Comissão de Direitos Humanos

Poucas horas após o início da ocupação a Polícia Militar (PM) chegou ao local, mas não houve confronto com os manifestantes. Entretanto, uma equipe da deputada estadual Andréia de Jesus (PT), que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi encaminhada ao local para mediar o diálogo com a polícia e garantir a integridade das pessoas que ocupam o terreno.

“Esse é um território sagrado e ancestral para a comunidade quilombola que sempre esteve ali, cuidando e preservando o meio ambiente, fazendo o manejo de ervas e plantas, cuidando do bioma, da terra e das águas. Ao contrário das mineradoras, que chegam passando o trator destruindo tudo”, disse a deputada.

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