"A amarelinha vai voltar com tudo”. A aposta é do secretário de educação de BH, Bruno Barral, após o presidente Lula (PT) sancionar a lei que proíbe o uso de celular nas escolas. Embora não seja possível cravar o ‘retorno’ do jogo infantil, uma coisa é certa: assim como nessa brincadeira de criança, professores, diretores, pais e alunos têm ido do céu ao inferno (e vice-versa) tentando se adequar a essa nova realidade. As regras em muitos colégios já estão postas, mas nem todos estão satisfeitos. Afinal, como será, na prática, a volta às salas de aula com os alunos sem telefone? Como na amarelinha, ainda tem muita gente tentando acertar a pedrinha no lugar certo — e nem todos estão conseguindo. O Estado, por exemplo, a uma semana do ano letivo, ainda estuda como irá aplicar as novas regras e não deu nenhuma resposta definitiva sobre como tudo vai funcionar na prática. 

A reportagem consultou diversas escolas, Estado e município, além de pais e professores. Cada uma das instituições de ensino pensou em uma forma diferente de agir. Nas escolas municipais, por exemplo, a regra será deixar os aparelhos desligados. Em alguns colégios particulares, os celulares serão recolhidos e devolvidos no fim da aula. Os educadores também estão pensando no momento do intervalo: além de apostarem nas brincadeiras ‘antigas’, oficinas e rodas de conversas estão sendo pensados para os momentos. Na maioria das escolas, os profissionais focam em criar uma nova cultura ‘sem telas’. 

Segundo o secretário de educação de Belo Horizonte, Bruno Barral, as escolas municipais vão se adequar à nova realidade com tranquilidade e sem radicalismo. Os alunos serão informados sobre a nova lei e orientados a desligar o celular. E se não obedecerem? “Em casos pontuais de recusa, poderá haver um diálogo com os estudantes e as famílias. Vamos trabalhar a conscientização”, diz ele.

Para Barral, a proibição abrirá novos caminhos para os estudantes. “Quando tirar o celular dos alunos, o que vai ficar no lugar é a criatividade, a capacidade de as crianças inventarem brincadeiras, as interações. Momentos ricos e maravilhosos”, diz ele, afirmando que as escolas já têm o ambiente propício para isso. “O playground, por exemplo, já tem sido trocado pelo celular e voltará. A amarelinha vai voltar com tudo”, conclui.

No Estado, no entanto, ainda não há respostas. Conforme a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), a pasta “está discutindo tecnicamente a melhor forma de implementação da nova legislação e enviará, em breve, as orientações iniciais sobre o assunto para a rede estadual de ensino”. O ano letivo nas escolas estaduais terá início no dia 10 de fevereiro (Veja nota na íntegra no fim da matéria).

Do ‘off’ ao ‘celulódromo'

Nos colégios privados, o ‘celulódromo’ é uma das principais escolhas, conforme o superintendente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinepe MG), Paulo Leite. De acordo com ele, mesmo antes da lei, algumas instituições já adotavam a prática, que consiste em deixar os aparelhos dentro de sacolinhas organizadas com os nomes dos estudantes. Os celulares, em geral, ficam dentro das salas de aula, uma vez que estão na responsabilidade dos colégios. Já outras, optam por orientar os alunos a desligarem os aparelhos. 

“Fica baseado na dinâmica de autoridade dos profissionais. Os professores monitoram e aplicam as regras. Caso não haja cumprimento, podem haver sanções, como suspensão ou perda de nota”, diz ele.

As instituições de ensino também têm pensado em como tratar situações pontuais com os pais, caso eles necessitem falar com os filhos. “A escola faz o compromisso de se comunicar com as famílias, caso haja alguma situação com os estudantes, como no caso de eles passarem mal. Antes do celular, sempre foi possível resolver tudo. As situações são reconhecíveis, monitoráveis e tratáveis”, diz ele.

Mateus Leal, supervisor de 8º e 9º anos do Ensino Fundamental  do Colégio Santo Agostinho, acredita na desconstrução de uma cultura de uso indiscriminado de celular para a de uso consciente. No colégio, os aparelhos permanecerão desligados, mas, segundo ele, as ações relacionadas ao assunto vão além disso.

“Essa conscientização será por meio de diálogos, mostrando os malefícios do uso indiscriminado do celular e os benefícios da utilização consciente. Que os estudantes fortaleçam as relações reais, o olhar nos olhos, que possam ver as feições das pessoas”, destaca.

Desafios

Apesar de muitos colégios já contarem com seus planos para a aplicação da lei, desafios também são previstos. Anna Paula Jardim, diretora acadêmica do Colégio Nossa Senhora das Dores unidade Floresta, afirma que será feito um trabalho de sensibilização dos alunos, abordando os benefícios da lei. Os estudantes não deverão portar o celular, deixando-o em um local seguro, como os escaninhos.

“Um dos principais desafios será a adaptação dos alunos, principalmente os mais jovens, que já estão muito acostumados a usar celulares e outros dispositivos durante o dia escolar, seja para se comunicar com os pais, seja para lazer. A mudança pode gerar resistência, e é fundamental que a escola trabalhe com a conscientização para explicar os benefícios da redução do uso de tecnologia”, diz ela.

No colégio Arnaldo de BH, os celulares deverão ficar desligados. “O que mais me preocupa é os meninos dentro de sala de aula, sem o celular vibrando no bolso, como eles vão lidar com essa questão. Como é tudo muito novo para gente, nós estamos caminhando na medida em que os eventos forem acontecendo, mas a regra da escola será seguida,com bastante escuta e acolhimento aos alunos”, afirma Adriana Figueiredo, coordenadora pedagógica do Colégio Arnaldo, de BH.

Os desafios, porém, não serão só para os alunos. Professora, Anelísia Santos, de 41 anos, é mãe de Arthur, de 16 anos. Ela conta que é contra a proibição do uso do celular e a favor da conscientização.

“O celular pode ser um aliado e um vilão também. Não sou a favor de coisas radicais, nem como mãe, nem como professora. Acho que o uso tem que ser monitorado. Meu filho já estudou em uma escola onde o uso era moderado, e os alunos podiam usar o celular durante o recreio”, diz ela.

Para a professora, é importante que os alunos possam ter acesso aos aparelhos durante o intervalo, inclusive para se comunicarem com a família. “Às vezes, os pais ficam fora de casa o dia todo e precisam monitorar o que está acontecendo com os filhos. Eu fico preocupada, pois meu filho vai para a escola sozinho e volta sozinho. O recreio é o horário para monitorar. Acho que vamos perder muito”, afirma.

A designer de sobrancelhas Mariana Campidel, de 37 anos, por sua vez, apoia a medida. Mãe de Pedro Henrique, de 12 anos, ela acredita que a lei já deveria, inclusive, ter se tornado uma realidade há mais tempo. 

“Eu acho que vai ser muito bom para os meninos terem mais comunicação, brincarem mais, usarem a criatividade na hora do recreio, porque eles vão usar a imaginação, vão ter que pensar mais para brincar”, diz ela. Mariana conta que já vinha diminuindo o tempo do filho no celular. Por isso, não será tão desafiadora a nova realidade. “Para a gente, não vai mudar muito porque ele já tem essa consciência de não ficar tanto no celular”, afirma ela.

Mãe de Pedro Henrique, de 12 anos, Mariana Campidel apoia a medida

A professora de yoga e doula, Geozeli Camargo, de 41 anos, também apoia a lei. Ela é mãe de três filhos: Francisco, de 16, Teo, de 14, e Pedro, de 5. Apenas Francisco tem celular, que ganhou aos 15 anos.

“Ele já não usava o telefone na escola, mas levava. No recreio, ele e o irmão tinham o hábito de jogar totó. O meu filho não demonstrou reação nem positiva, nem negativa, pois não vai mudar nada para ele. Mas vai ter mudanças em relação aos colegas, que ficarão mais disponíveis”, conclui.

Leia posicionamento do Estado na íntegra

A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) informa que aguarda as diretrizes do Ministério da Educação (MEC). No entanto, em paralelo, a pasta está discutindo tecnicamente a melhor forma de implementação da nova legislação e enviará, em breve, as orientações iniciais sobre o assunto para a rede estadual de ensino.

Importante ressaltar que, em Minas Gerais, a utilização de celulares nas escolas da rede pública estadual é regulamentada pela Lei Estadual nº 23.013, de 2018, que permite o uso dos aparelhos em salas de aula, desde que utilizados exclusivamente para fins pedagógicos e assuntos relacionados ao contexto educacional, sob supervisão dos docentes.  

Até o ano passado, as instituições de ensino seguiam o guia “Uso de Smartphones como Ferramenta Pedagógica”, documento que contém orientações sobre o uso adequado dos aparelhos em sala de aula e o acesso a recursos pedagógicos. Entre os recursos, estão o aplicativo Conexão Escola, as plataformas como Enem MG, Google Sala de Aula, Britannica Education e Elefante Letrado.

O guia, que será atualizado, também orienta sobre a criação de regras adicionais em cada escola, com a participação da comunidade escolar, sempre respeitando a legislação vigente. Informamos também que o ano letivo da rede estadual de Minas Gerais se iniciará no dia 10/02.