Em discussão

Ameaçada pela mineração, Serra do Curral pode ganhar parque metropolitano

Com quase 5.400 hectares, área seria o segundo maior parque urbano do país e vai virar tema de discussão em audiência pública na Assembleia

Por Lucas Morais
Publicado em 20 de maio de 2022 | 03:00
 
 
 
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No lugar da rica vegetação nativa, a exploração da madeira destruía pouco a pouco toda uma biodiversidade. Entre as plantações de café e cana de açúcar, a fauna e flora cada vez mais ameaçada. Era 1861 quando os impactos ambientais passaram a afetar drasticamente o dia a dia da então capital imperial, com falta de água e até aumento das temperaturas. A degradação crescente da Floresta da Tijuca fez o imperador Dom Pedro II tomar uma iniciativa inédita e pouco difundida no país até nos dias de hoje: o reflorestamento da região.

Em apenas 13 anos, mais de 100.000 mudas da Mata Atlântica foram plantadas na região, que passados 160 anos tornou-se a segunda maior floresta urbana do país. A lição histórica dos tempos do imperador virou inspiração para fazer frente à exploração do principal cartão-postal da Grande BH: a Serra do Curral. Como alternativa ao avanço da mineração, uma proposta prevê a criação de um parque metropolitano de quase 5.400 hectares, atravessando Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará -- a área equivale a 16% da extensão da capital mineira e é do mesmo tamanho da região da Pampulha, que tem 350.000 habitantes.

A ideia para a criação do espaço partiu do vereador de Belo Horizonte, Gabriel Azevedo (sem partido), e do deputado estadual Doorgal Andrada (Podemos), no momento em que a região é ameaçada pelo retorno da atividade minerária, questão que se tornou alvo de um processo judicial. Caso a proposta avance, o Parque Metropolitano da Serra do Curral ultrapassaria a Floresta da Tijuca e se tornaria a segunda maior floresta em área urbana do Brasil, atrás apenas do Parque da Cantareira, em São Paulo, com oito mil hectares.

“A importância disso é gerar lazer, cultura, entretenimento, sustentabilidade e preservação para a região metropolitana de Belo Horizonte, onde vivem mais de seis milhões de pessoas. Essa é uma solução para a gente não permanecer apenas perfurando o nosso entorno, é tratar com economia verde, ideias inovadoras no pós-pandemia dessa área da cidade”, justificou o parlamentar. Além das prefeituras dos municípios impactados e do governo estadual, o objetivo é apresentar a proposta à sociedade civil para que possa fazer as suas contribuições.

Por isso, será realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no próximo mês. Só em Belo Horizonte, o espaço vai criar um corredor verde entre os parques Fort Lauderdale, Juscelino Kubitschek, Lagoa Seca, Mangabeiras, Serra do Curral, todos na região Centro-Sul, e o Aggeo Pio Sobrinho, no Buritis, região Oeste da capital. Também estariam integradas três unidades de conservação estaduais: Parque Estadual da Baleia, Rola Moça e APA Sul. 

Na região do Belvedere, o terreno da extinta Rede Ferroviária Federal, que é alvo de uma ação na Justiça para a implantação de um parque linear, foi integrado ao espaço. A União, que é dona do terreno de cerca de 70 hectares, incluiu a área no Programa Incorpora Brasil - Fundos Imobiliários Federais para ser vendida à iniciativa privada. Porém, o Ministério Público Federal tenta barrar a ação por considerar a localidade de interesse público, onde a população já pratica atividades de esporte e lazer.

“Uma ideia dessa não se realiza do dia para a noite, mas é importante começar. Os três passos iniciais são os estudos técnicos, que já foram iniciados pelas Secretaria de Estado de Meio Ambiente, além da audiência pública que vai reunir todos os agentes interessados e somar propostas. O terceiro ponto é ter o apoio dos prefeitos da capital, Nova Lima e Sabará, além do governador”, frisou Gabriel Azevedo.

Explorações ilegais na região

Segundo o vereador, o parque ainda ajudaria a recuperar áreas que já estão degradadas na região da Serra do Curral, principalmente por conta da mineração e da expansão urbana desenfreada. “Eu participei de algumas comissões na Câmara que apontaram problemas para além da Tamisa [que quer explorar a serra], com operações de mineração ilegais, sobretudo perto do Pico Belo Horizonte, que é tombado. A questão da nova área já está judicializada e temos que aguardar o resultado, mas essa deveria ser a última vez que alguém fala em perfurar a região”, acrescentou.

Só na área da serra, já foram catalogadas 526 espécies de animais, sendo muitas consideradas endêmicas. Entre as aves, 33 são encontradas apenas na região, e pelo menos outras 11 espécies estão em risco de extinção. O levantamento foi elaborado pela Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horizonte para avaliar os impactos do empreendimento da Tamisa. Sem alimentos e com dificuldades para se acasalar, parte dos animais podem migrar, o que compromete a biodiversidade. 

‘Extremamente bem recebida’

O deputado estadual Doorgal Andrada enfatizou que a criação do Parque Metropolitano da Serra do Curral foi “extremamente” bem recebida por outros parlamentares e secretários municipais e de estado. “Sabemos da complexidade, por isso precisamos do máximo de pessoas e entidades que possam participar. Não é um projeto que tem dono e a principal ideia desse parque é, além da preservação, estimular também a pesquisa e o turismo. A sociedade vai ganhar um novo espaço para poder usufruir” disse.

Na próxima semana, vai ocorrer uma reunião com o secretário municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte, Mário Werneck, e também a dirigente da pasta no estado, Marília Melo. Conforme o deputado, o projeto de lei do parque só será apresentado “depois de ouvir a sociedade civil, prefeitos, Câmaras e ambientalistas”. A Serra do Curral já é alvo de um processo de tombamento pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). A área também abrange os três municípios e o dossiê final será apresentado ao Conselho Estadual do Patrimônio Cultural. Na sequência, o tombamento deve ser votado pela Assembleia.

Para Gabriel Azevedo, o tombamento é essencial, mas não deve ser a única ação para proteger a diversidade ambiental e cultural da serra. “Precisamos também traduzir esse espaço em visitações com trilhas, estações ecológicas, movimentos de observação de pássaros. Precisamos que todo o estado abrace a região, assim como acontece com a Floresta da Tijuca. Não adianta só tombar se a sociedade não visita e entende a importância daquele espaço”, finalizou.

O secretário municipal de Meio Ambiente da capital, Mário Werneck, já se mostrou empolgado com a criação do parque. "A ideia é fantástica", disse. Segundo o vereador Gabriel, a secretaria Marília Melo também demostrou desejo em transformar a proposta em realidade. Já a Prefeitura de Nova Lima informou que ainda não foi consultada sobre o tema, enquanto Prefeitura de Sabará e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável não se pronunciaram.

 

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