TRÂNSITO

Mais de 40 radares foram retirados das ruas de BH; multas cresceram 80% em 1 ano

Especialista analisa risco de aumento de acidentes e volta dos rachas em alguns pontos da cidade

Por Isabela Abalen
Publicado em 06 de dezembro de 2023 | 03:00
 
 
 
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O trânsito de Belo Horizonte sofreu uma mudança repentina nas últimas semanas. Desde a segunda quinzena de novembro, a Prefeitura de BH já retirou 43 radares de funcionamento. O Executivo não divulgou os locais que estão sem fiscalização eletrônica, mas motoristas deram falta dos equipamentos em vias importantes da capital, como a avenida Amazonas, Teresa Cristina e Cristiano Machado. Na avaliação de especialistas em trânsito, o problema é intensificado na capital – que é recordista em infrações à Lei Seca e teve um aumento de 80% de autuações em um ano. A falta dos radares pode ocasionar, por exemplo, o retorno dos rachas em vias onde a prática já foi abolida. 

A retirada das fiscalizações eletrônicas ocorreu pelo fim do contrato dos equipamentos. A prefeitura informou que iniciou os trâmites para admissão de novos radares e que eles serão instalados nos mesmos locais, mas ainda não há prazo para que isso ocorra. No meio tempo, os condutores se sentem livres para acelerar. “Em alguns locais, é automático reduzir a velocidade, porque lembro dos radares. Mas, assim que percebi que não estavam mais ali, já era. Na saída do viaduto da Silva Lobo, por exemplo, é uma subida, então eu acelero feliz. De madrugada é ótimo”, conta a motorista de aplicativo Mariana Ribeiro, de 34. 

Acostumada a passar pela avenida Amazonas há anos, Mariana lembra da época que a via era usada para rachas. Foi em uma dessas corridas, em 2009, que a motorista perdeu um amigo. “Amazonas era pista de racha de madrugada. Um amigo meu morreu no pega, o Jefferson. O carro que ele estava rodou. Em alguns lugares, acredito que melhora o trânsito (a retirada dos radares), faz fluir. Mas, realmente, existe o risco de acidentes”, acrescenta a autônoma. 

Falta de radares legimita aumento de acidentes e mortes no trânsito

Antes da retirada dos últimos radares, Belo Horizonte tinha 399 equipamentos, a maioria como controlador de velocidade (116, isto é, 29%). Ao todo, 359 locais da cidade contavam com fiscalização eletrônica, uma vez que mais de um radar pode ser colocado em um mesmo local. Na avaliação do especialista em Segurança e Educação de Trânsito, Agmar Bento, o principal problema da retirada dos radares é que o aumento da velocidade incide, imediatamente, na alta dos acidentes e na gravidade dos casos.

“Assim que os motoristas percebem que não estão sendo monitorados, começam a acelerar, e o risco de acidentes cresce. A velocidade interfere inclusive na gravidade dos eventos, seja no número de vítimas ou no estado de saúde delas. Quanto maior a velocidade, maior a incidência de vítimas graves e mortes no trânsito”, analisa ele, que também é professor do Cefet-MG. 

De fato, de acordo com dados da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), em dez anos, o número de vítimas de acidentes de trânsito caiu 37% em BH, de 21.774 registros em 2011 para 13.621 em  2021. As mortes no trânsito também diminuíram de 217 vítimas para 113 – uma queda de 48% em uma década. 

Os números são inversamente proporcionais ao aumento de radares e multas. A prefeitura de BH informou que, só de agosto de 2022 até agosto de 2023, o número de multas de trânsito cresceu 80% (de 53.313 para 100.153). “Diversos fatores causam o aumento das infrações. Um deles é a saída da pandemia, com o aumento da frota de veículos no tráfego. Outro é a maior fiscalização, seja com a colocação de mais radares, seja por outros meios. É observado, também, que a maioria das multas de trânsito são de pessoas que desrespeitam as normas inúmeras vezes”, avalia a especialista em trânsito Cinthia Almeida. 

A profissional ressalta que, uma vez que os radares são dispositivos de segurança, o ideal seria não haver espaço de tempo sem os equipamentos. “Houve uma falta de organização dos processos de contratação. É burocrático sim, mas, se já se sabe quando o contrato termina, é possível planejar uma nova licitação antes que seja criada essa lacuna de proteção”, afirma. 

Final de ano e perfil dos motoristas de BH pioram situação de risco 

Ainda de acordo com Almeida, o final do ano é uma péssima hora para a retirada dos radares. “Já é um momento em que aumenta muito o número de acidentes de trânsito. Os motoristas entram em um ritmo acelerado com as tarefas e comemorações de fim de ano e estão mais sujeitos a batidas e atropelamentos. Sem radar, isso deve ser ainda mais acentuado”, avalia. 

Além disso, com o periodo de festas, aumenta também o consumo de álcool e a imprudência no trânsito. “Belo Horizonte já é conhecida como a cidade dos bares, as pessoas têm o costume de consumir bebida alcoólica e mesmo assim dirigir. Isso porque a chance de um motorista ser pego em uma blitz é muito baixa. Infelizmente, os condutores vão ficar mais sujeitos a beber, dirigir e pisar no acelerador”, explica o especialista Agmar Bento.

A capital é a cidade do Brasil com mais casos de infrações à Lei Seca da história. Desde que a lei foi criada, em 2008, a capital mineira já registrou 48 mil autuações por embriaguez ao volante, isto é, a cada dia dos últimos 15 anos, nove motoristas foram flagrados dirigindo sob influência de álcool. Em segundo lugar está Brasília (DF), que registrou 36 mil infrações, seguida de São Paulo (SP), que registrou 25 mil, segundo relatório do Ministério dos Transportes. 

Para o taxista particular Flávio Diniz, a falta do radar é uma oportunidade de agilizar o tempo no trânsito. “Nos locais que têm fluxo de radares, o engarrafamento é certo, principalmente em horário de pico. Alguns condutores reduzem a velocidade até além do necessário”, afirma. Ele se informa por grupos de motoristas para tentar aproveitar os espaços sem fiscalização. “Nós temos os grupos. Sempre que é instalado ou retirado um radar, a pessoa que percebeu avisa e manda a localização”, conta. 

Menos radares, maior o gasto com os prejuízos 

Para diminuir os riscos de acidentes durante o processo de contratação dos radares que foram retirados em Belo Horizonte, o especialista Bento afirma que é interessante investir em outras formas de fiscalização, como radares móveis, agentes de trânsito nos locais ou a priorização de vias mais perigosas. 

Ele reforça que a falta dos radares acarreta em um aumento de custos diretos e indiretos. “Um acidente causa gasto para o conserto do carro danificado, do estrago com a pista, da ocupação do leito que a vítima vai precisar. Em alguns casos, a pessoa pode ficar afastada do trabalho e, além de deixar de produzir, gera um custo para o governo”, enumera Agmar Bento. “Sem falar no custo psicológico para as vítimas e familiares”, acrescenta. 

O que diz a Prefeitura de BH? 

"A Prefeitura de Belo Horizonte esclarece que desde a segunda quinzena de novembro foram retirados 43 equipamentos de fiscalização eletrônica (radares) na capital, em função do fim dos referidos contratos. Para não estimular o desrespeito às regras de trânsito, a localização desses equipamentos não será divulgada.

A PBH já iniciou os trâmites para a contratação de novos equipamentos que, em breve, serão instalados nos mesmos locais."

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