Reconhecimento

Símbolo da capital mineira, Igrejinha da Pampulha é elevada a santuário

Marco da arquitetura modernista projetada por Oscar Niemeyer ganha novo título pela Igreja Católica. Expectativa é ampliar presença de peregrinos e atividades religiosas

Por Lucas Morais
Publicado em 04 de outubro de 2021 | 17:17
 
 
 
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Nas curvas que remetem às montanhas mineiras, a joia da arquitetura modernista que tornou mundialmente famoso o então jovem Oscar Niemeyer. Entre azulejos azuis e brancos, retratos da vida e obra de São Francisco de Assis expressados pelo artista plástico Cândido Portinari. Esculpidas em bronze, painéis do artista Alfredo Ceschiatti que representam a expulsão de Adão e Eva do paraíso. Símbolo da capital mineira, a Igrejinha da Pampulha, como é carinhosamente chamada pelos belo-horizontinos desde 1943, quando foi erguida, comemora nesta segunda-feira (4) a elevação a santuário – mesma data em que o santo católico é celebrado. 

Para o novo reitor do Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis, padre Edinei Almeida Costa, o título se junta ao de patrimônio cultural mundial para contribuir ainda mais com a preservação e apropriação do espaço pelo público. "Trata-se de um momento muito especial no coração de todos nós, porque é um reconhecimento eclesial que ela já tem em função da própria Unesco. Com isso, acrescenta trabalhos a nós, padres, porque exige presença, atendimento das confissões, um maior número de missas e acolhimento aos peregrinos e devotos que vêm visitar toda essa obra de arte", destacou.

Todos os meses, a igrejinha recebe pelo menos 1.550 pessoas. Com a elevação a santuário, a expectativa é que ainda mais pessoas visitem o espaço – atualmente, por conta da pandemia, o número de pessoas com pode acompanhar as missas e atividades eclesiásticas no local foi reduzido de 168 para 42. O padre lembrou ainda que a mudança quer trazer um olhar mais atento das pessoas sobre as questões ambientais no entorno da igrejinha, já que até hoje a Lagoa da Pampulha recebe esgoto de quase 20.000 famílias em Contagem e Belo Horizonte. No último mês, as prefeituras das duas cidades se reuniram com a Copasa para traçar estratégias que solucionem o problema.

"Desejamos, através da espiritualidade franciscana, despertar no coração das pessoas tanto a preservação dos jardins de Burle Marx, que estão no entorno da igreja e são tão importantes quanto ela, mas também conscientizar cada pessoa nesse cuidado com a casa comum, como a lagoa", enfatizou o sacerdote. O templo teve toda uma programação especial por conta da elevação a santuário, iniciada na última semana. E nesta segunda, acontece a benção dos animais domésticos e ainda uma missa presidida pelo arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo, a partir das 18h.

O arcebispo lembrou que os santuários possuem uma característica especial diante da capacidade de congregar fiéis de várias localidades, como é o caso da igrejinha. "São também referência na evangelização a partir da cultura e do compromisso com os mais pobres. O Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis reúne essas características, acolhendo visitantes de diferentes cidades e países. Um dedicado trabalho vem sendo desenvolvido para que o seu patrimônio religioso e cultural enriqueça a interioridade de peregrinos e turistas", pontuou o arcebispo, que presidiu a missa no templo. 

Além da Pampulha, a capital mineira conta com outros seis santuários: Nossa Senhora da Conceição dos Pobres, na Lagoinha; Nossa Senhora da Boa Viagem, na região Centro-Sul; São Judas Tadeu, no bairro da Graça; São Paulo da Cruz, no Barreiro; Saúde e da Paz, no Padre Eustáquio; e São José, no Centro da capital. Nos outros 28 municípios que fazem parte da Arquidiocese de Belo Horizonte, ainda há outros seis templos que contam com o título em Contagem, Brumadinho, Santa Luzia, Sabará, Confins e Caeté, na região metropolitana.

Caminho até o título

Conforme museóloga da arquidiocese, Rayane Rosário, para a elevação, é realizada uma análise sobre a igreja como um espaço cultural e de peregrinação. "Parte de questões administrativas internas à Igreja Católica. Há uma consulta com bispos, conselhos diretores da própria instituição, para ter esse estudo e saber se é viável se tornar um santuário. Com todas essas pesquisas, o nosso arcebispo (dom Walmor) tomou a decisão", acrescentou sobre o processo, que também foi influenciado por conta do grande número de visitas por motivos religiosos.

A especialista considera a igrejinha uma jóia da capital mineira e o título dado pela Igreja Católica vem como um presente que vai valorizar ainda mais o espaço. "Temos tanto a procura de visitantes católicos que vêm enquanto devoção à São Francisco de Assis, quanto pessoas que procuram o templo enquanto um espaço cultural e de patrimônio, símbolo da arquitetura modernista no Brasil. É um local que consegue acoplar os dois grandes sentidos da igreja ser o que é, desse alcance e relevância. E a identidade cultural do belo-horizontino passa pela igrejinha", argumentou.

Na mesma data em que São Francisco de Assis é celebrado, neste 4 de outubro, a empresária Ana Lúcia Oliveira, 35, comemora aniversário. E ela decidiu participar de uma das missas ao longo do dia na igrejinha. "A sensação foi maravilhosa, já tinha todo o lado emocional de agradecer a Deus, lembrar de São Francisco, da sua história e da sua importância. E como eu nasci no mesmo dia que ele, tenho um carinho ainda mais especial", disse. Com a expectativa de uma programação religiosa ainda maior no santuário, Oliveira pretende frequentar ainda mais as celebrações. "É um lugar que favorece muito a religiosidade", pontuou.

Igrejinha ficou 16 anos fechada por não ser reconhecida como templo religioso

Por ser tão diferente dos padrões para a época, a própria Arquidiocese de Belo Horizonte demorou 16 anos para reconhecer o espaço como um templo religioso, que só foi aberto para visitação em 1959. Entre os elementos mais polêmicos, estavam as curvas pouco convencionais e a imagem do altar, com São Francisco de Assis retratado por Portinari magro e ao lado de um vira-lata – tradicionalmente, o santo católico está com um lobo. A consagração só veio quando o papa João XXIII mostrou interesse em expor a Via Sacra desenhada pelo artista plástico no Vaticano.

"Era um período em que as pessoas  estavam acostumadas a lidar com o barroco mineiro e o rococó. Com isso, as características estilísticas e arquitetônicas das igrejas eram construídas e consolidadas com esse sentido. E a igrejinha tem uma estrutura com traçados totalmente modernistas, em que tem uma ousadia no seu projeto, como o concreto armado, mais clean de ambientação e elementos artísticos, principalmente parte interna. Então houve uma certa estranheza", finalizou a museóloga da arquidiocese.

Pelas mãos de Niemeyer
Conheça a história do Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis, uma das principais obras do arquiteto Oscar Niemeyer no Conjunto Moderno da Pampulha

Marco da arquitetura
Erguido em 1943 e desenhado por Oscar Niemeyer, o templo modernista foi considerado um marco na história da arquitetura brasileira junto com as demais obras no entorno da orla da Lagoa da Pampulha

Inspirada nas montanhas das Gerais
Com curvas que remetem às serras e montanhas mineiras feitas em concreto, santuário conta com uma sucessão de cinco tetos arredondados, sendo dois principais (nave e estrutura geral) e três secundários (sacristia e anexos)

Formato inédito
Traços foram usados pela primeira vez em uma edificação católica no Brasil, antes marcada por elementos do período colonial

Outros artistas presentes na obra

  • Cândido Portinari: artista plástico fez o marcante painel externo e azulejo azul e branco, além das pinturas internas que retratam a vida de São Francisco de Assis e os 14 quadros da Via Sacra
  • Burle Marx: paisagista foi responsável pelos jardins no entorno do templo
  • Paulo Werneck: autor dos mosaicos em azul e branco nas laterais do teto
  • Alfredo Ceschiatti: esculpiu os painéis em bronze que retratam a expulsão de Adão e Eva do paraíso

Proteção
Santuário foi tombado pelo Iphan em 1947, sendo o primeiro monumento moderno a receber proteção federal no país

Restauração
Passou por uma ampla restauração que durou dois anos e foi reaberta ao público em 2019

 

 

 

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