Trabalho, família, religião e a própria vida. Essas foram algumas das respostas dadas à pergunta “O que te dá prazer?” por quem passava pela praça Sete, no centro de Belo Horizonte, na tarde da última quarta-feira (24). Não houve hesitação, pudor ou vergonha em responder ao questionamento. A situação, porém, se transformou quando a reportagem de O TEMPO direcionou o assunto para o sexo. Para a maioria dos entrevistados, o tema não é algo a ser discutido abertamente. “Entre quatro paredes, a gente fala. Só em quatro paredes”, disse Flávio Lúcio Silva, 43. A resposta, repetida por outros entrevistados, evidencia o quanto o prazer sexual ainda é cercado de tabus, preconceitos e estereótipos.
“A gente não fala sobre sexo, e o prazer sexual ainda é tido como algo proibido, oculto ou muito íntimo, a ponto de as pessoas acreditarem que não podem manifestar-se sobre isso”, observa o sexólogo Rodrigo Torres. A terapeuta tântrica Tami Bhavani reforça o coro, pontuando que essa dificuldade em falar sobre sexo é uma questão cultural. “É algo que faz parte da nossa sociedade há milhares de anos por conta da religião e dos preconceitos e conceitos em relação à sexualidade, que colocam o prazer sexual como algo pecaminoso. E ninguém quer ser visto como pecador ou com maus olhos”, afirma.
A sexóloga Sarita Milaneze, especialista da marca A Sós, acrescenta que atitudes tomadas ao longo da história ainda influenciam a forma como o sexo é visto. “Durante muitos anos, a sociedade tinha até estipulado as posições em que os casais poderiam praticar sexo, e por muito tempo isso foi regido na sociedade brasileira. Usavam lençóis com furos entre o casal, para não ter contato um com o outro, apenas para ter filhos. A sociedade cresceu acreditando que o sexo é feio”, diz ela.
A especialista relata que, mesmo nos dias atuais, costuma receber mensagens de pacientes que consideram práticas como sexo oral e anal pecaminosas. “Isso, porque elas fogem do conceito de reprodução”, pontua. “Essa cultura de que o sexo é para fins reprodutivos, e não para o prazer, se perpetuou e até hoje carregamos esse conceito de uma sociedade que viveu uma repressão sexual. Então, as pessoas não entendem que sexo é algo natural e saudável, por causa dessas raízes culturais por meio das quais fomos criados”.
A dificuldade de discutir temáticas relacionadas ao sexo também é percebida pelos brasileiros. Conforme um levantamento publicado no ano passado e desenvolvido pela empresa MindMiners, especializada em pesquisa digital, metade das pessoas acredita que o Brasil é um país conservador em relação ao sexo.
A pesquisa mostrou ainda que falar sobre o tema é mais comum entre pessoas mais próximas. De acordo com os dados do levantamento, quase metade dos participantes (44%) sente mais liberdade para falar sobre sexo com cônjuges, parceiros, namorados e semelhantes, seguidos de amigos (37%), médicos (24%), familiares (15%) e desconhecidos (7%). Um dado que chama a atenção é que, para 17% das pessoas, não há conforto para falar sobre o assunto com ninguém.
Encarar a conversa sobre sexo como algo difícil ou evitar falar sobre o tema têm impactos negativos. “Assuntos que são tabus na sociedade acabam gerando mitos e crenças errôneas, e isso influencia o nosso comportamento e a maneira como exploramos a questão na nossa intimidade. Um assunto que é pouco tratado vai gerar muito mais dúvidas e questionamentos do que respostas”, aponta Rodrigo Torres.
Assim como Rodrigo, a terapeuta Thamy Bavani observa que a dificuldade de falar sobre o tema também pode representar uma dificuldade de conhecer o próprio corpo e compreender do que ele gosta e não gosta. “Uma pessoa que não consegue falar sobre o prazer também vai ter dificuldade de se conhecer. Ela não vai se tocar, não vai buscar informações sobre o tema e aí, quando tiver uma relação, não vai conseguir direcionar o parceiro ou a parceira para o que e como ela gosta. O prazer, então, vai ficar nas mãos do outro”, afirma.
É justamente por conta das dificuldades causadas pela falta de diálogo que conversar sobre sexo e buscar entender o próprio corpo se torna tão importante. Além disso, discutir e compreender o prazer pode contribuir para diminuir estigmas, desconstruir preconceitos e, ainda, aumentar o próprio apetite sexual. “Falar sobre desejo, sobre prazer, principalmente para a mulher, é importante para o que as pessoas chamam de ‘libido’. Porque, quanto mais a gente fala sobre sexo, mais temos desejo de praticá-lo”, sublinha Sarita Milaneze.
Prazer sexual vai além do orgasmo
Falar pouco sobre a sexualidade também pode reforçar ideais que muitas vezes não estão corretos. O principal deles tem relação com a busca incessante pelo orgasmo, que nem sempre vai acontecer – uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP), em 2016, mostrou que 55,6% das mulheres têm dificuldade para chegar ao orgasmo. “O prazer vai muito além dele. Na realidade, o orgasmo é só um estágio mais avançado dessa sensação de prazer”, pontua o sexólogo Rodrigo Torres.
Para desconstruir a ideia de que o orgasmo é sempre necessário e tornar o sexo mais satisfatório, ele pontua que é preciso se desapegar da concepção de sexo genitalizado. “O prazer não precisa ser só na genitália, ele pode ser no corpo inteiro, e a gente explora muito pouco o resto do corpo, acreditando que só essas regiões são capazes de dar prazer”.
Terapeuta tântrica, Thamy Bavani explica que o orgasmo é uma liberação momentânea e que focar a busca por ele acaba impedindo que as pessoas experimentem outras sensações. “Dá para começar a relação com um beijo na boca, uma massagem, tomar um banho relaxante, ou ambos prepararem uma noite quente, em que vão aplicar alguns jogos eróticos para explorar o corpo primeiro e também outros sentidos”, aconselha.
O que é prazer sexual?
Segundo o sexólogo Rodrigo Torres, o prazer pode ser definido como uma sensação que acontece no corpo humano de diversas formas e em diversas áreas. “Mas é algo que acontece no cérebro, é uma liberação neuroquímica de substâncias que causam sensação de bem-estar. Já no sexo, costumo dizer que o prazer é misturado com o erotismo, porque podemos sentir prazer em comer uma comida gostosa, em abraçar alguém, mas o prazer sexual está associado a pensamentos e sentimentos eróticos”.