Em 2015, quando foi lançado, “Divertida Mente” ilustrou de forma didática o papel das emoções na infância da menina Riley. Agora, na sequência do filme, que está em cartaz nos cinemas brasileiros, o público acompanha como a puberdade modifica a dinâmica do cérebro da protagonista, afetando sua consciência e a própria forma como ela se vê. Tudo isso acontece com a chegada de novas emoções. Então, se antes Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho se revezavam no controle da mente da menina, agora a turma precisa receber – e dividir espaço com – Ansiedade, Tédio, Inveja e Vergonha. 

E é em meio a toda essa profusão de emoções – com destaque para a Ansiedade, que chega a assumir o controle da mente de Riley – que o filme se desenvolve. E se, para algumas pessoas, a situação agitada da mente pode parecer um exagero, a realidade é que, apesar de o filme ser uma ficção, ele representa muito bem o que acontece durante a puberdade. 

É isso o que pontua o médico psiquiatra Bruno Brandão, ao ressaltar que, durante a adolescência, lidar com as emoções costuma ser mais desafiador. “Isso ocorre por vários motivos, mas, se a gente pudesse listar os principais, o primeiro estaria relacionado às mudanças hormonais. A puberdade traz uma série de transformações, que certamente vão afetar as emoções e o humor daquele adolescente. A gente tem um aumento dos níveis dos hormônios sexuais – testosterona e estrogênio –, e tudo isso está associado às alterações de humor”, explica o psiquiatra.

De acordo com o médico, o desenvolvimento do cérebro também passa por uma particularidade durante a adolescência, o que também afeta a forma de lidar com os sentimentos e emoções. “O cérebro dos adolescentes, especialmente o córtex pré-frontal, que é responsável pelo controle dos impulsos e pela tomada de decisões, costuma se desenvolver de uma maneira mais lenta do que o sistema límbico, que está mais relacionado aos processos afetivos e emocionais. O que acontece, então, é que o nosso sistema emocional, o sistema límbico, começa a ganhar muita força e a se desenvolver de uma maneira muito acelerada, enquanto o sistema racional está mais encolhidinho. É por isso que na cabeça de um adolescente, de modo geral, o sistema emocional prevalece sobre o sistema racional”, afirma Bruno Brandão.

A própria adolescência também traz desafios que impactam a relação com as emoções. “É uma fase em que existe uma busca grande pela sua identidade, pelo autoconhecimento, e isso gera muita confusão, insegurança e uma necessidade muito grande de se encaixar num grupo social”, pontua o psiquiatra. 

Especialista no cuidado de crianças e adolescentes, a psicóloga Ana Luísa Bolívar explica ainda que é também durante essa fase que os jovens enfrentam uma percepção de realidade diferente do que tinham na infância, por isso é importante que pais, cuidadores e a própria escola compreendam o quão desafiadora a puberdade pode ser para acolher os adolescentes e entendê-los. 

E se lidar com as emoções já é mais difícil durante essa fase, compreender e gerenciar o que está sendo sentido também não é das tarefas mais fáceis. “As emoções vêm de uma forma múltipla, um adolescente consegue sentir várias ao mesmo tempo, e elas não são tão claras. A raiva pode vir em forma de irritabilidade, de tédio. É como se estivesse fragmentado em pequenas emoções”, explica a psicóloga. 

Por isso, Ana Luísa ressalta ainda que é importante que quem está perto do adolescente se atente, já que é nesse período que sintomas de transtornos mais graves, como a depressão e a ansiedade, tendem a se desenvolver. O alerta também é feito pela Organização Pan-Americana da Saúde, que aponta que metade de todas as condições de saúde mental têm início aos 14 anos, mas não costumam ser detectadas ou tratadas. “É importante ficar atento a esses sintomas ‘fragmentados’, porque os adolescentes sentem muito de forma muito intensa e ainda não têm a versatilidade do adulto. Se, para nós, já é difícil conversar com amigos, procurar uma terapia, para eles pode ser ainda mais”, observa a psicóloga.

Diálogo constante com adolescentes

Em meio a todas as mudanças e dificuldades presentes na adolescência, a educação emocional é um ponto de partida para melhorar a situação. “Hoje a gente fala muito na questão de regulação emocional. E isso é literalmente ensinar habilidades de gerenciamento emocional e autoconhecimento para crianças e adolescentes. Nesse sentido, o filme ‘Divertida Mente’ é interessante e muito útil para começar a ter um contato e entender o que são as emoções. Esse conhecimento ajuda muito”, ressalta Bruno Brandão.

O médico explica que a educação passa, antes de tudo, pelo reconhecimento das emoções. “Lembrando que a emoção tem três elementos básicos. Ela tem uma característica subjetiva, ou seja, é bom ou ruim de sentir. Ela tem um componente corporal: eu sinto as emoções no meu corpo. Então, eu sinto um aperto no peito, eu sinto um frio na barriga, eu sinto um nó na garganta. A emoção é física. Toda emoção é uma tendência de ação, ou de aproximação, ou de afastamento. Se eu estou com medo, eu me afasto. Se eu estou alegre, eu me aproximo. Se eu desejo algo, eu me aproximo. Se eu estou com nojo, eu me afasto. Então, começar a ensinar ao adolescente essas características da emoção é importante”, orienta. 

Brandão acrescenta que vídeos educativos e até mesmo materiais lúdicos, como o baralho das emoções, criado por um pesquisador da PUC-RS, também podem ser utilizados. “Hoje a gente tem muito material para ensinar os adolescentes a lidar com as emoções, e não serem escravos delas”, pontua o médico.

Para além da educação, o psiquiatra ressalta a importância de se manter uma comunicação e uma linha de diálogo aberta com os adolescentes. “Sem julgamento, tentando entender o que ele está passando, levando em conta esses conflitos que existem entre gerações, não tentando impor uma verdade, estando especialmente aberto a escutar e apoiar quando necessário”, recomenda. 

A psicóloga Ana Luísa Bolívar reforça o coro, acrescentando que ter um tempo de qualidade com os adolescentes também é importante. “Levar ao cinema, por mais que eles sintam vergonha, pode ser uma boa ideia. É muito diferente a qualidade de vida de quem tem a família por perto e quem não tem, eles se sentem mais seguros, desenvolvem mais a autoestima e conseguem lidar melhor com essas mudanças”, destaca. 

Ela ainda explica que não saber lidar com as emoções durante a adolescência tem consequências não só durante a puberdade, mas também na vida adulta. “São impactos que podem ser graves, intensos e significativos. Sentimentos não bem trabalhados na adolescência podem desencadear doenças mesmo na idade adulta, como morte por suicídio, e comportamentos de risco, como uso de drogas, consumo de bebidas alcoólicas e desenvolvimento de transtornos mentais”, conclui.