Espiritualidade

Aqui se faz, aqui se paga?

A lei do retorno, também conhecida como carma, tem conotações diversas para as tradições


Publicado em 30 de janeiro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Será mesmo que o compositor Renato Russo – cuja música está na abertura da novela “O Outro Lado do Paraíso” – tem razão quando escreveu que “tudo o que você faz/ um dia volta pra você/ e se você fizer o mal/ com o mal mais tarde você vai ter de viver”?

O conceito está presente em algumas tradições religiosas, mas parece que até mesmo Isaac Newton, em sua 3ª Lei, dizia o mesmo: “a toda ação corresponde uma reação de igual intensidade, mas que atua no sentido oposto”.

Dentro da perspectiva budista, a palavra “carma”, em sânscrito, significa literalmente “ação”. “A lei do retorno é expressa pelo conceito de carma, que é a consequência natural da causalidade de nossas ações. Nesse contexto, não apenas a ação concreta é vista como geradora de carma, mas também as palavras e os pensamentos. Assim, nossa intervenção no mundo por meio das ações, das palavras e dos pensamentos define, pelo mecanismo de causa e efeito, as consequências que criamos para nós mesmos, sejam elas positivas, negativas ou neutras”, explica o monge zen-budista Gustavo Mokusen.

Ele faz uma analogia: “Quando você planta morangos, você não colherá batatas. Ou seja, a realidade que experimentamos é criada constantemente por um intrincado processo de codependência entre as conexões cármicas que alimentamos e a própria realidade gerada. Quando as causas e as condições se conectam, surge o efeito. Nessa perspectiva, a prática budista nos traz a consciência de nossa responsabilidade direta sobre todo o sofrimento ou toda felicidade que experimentamos nesse mundo”, diz Mokusen.

Curiosamente, a tradição judaica tem outra concepção sobre a ideia de lei do retorno. Quem explica é o rabino Uri Lam, da Congregação Israelita Mineira. “Por um lado, entendemos que cada um é responsável por seus próprios atos, e não é possível delegar a outro ou a outros a responsabilidade de pagar por nossos erros, transgressões e pecados. Eu sou responsável por aquilo que faço, de bom e de mau. Por outro lado, levamos em conta a capacidade e a possibilidade que o ser humano tem de retornar de sua transgressão, de arrepender-se do que fez de mau”, diz o rabino.

Segundo ele, quando o arrependimento é sincero, a pessoa faz Teshuvá, ou seja, se arrepende do que fez, e busca, de algum modo, reparar o dano causado por seu ato, por suas palavras ou, quem sabe, por seu pensamento. Caso tenha feito mal a alguém, diz a lei judaica, a pessoa deve pedir perdão a quem foi prejudicado ou ofendido. De nada adianta se arrepender e rezar a Deus por perdão, se você não pedir perdão sinceramente para quem prejudicou”, comenta Uri Lam.

Há uma expressão judaica que afirma que todos os de Israel estão envolvidos uns com os outros. “Para o bem ou para o mal, uma boa ação ou uma transgressão pode beneficiar ou causar um dano a todo o meu povo, o povo de Israel. Assim, minha responsabilidade não é somente sobre meus próprios atos, mas sobre todo um povo. No Yom Kipur, o dia do perdão, que ocorre uma vez por ano, pedimos perdão de modo coletivo por todos os nossos pecados e transgressões. Buscamos juntos retornar, nos arrepender sinceramente dos maus caminhos que tomamos, obter o perdão daqueles a quem prejudicamos e buscar reparar nosso erro do melhor modo possível”, observa Uri Lam.

Para o rabino, o mundo não é perfeito nem totalmente justo. “Podemos aprender com nossos erros, nos arrependermos e ajudar outros a melhorar”, finaliza.

Judaismo

Opinião. Para Uri Lam, ninguém é todo bom ou todo mau. Todos vivem situações justas e outras injustas, causadas por si mesmo e por outros. O mundo não é perfeito nem totalmente justo.

 

“O futuro é sempre uma lei do retorno em relação ao presente”

A teoria física de Isaac Newton pode muito bem ser aplicada em diferentes situações do cotidiano, como, por exemplo, “nas relações humanas, na biologia de nossa criação, no universo atômico e astronômico. Está ainda intimamente relacionada com os estudos de causa e efeito e ação e reação, de forma sincronizada”, comenta Daniel Lascani, jornalista com pós-graduação em psicologia analítica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Para Lascani, a lei do retorno pode ser reconhecida em diferentes dimensões e proporções, como verdadeira lei científica, que pode ser medida. “Tudo no universo funciona de acordo com essa mecânica, em todas as esferas da vida. Recebemos na medida em que nos doamos. O futuro é sempre uma lei do retorno em relação ao presente, e o presente é uma lei do retorno em relação ao passado”, diz.

Segundo ele, a lei do retorno está presente em todo o universo: no ser humano e em toda matéria, desde o micro ao macrocosmo, na biologia e na sociologia, na ciência e nas religiões. Precisamos refletir sobre nossos pensamentos, nossas ações e nossas reações. Tudo o que existe, coexiste em um campo eletromagnético, que nos retorna toda energia, na mesma proporção em que a emitimos. Tudo que a gente pensa, sente, escreve, fala e faz está dentro desse campo, sincronizado, harmonicamente, em um oceano de informação, de matéria, e, sobretudo, de vida”, finaliza Lascani.

 

A verdadeira escolha deve vir de decisões conscientes

A Brahma Kumaris, movimento espiritual fundado na Índia em 1937 e presente no Brasil desde 1979, defende a interação de energias. “Deus, matéria, natureza e ser (alma). Deus e a alma humana são energias conscientes e atuantes. A matéria e a natureza não têm consciência e razão intelectual. Os animais não possuem energia intelectual, mas emocional, sentimental. Deus, embora consciente, está fora do processo da lei do retorno por questões óbvias. Dessa forma, as energias que dão retorno são as conscientes e humanas”, comenta Marli Medeiros, coach e coordenadora da Brahma Kumaris em Minas Gerais.

“Existe uma lei natural metafísica de ação e retorno que independe da razão e da vontade, de Deus, e que cria o destino de todos, que pode ser alterado ou amenizado. Não é cruz nem sina, não é vontade de Deus ou do mal. É energia pensante influenciada por uma atitude que, por sua vez, impactada por um sentimento, levada à ação, retorna para o responsável pelas ações. “Quando se retorna à consciência e, portanto, ao controle natural do processo interior (pensamentos, sentimentos, atitude mental e ações) podemos ter a verdadeira liberdade de escolha com decisões conscientes”, diz Marli.

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