Na verdade, quando decidiu procurar um endocrinologista, Ana Paula de Oliveira Araújo, 27, não havia sentido nenhum sintoma atípico. O que a motivou a ir ao consultório foi um comentário do médico que havia atendido seu pai (que acabou falecendo em decorrência de um câncer na tireoide), de que a neoplasia poderia ser hereditária. Em 2015, ela começou a fazer o controle anual. No ano seguinte, uma anormalidade foi diagnosticada, “porém era um nódulo até então benigno”. Em 2017, ao fazer um novo exame, haviam surgido mais três nódulos grandes. “E, ao fazer a biópsia, foi diagnosticado um maligno”, lembra ela, que é formada em comunicação. Ana Paula recebeu, então, o diagnóstico que, claro, não queria ouvir: “A médica informou que meu câncer foi hereditário, genético”, diz ela, que foi operada em julho daquele ano e, no início de 2018, fez iodoradioterapia, pois, como afirma, seu câncer foi descoberto mais cedo. Atualmente, Ana faz o controle.
Neste mês, e pelo terceiro ano consecutivo, o Brasil deu início à campanha Julho Verde, para atentar a população para o câncer de cabeça e pescoço no que diz respeito a prevenção, diagnóstico e tratamento.
A denominação “câncer no pescoço” é, na verdade, um guarda-chuva que abriga várias regiões (ou estruturas anatômicas). Entre elas, laringe, faringe, cavidade oral (lábios, língua, assoalho da boca e palato), seios da face e estruturas como a glândula tireoide, o que foi o caso de Ana Paula.
Trata-se, portanto, de um espectro amplo. Recentemente, foi anunciado que Dave Mustaine, vocalista e guitarrista do grupo Megadeth, foi diagnosticado com um “câncer de garganta”, o que levou a banda por ora, a interromper a agenda de shows – como a apresentação prevista para 4 de outubro no Rock in Rio, quando será substituída pelos alemães do Helloween.
Segundo o oncologista Andrey Soares, pela descrição “garganta” dada ao problema enfrentado por Mustaine, “podemos inferir que é um tumor possivelmente da laringe, onde as cordas vocais estão localizadas”. “Se a doença estiver em estágio inicial, a cirurgia pode curá-lo e, assim, manter um bom funcionamento delas (cordas)”, arrisca, lembrando, porém, que, nesse caso, a banda não precisou nem o local exato do tumor nem o estágio da neoplasia.
Um alento: Andrey reforça que, nos casos diagnosticados precocemente, as chances de cura da doença são bastante altas. Sendo um cantor, entra em cena a preocupação com a preservação da voz. “É bom frisar a necessidade e o diferencial que será realizar uma reabilitação importante com sessões de fono. Se o tumor exigir uma cirurgia mais radical, o tratamento para a preservação das cordas vocais seria a quimioterapia associada à radioterapia”, explica.
Nesse caso, prossegue o oncologista, a voz é preservada, mas pode mudar um pouco, “uma vez que esse tratamento provoca uma inflamação nas cordas vocais”. Após a cicatrização do processo, também é possível que haja uma alteração, pois a mobilidade das cordas vocais pode ser reduzida, explica Andrey. “Novamente, o importante é ter uma reabilitação intensiva, com sessões de fono”, alerta.
Quanto à recuperação geral, o médico enfatiza que a cirurgia tem uma recuperação mais fácil, “porém pode não ser o ideal quando não é possível preservar a laringe”. “O tratamento de quimioterapia associado à radioterapia tem mais efeitos colaterais pela toxicidade local. Na região da boca e garganta, podem se formar feridas. Também perde-se o paladar, a produção de saliva diminui, e feridas, devido a inflamações, podem aparecer, podendo causar dor”, enumera. Já quanto aos efeitos usuais da quimioterapia (como náuseas e vômitos), as medicações atuais, lembra ele, têm um potencial controlador bem satisfatório. No geral, o especialista sugere o acompanhamento do paciente por uma equipe multidisciplinar. “A pessoa deve poupar a voz, por exemplo? Durante o tratamento, o ideal é manter um ritmo de trabalho mais ameno e, sim, poupá-la”, aconselha.
Em todo o mundo, cerca de 500 mil novos casos por ano
O câncer de laringe, o que provavelmente acomete Dave Mustaine, costuma estar intimamente relacionado ao tabagismo e ao etilismo, aponta o oncologista Andrey Soares. “Esses são os principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença. Na população de menor poder aquisitivo, a incidência desses tumores está estável; já na população de maior poder, há um ligeiro decréscimo, principalmente por conta da redução dos fatores de risco”, emenda o médico.
De acordo com Andrey, os sintomas mais comuns do câncer de laringe, popularmente chamado de câncer de garganta, são: rouquidão, dor ou desconforto ao deglutir e presença de nódulos no pescoço. “Como a região da laringe não é normalmente ‘visível’, não conseguimos enxergar tão facilmente as lesões como no câncer que acomete lábios, boca ou amígdalas, por exemplo”, compara.
Em geral, os sintomas listados por Andrey levam os pacientes inicialmente a procurar um otorrinolaringologista e, em alguns casos, o cirurgião de cabeça e pescoço. “São os profissionais mais adequados para uma avaliação inicial, examinar no próprio consultório a garganta do paciente. Eventualmente, nos casos em que o paciente possui lesões visíveis – nos lábios, boca, língua e amígdalas – também costuma procurar um dentista. Mas é importante frisar que lesões que permanecem por mais de duas semanas (sem apresentar melhora) deverão sempre ser avaliadas por médicos, de preferência, como citamos, otorrinolaringologistas ou cirurgiões de cabeça e pescoço”, afirma.
Diagnósticos
Num arco mais amplo, englobando na análise não só o câncer de laringe (ou “de garganta”), mas todo o espectro do que convencionou-se chamar de “câncer de cabeça e pescoço”, cerca de 500 mil novos casos são diagnosticados a cada ano, de acordo com a Associação do Câncer de Boca e Garganta (ACBG), organização fundada em 2015.
Ainda segundo a ACBG, no Brasil, o câncer de boca chega a ser o quarto tipo de tumor mais frequente em algumas regiões do país, ocorrendo três vezes mais em homens do que em mulheres.
Nas últimas décadas, segundo o relato da entidade, percebe-se que a faixa etária dos indivíduos diagnosticados com tumores de boca e garganta reduziu significativamente.
Com isso, outra mudança também ocorreu no gênero dos pacientes, com um aumento significativo no aparecimento em mulheres jovens.
Fatores de risco
* O principal fator de risco é o tabagismo
*Consumo excessivo de álcool também é grave
* Há risco ainda em caso de infecção pelo HPV 16, vírus que pode ser transmitido via sexo oral
Fique atento
* Feridas que não cicatrizam na boca em cerca de 15 dias, além de nódulos no pescoço.
* Dor para mastigar ou para engolir.
* Esses fatores, ligados a rouquidão persistente, manchas ou placas esbranquiçadas ou vermelhas na língua, gengivas, céu da boca e bochecha, bem como lesões na cavidade oral ou nos lábios, surgimento de pequenas verrugas na garganta ou na boca e dificuldade na fala, podem revelar um possível diagnóstico da condição.
Fontes: Centro Paulista de Oncologia/Oncoclínicas e Instituto Vencer o Câncer