Saudade tem sido um sentimento comumente expressado por Rafael, de 4 anos. Longe, desde março, de colegas de sua idade e da escolinha que frequentava, o pequeno reclama sem entender muito bem o porquê de tudo ter mudado, assim, de repente. “É complicado. Agora, as coisas têm normalizado, chegado em um eixo, em um outro eixo. Com todas mudanças, houve um aumento do tempo em frente à televisão e ao computador e a gente têm notado que, às vezes, ele fica mais nervoso”, pontua o tecnólogo Christiano Galvão Grieco, 48, que é pai de Rafael. Ele ainda relata que seu filho mais velho, Cristi, de 16 anos, também tem sentido os impactos de uma rotina em que o convívio com os amigos se dá estritamente em ambiente virtual. “Mas ele já entende o que está acontecendo e aceita melhor”, cita.
Isolada, a família Grieco não está sozinha quando o assunto é o impacto da pandemia para crianças e adolescentes. De fato, o ambiente estressor provocado pelas abruptas mudanças de rotina e pela falta de convivência com pessoas da mesma faixa etária tem sido um obstáculo para o bem-estar dos pequenos. Tanto que é receio comum entre autoridades de saúde que a emergência sanitária reverbere em um aumento dos índices de depressão entre jovens.
“Com a suspensão das aulas e um cotidiano mais caseiro, temos duas repercussões principais, com prejuízos para a saúde mental e nutricional dessas pessoas”, examina Luiz Fernando, coordenador da pediatria da rede Mater Dei.
Ele relata ter percebido um aumento do número de atendimentos em que há relatos de sofrimento psicológico, algo que tende a aparecer mais fortemente a partir da pré-adolescência. “Essa população sente falta de uma socialização mais ativa, manifestando sinais de tristeza profunda, depressão e, em alguns casos, chegando a tentativas de autoextermínio”, aponta.
Além disso, também tem sido motivo de preocupação, por um lado, o ganho de peso e aumento dos índices de obesidade, que já vinham em uma crescente, e, por outro, a falta de uma rotina alimentar saudável no caso de famílias economicamente vulneráveis em que crianças perderam acesso à merenda escolar - em muitas casas, a principal refeição delas, cita o pediatra.
O aumento do tempo de tela aparece como um terceiro componente a que os tutores devem estar atentos. A exposição excessiva, afinal, pode sequestrar o tempo, o sono e limitar experiências e o uso intensivo de ferramentas online pode, ainda, expor crianças a situações de risco. “Antes da pandemia e do isolamento, a gente fazia recomendações específicas sobre o período ideal de permanência (em frente a smartphones, televisores ou computadores) para cada idade. Mas, com as aulas online, isso ficou fora de controle”, reconhece Fernando.
Mais conversa em casa e exercícios físicos são recomendados para amenizar impactos do isolamento
Para amenizar os impactos dessa exposição prolongada à tecnologias e da falta de convivência com colegas de mesma idade, ele sugere que as famílias tirem tempo e criem oportunidades para realizar atividades exclusivamente com seus filhos. “Neste momento, em que estão mais isolados, a convivência em casa tem se tornado ainda mais importante”, assinala Luiz Fernando.
Pensando nisso, a garagem de Christiano Grieco virou playground. “Aos poucos, a gente foi se ajeitando e incluindo algumas atividades, como jogar bola, pular corda e andar de bicicleta com eles”, comenta. Atividades esportivas, por sinal, têm sido recomendadas por pediatras, pois reduzem os impactos negativos do isolamento ao possibilitar uma descarga de sensações como o estresse.
“Com a reabertura de clubes e outros espaços de convivência, temos identificado individualmente, considerando as características de cada família, a possibilidade de retorno das atividades coletivas. Se a criança não convive com idosos ou com pessoas que têm fatores de risco, recomendamos retorno de atividades lúdicas e esportivas, como aulas de natação e de futebol”, comenta o coordenador do setor de pediatria da rede Mater Dei. Ele detalha que, pelo que se sabe sobre a Covid-19 hoje, crianças, quando infectadas pelo novo coronavírus, têm quadros assintomáticos ou pouco sintomáticos. “O cuidado maior é mesmo para que não transmitam a doença para outras pessoas”, diz.
O profissional pondera que é necessário observar se estes espaços têm cumprido as normas sanitárias. “Em geral, notamos que a retomada tem acontecido de forma cuidadosa. Mesmo em esportes coletivos, por exemplo, esses lugares estão focando em atividades individuais, sem contato físico, como aquelas voltadas para o condicionamento físico”, observas.
Sinal amarelo. O pediatra Luiz Fernando alerta que os pais devem estar atentos a mudanças repentinas de comportamento dos filhos. “Se a criança ou adolescente fica o dia todo no quarto, se o desempenho escolar cair muito, e se notarem falta de comunicação em casa, além de manifestações de tristeza, é fundamental que os tutores sentem para ouvir, sem julgamentos, suas angústias e medos. Além disso, é importante procurar ajuda de um profissional da psicologia”, aconselha.