Comportamento

Inimigo do fim, caseiro ou com hora de ir embora: quem é você no rolê?

Diferentes estilos de vida respondem, geralmente, a gostos pessoais, mas excesso pode indicar questões mais sérias

Por Alex Bessas
Publicado em 01 de fevereiro de 2024 | 06:45
 
 
 
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“Mais uma dose?/É claro que eu ‘tô’ afim/A noite nunca tem fim/Baby, por que a gente é assim?”, entoava Cazuza, com a força de fazer das estrofes um mantra e da música, composta em parceria com Roberto Frejat quando integravam a banda Barão Vermelho, um dos tantos hinos dos “inimigos do fim”, aqueles que estão sempre prontos para encarar mais uma rodada e costumam ir embora só quando as portas dos bares são cerradas – isso se não decidirem seguir madrugada adentro procurando um novo lugar para a diversão. 

Antítese desta filosofia do “carpe diem”, que defende, por um viés geralmente hedonista, que se deve viver o momento presente com máxima intensidade, o direito à preguiça também já foi cantado algumas vezes, como em “Deixa o verão”, de Los Hermanos, com letra de Rodrigo Amarante. “Não tô muito afim de novidade/Fila em banco de bar/Considere toda hostilidade/Que há da porta pra lá”, diz a música, sugerindo que, entre o agito e o sossego, este último parece a melhor a opção: “E assim a gente não sai/Que esse sofá ‘tá’ bom demais/Deixa o verão pra mais tarde”.

Entre os inimigos do fim e os “amigos do sofá”, há um meio-termo: aqueles que até fazem gosto de sair de casa e patuscar, mas não titubeiam quando sentem que é hora de pedir a conta e encerrar a farra. E, já que começamos com música, para representar esse terceiro grupo podemos nos apropriar de Adoniran Barbosa, que, em “Trem das Onze”, vai debulhando um rosário de justificativas para dizer que precisa ir embora, sobrando até para a mãe. “Não posso ficar nem mais um minuto com você/Sinto muito, amor, mas não pode ser”, canta.

É bem provável que você, leitor, conheça exemplares perfeitos desses três diferentes perfis de pessoas. Talvez você mesmo se sinta representado por um ou por mais de um desses arquétipos – afinal, nada impede que alguém seja, em uma fase da vida, inimiga do fim e, em outra, “inimiga do começo”. Mas o que pode estar por trás desses distintos modos de encarar a vida? Para a psicóloga clínica Leni Oliveira, uma série de construções sociais é o que geralmente justifica tais comportamentos. “Tem a ver com uma questão sociocultural, com o lugar em que aquela pessoa está inserida, com os valores familiares que lhe foram transmitidos e com a pressão que ela sofre de seu grupo de amigos, por exemplo”, cita.

Leni acrescenta que, quando, por conta da personalidade, o comportamento do indivíduo destoa muito do comportamento majoritário em seu círculo social, ele tende a sofrer mais. “Vamos supor que estamos falando de alguém que é mais caseiro, mas convive com pessoas muito festeiras. Esse descompasso pode gerar estranhamento, e a pessoa pode até pensar ou ser levada a pensar que há algo de errado no comportamento dela”, comenta. O mesmo vale para aqueles que gostam muito de sair, mas convivem com um grupo que é caseiro. “Mas é importante dizer que essa diferença de perfil não inviabiliza a convivência”, pondera.

Detalhe que, sobre cada uma dessas categorias comportamentais, pode recair um tipo de pecha. “Uma pessoa inimiga do fim coloca em xeque valores sociais que prezam pela ordem e sobriedade, como se essas pessoas fossem transgressoras da ordem, como se prezassem mais pelo prazer e a diversão, contrapondo-se à ideia que temos sobre trabalho e espiritualidade”, diz. Por outro lado, os mais caseiros podem ser tachados de “preguiçosos e desanimados”, enquanto aqueles que até curtem sair, mas com hora marcada para voltar, “podem ser vistos como chatos, como inimigos da diversão e do prazer”.

Motivações outras

Ao contrário do simplismo que cada uma dessas pechas comunica, uma série de fatores precisa ser considerada ao se falar sobre esses diferentes perfis sociais. “Podemos propor, inclusive, um recorte geracional”, sugere Leni Oliveira. 

“Hoje, é mais comum que os jovens prefiram ficar mais em casa, enquanto, até poucos anos, isso era mais raro”, aponta, elencando motivos que explicam essa mudança comportamental. “Veja, para quem está na casa dos 40 anos, a rua era uma extensão da casa. A gente brincava de queimada, de rouba-bandeira e, portanto, socializava na rua, com o vizinho, com o colega de sala. Mas essa realidade mudou e, para boa parte da geração com metade dessa idade, a rua deixou de ser uma extensão da casa, deixou de ser um espaço de socialização”, comenta. “Além disso, é claro que entra na equação o fator internet, que potencializa esse fenômeno. Agora, os encontros não precisam mais acontecer presencialmente. Você não precisa mais sair de casa para falar com seus amigos, ver um filme ou jogar”, avalia.

Mais que um aspecto cultural

A psicóloga Leni Oliveira assinala que o comportamento mais saidinho ou mais recluso, em alguns casos, pode estar associado a determinadas condições neuropsíquicas ou patológicas – embora ela frise que, na maioria das vezes, o gosto pessoal explique esses diferentes estilos de vida. “Pode acontecer de uma pessoa no espectro autista, que eventualmente tenha dificuldade de socializar, se treine para isso. Mas ela pode ter uma hipersensibilidade e não se sentir bem em certos lugares, evitando sair de casa ou optando por voltar cedo. Já uma pessoa com bipolaridade pode, quando em estado de mania, comportar-se como inimiga do fim”, detalha. 

Ela acrescenta, ainda, que o receio de sair de casa ou o compromisso de não render quando sai pode estar associado a outras questões. A pessoa pode estar passando por um momento de turbulência financeira, adotando uma postura mais comedida para economizar. A idade também entra na conta. “Não é incomum que o inimigo do fim comece a agir de forma mais moderada por perceber que seu corpo já não responde da mesma forma. Se, antes, ele virava a noite sem sofrer tanto no outro dia, agora, sente o baque de uma noite maldormida por dias. Ou seja, o saldo fica negativo e essa atitude deixa de ser interessante”, observa. 

Outra razão que pode levar a uma mudança de comportamento é o ingresso em uma relação abusiva, em que a pessoa é pressionada a não sair ou, quando sai, voltar até determinada hora. Nesse caso e nos casos em que o estilo de vida traz prejuízos para o sujeito – prejudicando-o no trabalho, seja por uma reincidente indisposição no dia seguinte a uma noite de farra, no caso dos inimigos do fim, ou pela falta de interações e vínculos sociais, no caso dos amigos do sofá –, Leni salienta que é preciso buscar ajuda. 

“Na psicoterapia, podemos avaliar se aquele comportamento tem a ver com o gosto pessoal, se é só um jeito de ser e se, realmente, aquilo se tornou nocivo”, explica. Leni prossegue indicando que o próximo passo é trazer seus limites e preferências para a consciência para, assim, escolher seu bem-estar acima de uma suposta aceitação social.

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