A estudante baiana Camila de Queiroz, 19, estranhou quando a sua menstruação veio antes que a de sua irmã, Cailãny, 17, e que a de sua mãe, Elza Souza, 40. Normalmente, as três têm ciclos regulares e com certa sincronia, acontecendo em um mesmo período do mês. Para Camila, foi um susto. Semanas depois, foi a vez de a outra parte da família ser surpreendida, desta vez com o atraso: irmã e mãe também viram a rotina biológica do ciclo reprodutivo ignorar o calendário. Preocupada, a estudante perguntou a amigas se o fenômeno também acontecia com elas e ouviu da maioria que sim.

Não satisfeita e ainda insegura, Camila questionou em um grupo no Facebook, em que mulheres trocam informações e experiências sobre a adoção de coletores menstruais, se o ciclo delas também havia “enlouquecido” desde o início da quarentena. Então, recebeu mais de 500 respostas que confirmaram a universalidade e diversidade do problema. Foram relatados adiantamentos e atrasos, fluxos mais ou menos intensos, escapes – quando o sangramento permanece por um período mais longo, com duração de até 20 dias – e até a ausência de menstruação por um mês inteiro. 

A baiana, aliás, apostou certo ao indicar como fator por trás da queixa a necessária adoção de medidas de restrição de circulação exigidas para o enfrentamento do coronavírus: para além das mudanças mais estruturais, ao impor práticas como o isolamento físico, as repercussões que a Covid-19 promoveu se infiltraram na intimidade, nos sonhos, nas formas de expressão de afeto e de desejo e são capazes até mesmo de desregular o relógio biológico das mulheres. 

Ocorre que, de fato, muitas têm apresentado alterações no ciclo menstrual neste momento, algo que pode estar diretamente relacionado à adoção repentina de novos hábitos de vida diários, além do aumento dos níveis de estresse e de ansiedade e, também, das mudanças na dieta, como explica a ginecologista e obstetra Patricia Aliprandi Dutra.

“A menstruação é controlada pelo eixo hipófise-hipotálamo, que são glândulas localizadas na base do cérebro. A secreção de hormônios pode se alterar quando a mulher está passando por situações extremas, como estresse, práticas esportivas muito intensas e dietas muito restritivas”, expõe Patrícia. Ela ressalta que, no caso daquelas que recorrem a métodos contraceptivos como pílula, injeção e DIU (dispositivo intrauterino) hormonal, mudanças não são percebidas porque o ciclo passa a ser controlado pelos hormônios artificiais presentes nesses meios.

“O estresse que temos vivido proporciona aumento de alguns hormônios liberados nestas situações, como por exemplo o cortisol. Ele afeta diretamente a ação das glândulas cerebrais, desregulando as secreções hormonais, e consequentemente afetando o ciclo menstrual”, complementa a também ginecologista e obstetra Juliana Girotti Sperandio.

Desconforto

Tanto falando de sua experiência pessoal como refletindo sobre as centenas de relatos com ela compartilhados, Camila de Queiroz observa que, em alguns casos, essa mudança no comportamento do corpo é acompanhada pelo aumento da intensidade da cólica, que também pode ser ampliada em razão da situação de estresse.

“A TPM (grupo de sintomas que ocorrem em mulheres, geralmente entre a ovulação e um período menstrual) também foi um fator bastante incômodo para muitas de nós, inclusive para a minha mãe, que sentiu bastante dor de cabeça, e a irritabilidade também foi maior”, cita a estudante, completando que uma frase bastante comum foi: “Nem eu mesma estava me suportando durante a TPM”.

Além do citado incômodo, ao se identificarem alterações, vale redobrar o cuidado em relação a estratégias de contracepção. “Em alguns casos, as mudanças podem ocasionar ovulações fora do período esperado, o que pode potencializar o risco de gestações não planejadas.  Então é importante reforçar métodos de planejamento familiar e se orientar sobre essa possibilidade”, pondera Patricia.

Controle

Na tentativa de normalizar o quadro, a ginecologista recomenda, na medida do possível, “o controle das situações causadoras de estresse, a introdução de uma alimentação balanceada e, de preferência, sem muitos elementos artificiais, como conservantes e corantes, com aporte calórico adequado, e, por fim, a prática moderada de atividades físicas”, indica.

Caso não se consiga um bom controle apenas com a adoção de uma rotina mais equilibrada, “pode também ser necessário iniciar tratamentos farmacológicos, como o uso de hormônios sintéticos ou mesmo uso de medicações fitoterápicas, que podem atuar na regulação hormonal da mulher”, avalia Patricia, lembrando que, nesse caso, uma profissional deve ser consultada – mesmo que por telemedicina. 

A busca por ajuda médica é especialmente indicada se a mulher estiver “se sentindo incomodada com os sintomas ou mesmo se apresentar fluxo muito intenso e sem melhora”, o que pode levar a complicações de saúde, como o desenvolvimento de anemia ocasionada pela perda de ferro provocada pelo sangramento, e também pode revelar outros problemas, como a  síndrome do ovário policístico, distúrbio hormonal que causa um aumento no tamanho dos ovários, com pequenos cistos na parte externa deles.

Já  Juliana aconselha a busca do manejo do estresse por meio de técnicas como meditação, ioga e terapia são ótimas pedidas. O cuidado do sono também é fundamental. “Reserve pelo menos sete horas do seu dia para isto; desligue eletrônicos; deixe o ambiente fresco; anote seus afazeres do dia seguinte antes de deitar-se”, sugere. A prática de atividade física e alimentação adequada também é fundamental, pontua.

Ela alerta que “alterações de ciclo menstrual nunca devem ser consideradas normais. Precisamos excluir outras causas para estas possíveis alterações – como gravidez, alterações na tireóide, nas glândulas cerebrais, metabólicas –, com a realização de conversa médica, exame físico e exames complementares laboratoriais”.