Todos os brasileiros já ouviram a frase de que o ano só começa, oficialmente, depois do Carnaval. O momento acabou virando uma questão cultural, afinal, há quem acredite que, de janeiro a fevereiro, tudo vai sendo cozinhado em banho-maria, e, para que a rotina oficialmente engate a primeira marcha, é preciso esperar o término da folia. “A gente até tenta ir contra a maré, mas não tem o que fazer, todos ficamos com pendências para resolver depois da Quarta-Feira de Cinzas”, disse o relações-públicas Felipe Lima.  

Ele, que trabalha no formato de home office, acaba aproveitando o período carnavalesco para organizar os afazeres profissionais para o ano. “Entre um bloco e outro, vou listando todas as minhas pendências e criando uma rotina para resolvê-las. Quando o Carnaval acaba, já estou com a lista criada e só a sigo. No final das contas o Carnaval serve como uma semana boa para fazer o planejamento do resto do ano, tudo sem a pressão da rotina de trabalho normal”, acredita.  

E não só. O jornalista Rodrigo James acredita que a máxima do “só depois do Carnaval” acaba sendo transferida por osmose, de um para o outro, até chegar a um momento em que, de tanto tentar, em vão, fazer os projetos e decisões profissionais aconteceram antes do período da folia, prefere parar de confrontar e apenas aceitar. Ele contou que algumas reuniões de trabalho não puderam ser agendadas nem em janeiro, nem em fevereiro, o que acabou confirmando que os encontros aconteceriam depois de “o bloco passar”. 

“Eu percebi desde o fim do ano passado que, quanto mais o Carnaval foi se aproximando, as pessoas foram entrando no clima da folia e deixando, realmente, tudo para depois. A impressão que me dá é que, até esse período de festa, todo mundo vai empurrando as decisões com a barriga, esperando os outros voltarem para a rotina, e, claro, isso acontece também só depois do Carnaval”, disse o jornalista. “Não adianta brigar com isso. Acaba que temos que aceitar e pronto”, acredita ele. 

Assim como James observa pela experiência, muitos serviços parecem funcionar só após o feriado da folia no Brasil, e não confrontar a crença parece ser a única saída. Cilene Noman, especialista em gestão de negócios e master coach, contextualiza o recesso e explica que, próximo às festas de fim de ano, empresas, instituições e órgãos públicos, em sua maioria, aplicam férias coletivas e recessos e focam seus processos internos no planejamento de estratégias para o ano seguinte, paralisando ou diminuindo o ritmo de suas atividades.

“Muitos acabam estendendo seus períodos de descanso, e boa parte dos negócios e da economia só avança após esse período. Os primeiros 60 dias do ano ficam, de fato, comprometidos em termos de resultados para os negócios, faturamentos, objetivos e metas profissionais que deixarão de ser iniciadas por falta de foco e planejamento efetivo para esse período”, analisa. 

Por outro lado, há quem use o Carnaval como um catalisador da autossabotagem e como a desculpa perfeita para adiar os compromissos. “Existe, sim, esse período de recesso que é bem prolongado, entre o fim do ano e o Carnaval, e é uma contingência. Mas, estamos, de alguma forma, sempre postergando o início das nossas obrigações. Nesse caso, o mais importante é adequar a profissão que a pessoa exerce e os afazeres a essa realidade. E, para equilibrar, é preciso ter certa flexibilidade”, esclarece a psicanalista Elione Mattos. 

Limitações 

Assim como a psicanalista alerta, a especialista Cilene Noman explica que a boa e velha desculpa pode ameaçar o comprometimento para reorganizar a vida e colocar em dia prioridades como trabalho e estudo ao longo do ano. “O risco de condicionarmos nossos resultados, rotinas e projetos a esse pensamento é não entender que é um período de quase dois meses”, disse ela sobre os meses de janeiro e fevereiro. E, para isso, cita uma situação didática: “Imagine um atleta que depende da sua performance para atingir seus resultados e por quase dois meses não pratica diariamente seus exercícios, dieta e rotina. Com certeza ao longo desse período ele vai baixar muito os resultados da sua performance e prejudicar suas metas ao longo do ano. Isso vale para todas as áreas da nossa vida pessoal e profissional”, alerta. 

Ela ainda diz que é preciso ter disciplina e foco para não prolongar o início da prática dos objetivos e metas, mesmo depois do recesso. Para quem entrou no bloco do “pós-Carnaval” para voltar à rotina da própria vida, a especialista em gestão de negócios alerta, inicialmente, que não se deve perder mais tempo e é preciso eliminar as limitações.

“Faça sua lista de metas de forma objetiva e se pergunte: o que eu quero, porque eu quero, para que eu preciso e como faço para alcançar. Elimine as desculpas, crenças e sabotadores, foque e entre em ação”, disse Cilene Noman.