Casamento sabático

Por que alguns casais estão dando tempo um do outro para melhorar a relação?

Especialistas opinam a respeito da prática que vem crescendo entre maridos e mulheres mundo afora


Publicado em 02 de janeiro de 2023 | 05:30
 
 
 
normal

“Marido e mulher devem tirar férias um do outro sempre que puderem. Pois, se uma mulher é capaz de se encontrar passando um tempo sozinha, é igualmente possível que um casamento também seja restaurado depois de um período de folga a sós”. 

Esta frase do clássico best-seller “Presente do Mar” (1955), da escritora e aviadora norte-americana Anne Morrow Lindbergh (1906-2001), ilustra bem uma prática que vem crescendo entre muitos casais mundo afora: tirar um período sabático – ou em bom português, dar um tempo do outro –, sem perder o vínculo conjugal, mas sim com o intuito de salvar a relação. 

Diante do castigo do lockdown da pandemia da Covid-19, muitos casais ficaram expostos aos desafios da hiperconvivência forçada e todas as suas consequências.

Um levantamento feito em 2020 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FSBP), em parceria com a empresa de pesquisas Decode Pulse, mostrou que relatos de terceiros sobre brigas conjugais na internet aumentaram 431% durante o período mais crítico do isolamento social. 

Baseado nisso, será mesmo que a distância provisória pode fazer bem aos relacionamentos amorosos? O tema tem provocado discussão entre especialistas. 

“Sim, é possível. Mas é importante que esses ‘intervalos’ sejam escolhidos pelo casal e não impostos por uma das pessoas”, opina a psicóloga clínica e professora Roberta Andrade e Barros. 

Ela acrescenta ainda que é imprescindível que haja uma negociação entre o casal e que os combinados sejam claros para os dois desde o início. 

“Pode se envolver com outra pessoa? Isso significa transar, namorar? Sugiro que haja uma atenção especial de quem tem filhos: o que vai ser explicado para eles? De que forma e como será a divisão das responsabilidades domésticas? O que ocorre com certa frequência é que o marido sai de casa, tem um tempo para pensar e descansar, e a esposa fica sobrecarregada. Então, além dos aspectos afetivos, as questões práticas também devem ser consideradas”, observa Roberta. 

Para a psicóloga Amanda Pelinson Gomes Tiago, os cônjuges também necessitam encontrar uma maneira pouco conflituosa para viverem esses intervalos solos. 

“É interessante entender o que esses ‘momentos de respiro’ realmente representam, pois é comum que marido e mulher passem por fases em que os dois precisam estar mais afastados, mas sem que deixem de ser um casal”, sublinha Amanda, que é fellow em psicogerontologia pelo Programa de Extensão em Psiquiatria e Psicologia de Idosos da UFMG. 

No entanto, se a necessidade de pausas entre os dois for constante, o recomendável é que eles avaliem a fundo o propósito da relação. 

“Quando pensamos em uma separação provisória, é comum que uma das partes tome a decisão de continuar ou sair do relacionamento. Se o casal volta depois de um tempo separados, eles costumam estar mais motivados a fazer com que a relação dê certo. Mas, se o resultado não é esse, o melhor é rever os acordos e objetivos para ver se faz sentido seguirem juntos”, complementa. 

Um “respiro” necessário 

Embora não exista uma fórmula que garanta sucesso total, profissionais indicam algumas experiências que podem ser positivas para aqueles que querem tirar “férias” longe do parceiro.

“O ideal é tentar alimentar emoções construtivas e relembrar todos os motivos que levaram o casal a querer uma vida juntos desde o início”, sugere a mestre em relações interculturais e especialista em terapia cognitivo-comportamental Renata Borja. 

Amanda Pelinson concorda e adiciona: “O respeito é a postura que mais pode contribuir durante esse tempo de separação”, indica a profissional. Segundo ela, a chance de um ‘respiro solitário’ pode ser perfeita não só para se explorar novos interesses, mas também para se refletir sobre o que vem desgastando o convívio dos amantes.

“Algumas experiências podem ser essenciais para trazer de volta o senso de conexão e companheirismo dos dois. Passar um tempo separado costuma ser algo difícil, por isso tem que se aproveitar a oportunidade muito bem”, frisa ela. 

Individualismo x União 

Conflitos são elementos comuns em qualquer tipo de convívio humano, mas eles têm ganhado uma ênfase muito maior num mundo cada vez mais motivado pelo individualismo. 

“Um conjunto de fatores pode estar contribuindo para o aumento desse tipo de comportamento. Hoje em dia percebe-se uma maior tendência à flexibilização das dinâmicas relacionais e uma preocupação mais acentuada do ‘eu’ versus o ‘nós’”, explica Amanda Pelinson. 

Mas, afinal de contas, será que podemos cultivar um vínculo saudável em nossas relações amorosas para que elas não sejam encaradas como uma prisão? 

“O ideal é que cada um valorize mais as qualidades que os defeitos do parceiro. Aceitar o outro como ele é e tentar criar expectativas realistas para o relacionamento é a chave. Essa coisa de achar que podemos mudar o outro não funciona”, avalia a psicóloga Renata Borja. 

Já Roberta Andrade e Barros destaca que, para se viver uma grande aventura a dois, não é necessário abrir mão de sua própria jornada individual. 

“Quando uma pessoa se casa, ela não deixa de ser ela para virar exclusivamente marido ou esposa. Vários aspectos da vida mudam com o casamento, e é importante pensar quais você está disposto a aceitar ou não”, argumenta.  

O diálogo, portanto, é um fator decisivo nessas horas. “Converse com seu companheiro sobre futebol, a saída com os amigos, a ida à igreja ou ao cinema. Encontrar o equilíbrio entre a individualidade e a conjugalidade é um grande desafio”, ensina Roberta. 

Renata Borja vai mais além: “Um casamento saudável implica em comunicação, sim, mas também acordos, amor, respeito, atenção, parceria e cuidado”, enumera ela. 

Neste sentido, a distância temporária pode ser algo bem favorável.

“Quem sabe esse tempo distante não faça com que os problemas cotidianos cedam lugar à saudade? É claro que não podemos generalizar e achar que tudo será resolvido assim, mas o afastamento pode abrir nossos olhos para muitos atos nocivos que prejudicam os relacionamentos”, informa Renata. 

“O importante, acima de tudo, é que os dois sejam capazes de respeitar-se mutuamente para vencer todas as diferenças, dificuldades e peculiaridades individuais. Esse deve ser o caminho a seguirmos”, arremata.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!