É um tanto comum o relato de pessoas que, ao ouvirem a reprodução da própria voz, se sentem desconfortáveis. Isso porque, principalmente se não há o hábito de se escutar, pode ser que algo em nosso modo de falar nos incomode – seja o tom, o timbre, a dicção, a modulação ou a angulação que emprestamos a certos fonemas. Daí, reagindo a esse fenômeno, muitos preferem não conferir gravações em que aparecem conversando. Nada mais equivocado. Afinal, nossa voz pode dizer muito sobre nós – e em muitos aspectos –, de forma que nos escutar pode ser uma oportunidade de autoconhecimento, revelando-se uma ferramenta para alcançar eventuais mudanças.

“A nossa voz carrega propriedades psicométricas, o que significa que características da nossa personalidade podem ser percebidas pela maneira como falamos”, garante a fonoaudióloga Juliana Trentini. “O que estou dizendo é que, assim como as escolhas que uma pessoa faz ao se vestir vão expor alguma característica dela, a nossa voz carrega e deixa impressões”, compara.

“Na maioria das vezes, é possível que, ao escutar alguém, você consiga predizer se aquela pessoa é uma criança, um adulto ou um idoso. Além disso, se estivermos atentos, conseguimos rapidamente identificar o estado emocional do nosso interlocutor, sabendo se ele está feliz, triste, nervoso ou apático, por exemplo”, complementa Michelle Uguetto, especialista em voz, comunicação e alta performance. 

Para Raquel Nogueira, supervisora do Serviço de Fonoaudiologia do Instituto Mário Penna, essa capacidade de transmitir, por meio da voz, o nosso estado de espírito favorece que trocas mais positivas e empáticas aconteçam. Para isso, no entanto, é preciso estar atento ao interlocutor. “Mães normalmente são muito boas nesse exercício. Basta um ‘alô’ diferente, em uma conversa por telefone, para elas identificarem que tem algo errado”, comenta. 

Preconceito 

Evidentemente, a voz não é um oráculo infalível. Se a forma como falamos é capaz de emitir sinais de nossa identidade ou de denunciar nossas emoções, a compreensão dessas características pelo ouvinte vai depender de uma complexa série de fatores, que incluem desde a familiaridade até preconceitos sociais associados a padrões que seriam mais ou menos esperados para certos perfis. 

O lutador de MMA Anderson Silva, que tem um timbre vocal considerado socialmente como mais feminino, já foi alvo de provocações em razão dessa característica pessoal. O traço gerou até mesmo especulações sobre a sexualidade dele. Casado com Dayane Silva em 2017, após mais de duas décadas juntos, o atleta reconheceu em uma entrevista: “Muitos acham que sou gay”. 

Não deixa de ser curioso que, enquanto os fãs do esportista se mostravam incomodados, Silva se dizia muito bem resolvido em relação à sua voz, que, nas palavras dele, faz parte de sua personalidade. 

Adequação 

Contudo, diferentemente de Anderson Silva, há quem não se identifique com o próprio timbre vocal. Ou, mesmo que se identifique, há quem se queixe de dificuldades de se comunicar devido a problemas de dicção ou de modulação ou angulação fonética. 

“A nossa voz e a nossa fala precisam caber em nós, de forma que a gente se sinta bem”, opina Michelle Uguetto. “Se a pessoa não se identifica com o som que sai da boca dela, isso pode se refletir em desafios e prejuízos sociais”, avalia, inteirando que essa preocupação pode estar relacionada a quadros de timidez excessiva, de baixa autoestima e de tristeza. 

Reforçando que não se encaixar em padrões sociais não significa, necessariamente, descontentamento com a própria voz, a fonoaudióloga lembra que existem, atualmente, diversas técnicas que podem tornar um timbre mais grave ou mais agudo, a depender do que cada paciente vai buscar. 

“Existem muitas pessoas transexuais, por exemplo, que gostam da própria voz, que não têm nenhuma queixa em relação a essa característica pessoal. Mas há também aquelas que, mesmo fazendo a terapia hormonal, não se reconhecem ao se ouvir. Hoje, felizmente, é possível prestar auxílio a esses pacientes, garantindo a eles maior bem-estar”, expõe. 

Comunicação e eficácia. Michelle destaca que, em muitos casos, não é necessariamente o tom que vai incomodar. Daí a importância de se estar atento à própria fala para, em uma autoanálise, localizar o que exatamente está gerando desconforto. “Tem muita gente que acha que não fala bem. Não à toa que um dos grandes medos das pessoas é falar em público. E isso vale para quem tem voz grossa ou mais fina”, observa, salientando que a tonalidade vocal, por si, não garante ao indivíduo a capacidade de transmitir mais confiança ou entusiasmo a seus interlocutores. 

A especialista em comunicação e alta performance indica que é importante que ao falar, o orador esteja atento a aspectos como a modulação da voz. “É um clássico o caso do professor que, embora detenha grande conhecimento sobre o assunto, tenha dificuldade de transmitir aquelas informações aos alunos. Todo mundo já ouviu uma história assim. E, geralmente, o problema não está, de maneira alguma, relacionado à voz, mas a um jeito de falar monótono, em que não se expressão emoção”, comenta, acrescentando que, fundamentalmente, o que diferencia um bom comunicador é a capacidade de usar as emoções presentes na voz para trazer motivação ou introspecção quando for preciso. 

Saúde 

Outro motivo para prestar mais atenção à própria voz está relacionado à saúde. “É importante que alterações e disfonias sejam investigadas. A rouquidão persistente, que não apresenta melhoras e que permanece por mais de 15 dias, ou a perda da potência vocal por um período prolongado, ultrapassando dez dias, por exemplo, são um sinal de alerta para a presença de cistos e nódulos na região, podendo indicar até mesmo doenças como o câncer de laringe”, informa a fonoaudióloga Raquel Nogueira. 

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), esse tipo de tumor ocorre predominantemente em homens acima de 40 anos, representando 25% dos casos de câncer que atingem a região da cabeça e pescoço. 

Cuidados 
- Evite abusos vocais, como o uso mais elevado da voz 
- Hidrate-se 
- Tenha períodos adequados de sono 
- Evite uso de pastilhas e sprays anestésicos, que podem mascarar problemas que deveriam ser tratados 
- Evite roupas que apertem a região da garganta 
- Priorize uma alimentação saudável

Mais dicas
- Antes de participar de eventos em que for necessário falar muito, evite leite e derivados, bebidas cafeinadas e chocolate, que deixam a saliva mais espeça, exigindo mais esforço para a fonetização das palavras. 
- Refrigerantes, bebidas cítricas e alimentos com conservantes também são contraindicadas, pois geram refluxos.
- Nesses casos, aposte em água e em alimentos como as maçãs. “Esse tipo de fruta, além de limpar o trato vocal, favorece a dicção porque, durante a mastigação, contribui para o aquecimento dos músculos faciais”, salienta Michelle Uguetto.