"Acho que com Jeffrey Epstein tudo começa em algum lugar, mas depois acaba com você fazendo sexo com ele, quer queira quer não." A brasileira Marina Lacerda falou em público, pela primeira vez, sobre ter sido vítima de abusos do bilionário americano morto em 2019.
Identificada como 'vítima-menor 1' nos processos do caso, Marina se identificou publicamente nesta semana porque diz sentir "que as pessoas que importam neste país finalmente se preocupam com o que as vítimas têm a dizer".
Ela faz referência a um movimento de mulheres abusadas por Epstein que, nesta quarta-feira (3), se reuniram em frente ao Capitólio americano para pressionar o Congresso a aprovar uma legislação que obriga a divulgação de todos os registros não confidenciais do processo contra o financista.
O governo de Donald Trump tenta, junto com a bancada republicana - que é maioria em ambas as Casas legislativas - evitar um debate sobre a proposta, que, segundo o presidente, não traria revelações novas ou significativas sobre o caso.
Marina se juntou a outras vítimas de Epstein para, em contraponto a Trump, exigir a transparência que, segundo elas, é devida não apenas às vítimas, mas a todo o povo americano.
A Folha de S.Paulo tentou contato com a equipe de advogados das vítimas, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
A brasileira, que hoje tem 37 anos, relatou em entrevista ao canal americano ABC que, nos últimos dias, sentiu a necessidade de contar sobre o caso à sua filha. "Mãe, você é muito durona", foi o que contou ter ouvido como resposta.
Marina morava em um "lar desestruturado" em Nova York quando, aos 14 anos, uma amiga lhe contou sobre a possibilidade de ganhar centenas de dólares em troca de massagens a um homem mais velho.
Era Jeffrey Epstein, que rapidamente teria passado a usar as sessões de massagem para abusar sexualmente da garota. "Quando ele tinha alguma pessoa nova em sua vida, ele gostava de vê-la com frequência, então eu fui lá [na casa do financista, em Nova York] várias vezes, e isso infelizmente levou a ele basicamente me forçar a fazer sexo com ele", relata a brasileira.
O documento policial do inquérito, de 2019, ainda reafirma que as vítimas recebiam "centenas de dólares em dinheiro" por cada encontro com Epstein, que aliciava as garotas para que elas recrutassem outras meninas para as massagens e atos sexuais.
Marina conta que, quando ela tinha perto de 17 anos, o financista a dispensou ao dizer que ela "era velha demais". Depois de algum tempo sem encontrá-lo, em 2008, o departamento de investigação dos EUA, o FBI, procurou a brasileira em meio a uma investigação contra Epstein.
Com medo - e hoje frustrada por isso -, ela diz ter ligado para o financista, que providenciou um advogado, e não ter recebido mais contatos da equipe policial.
Pouco mais de uma década depois, em 2019, em uma nova rodada de investigação, o FBI chegou a Marina novamente. Ela prestou um depoimento que foi considerado pelas autoridades como crucial para a prisão do bilionário no mesmo ano.
Epstein não foi condenado neste caso porque se suicidou na prisão antes mesmo do julgamento. O processo foi arquivado, e é neste conjunto de arquivos que constam os documentos que as vítimas e outros ativistas cobram a publicação.
A polêmica sobre a retenção dos arquivos do caso pelo Departamento de Justiça tem perseguido Trump nos últimos meses. "Milhares de páginas de documentos já foram divulgadas. Mas isso é, na verdade, uma farsa dos democratas", reafirmou o presidente nesta quarta.
Epstein e Trump foram amigos por quase 15 anos, convivendo desde meados de 1990. Eles se conheceram na região de Palm Beach, na Flórida, onde ambos tinham propriedades e, por isso, frequentavam jantares e festas em ambientes como a mansão de Epstein em Nova York e o clube de Trump Mar-a-Lago, na Flórida, além de viajarem em jatos particulares do financista.
O caso -repleto de elementos de riqueza, conexões políticas, suposta impunidade e uma morte súbita-- alimentou especulações e teorias da conspiração ao longo dos anos, inflamadas especialmente pela base republicana.
Nessa toada, aliados radicais de Trump, incluindo a secretária de Justiça dos EUA, Pam Bondi, e o diretor do FBI, Kash Patel, prometeram publicamente divulgar a "lista de Epstein" e mais informações caso chegassem ao poder. Essa promessa gerou uma expectativa de que Trump iria expor crimes sórdidos cometidos por elites.
No entanto, quando o governo Trump mudou abruptamente de rumo, em julho, e afirmou que tal lista não existia e que Epstein se suicidou, muitos apoiadores interpretaram a nova posição como um acobertamento. É a partir disso que também apoiadores republicanos cobram maior transparência e a divulgação dos documentos.