Branca Macahubas é consultora em desenvolvimento urbano
sustentável, ex-secretária de Regulação Urbana de BH

Imagine uma cidade com mais de 120 mil construções formalmente reconhecidas. Agora, considere que cerca de 99 mil são edificações com até quatro pavimentos. Essa é a realidade de Belo Horizonte. Segundo o levantamento da tipologia de uso e ocupação realizado em 2022, 81,1% das edificações da capital mineira são horizontais. Com esse modelo urbano limitado, Belo Horizonte afasta os moradores das áreas onde estão a maior parte dos empregos, das escolas e das atividades comerciais.

Essas áreas, bem localizadas e já dotadas de infraestrutura, seriam ideais para receber mais moradores e atividades, o que é conhecido no urbanismo como “adensamento urbano”. Isso significa concentrar pessoas em regiões onde a cidade já está pronta, com ruas asfaltadas, linhas de ônibus, escolas, postos de saúde, comércio e serviços. É o oposto de expandir para longe, ocupando novas áreas que ainda demandam altos investimentos públicos. Mas, em BH, essa lógica esbarra em regras urbanísticas que dificultam construções mais verticais e adensadas, mesmo em bairros centrais e bem-equipados.

As regras urbanísticas são entraves para o adensamento e, como consequência, pioram a qualidade de vida dos moradores, que se distanciam cada vez mais para outras localidades mais distantes do centro da RMBH.

Belo Horizonte possui como padrão, em média, lotes com 10 m a 12 m de frente e 30 m de profundidade e tem uma regra que impõe às novas edificações afastamentos mínimos nas laterais e nos fundos muito grandes, que, somados aos recuos frontais, comprometem drasticamente a área edificável.

Mesmo em áreas onde as regras da cidade permitem construir prédios mais altos ou com maior volume, as regras muito rígidas de afastamentos acabam tornando inviáveis o aproveitamento de terrenos menores, impedindo a renovação construtiva em alguns casos ou até mesmo se construindo prédios muito aquém do que se desejaria para a região. Na prática, essas limitações reduzem tanto a área que pode ser construída que muitos empreendimentos acabam restritos a edificações baixas. O resultado é uma cidade marcada por prédios pequenos e estreitos, com formatos escalonados e desproporcionais, que lembram bolos de noiva, conforme jargão usado pelos arquitetos.

A comparação com outras cidades deixa evidente o problema. Em Nova York, por exemplo, há edifícios de mais de 100 m de altura em terrenos de 600 m2. Em Belo Horizonte, um lote idêntico na região do Hipercentro teria dificuldade para alcançar cinco pavimentos. Trata-se de uma barreira normativa que produz ineficiência urbana, mesmo em locais com infraestrutura plenamente capaz de suportar o adensamento.

Essas limitações fazem o entorno da cidade crescer sem trégua. Municípios da Região Metropolitana, como Ribeirão das Neves e Betim, absorvem a demanda habitacional que a capital não comporta. O resultado é um volume diário de mais de 800 mil viagens pendulares com destino a Belo Horizonte, pessoas que trabalham aqui, mas não conseguem morar perto. Esse desequilíbrio pressiona o transporte coletivo, agrava a emissão de carbono e compromete a qualidade de vida.

A capital mineira, no entanto, começa a se preparar para mudar esse cenário urbano. A atual gestão municipal vem discutindo um processo técnico de revisão dos parâmetros urbanísticos, com foco na flexibilização inteligente das regras e na adaptação dos instrumentos à realidade da malha urbana existente.

Destravar os lotes subutilizados de BH, portanto, é mais do que uma medida urbanística. É um passo estratégico para conter a expansão periférica, melhorar a mobilidade metropolitana e promover justiça territorial. Significa enfrentar a incoerência de uma cidade que concentra empregos e serviços, mas dificulta que se construa para quem quer viver perto do que já está pronto.

Belo Horizonte não precisa crescer para fora. Precisa reconhecer o que já tem: um território vivo, mas paralisado por regras ultrapassadas. A pergunta que fica é por quanto tempo vamos aceitar que a lei continue travando a cidade pelas laterais. É hora de Belo Horizonte perder o medo de altura.