Investigação

Bolsonaro mandou guardar joias da Arábia Saudita em fazenda de Nelson Piquet

Segundo o Estadão, as joias dadas pelo regime da Arábia Saudita saíram pelas garagens privativas do Planalto e do Alvorada direto para a propriedade do ex-piloto

Por O Tempo Brasília
Publicado em 28 de março de 2023 | 14:32
 
 
 

O ex-presidente Jair Bolsonaro mandou o terceiro conjunto de joias que recebeu da Arábia Saudita, e deveria ter entregue ao patrimônio da União, para uma fazenda do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, seu apoiador. A informação é do Estadão, que revelou mais cedo a existência desses bens.

Eles estão na “Fazenda Piquet”, que fica uma área rural vizinha ao Lago Sul, perto do condomínio onde mora Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro que está preso desde 16 de janeiro acusado de omissão e até conivência com os atos criminosos do dia 8. É nesse mesmo condomínio que o ex-presidente moraria após o término do mandato.

Segundo o Estadão, as joias dadas pelo regime da Aárbia Saudita saíram pelas garagens privativas do Palácio do Planalto e do Palácio da Alvorada, a residência oficial dos presidentes da República, direto para a propriedade privada de Piquet.

“A data inicial para envio das caixas foi registrada em 7 de dezembro do ano passado, quando Bolsonaro começava a organizar a sua saída dos palácios, após a derrota na eleição presidencial”, diz trecho da reportagem. 

“Apesar do pedido ter ocorrido nesta data, houve atraso na remessa, e os itens só seriam encaminhados à casa de Nelson Piquet no dia 20 de dezembro do ano passado, uma terça-feira, às 9h. Faltavam apenas 11 dias para o fim do mandato de Bolsonaro”, completa.

Na semana seguinte, Bolsonaro mandaria um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) ao aeroporto de Guarulhos, para tentar resgatar a caixa de diamantes que era destinada a Michelle Bolsonaro, como seu próprio ministro Bento Albuquerque reafirmou ao Estadão.

“As informações apuradas pela reportagem mostram que houve o claro objetivo de Bolsonaro em ficar com os itens de maior valor, uma vez que apenas estes foram enviados para a propriedade de Nelson Piquet, enquanto outros itens, como cartas e livros, por exemplo, foram despachados para o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e a Biblioteca Nacional do Rio. Para estes itens, portanto, o entendimento foi que seriam bens do Estado brasileiro, enquanto as joias foram tratadas como bens pessoais”, destaca o Estadão.

O site procurou Nelson Piquet para questioná-lo sobre os motivos de guardar, em sua propriedade, os bens que Bolsonaro alega que são dele, apesar deste entendimento contrariar a lei e o que determinou o Tribunal de Contas da União (TCU) em 2016. Não houve resposta até a publicação da reportagem.

Nelson Piquet é um cabo eleitoral ativo de Bolsonaro. Ele inclusive fez as vezes de motorista do então presidente na abertura das comemorações do 7 de setembro, em 2021, em Brasília. Também esteve em atos contra o STF realizados em 2022.

Em novembro do ano passado, um mês antes de alocar os presentes do então presidente, o ex-piloto participou das manifestações bolsonaristas contra a derrota de Bolsonaro na disputa à reeleição. Um vídeo do tricampeão mundial de Fórmula 1 ao lado de um apoiador do presidente circulou nas redes sociais, onde ele dizia: “Vamos botar esse Lula filho de uma p* para fora”.

Na semana passada, a Justiça de Brasília condenou Piquet a pagar R$ 5 milhões de indenização por causa das declarações racistas e homofóbicas contra o heptacampeão de Fórmula 1 Lewis Hamilton.

Defesa de Bolsonaro confirma terceiro pacote de joias, mas não diz onde elas estão

Jair Bolsonaro confirmou, no início da tarde desta terça-feira (28), que ficou com o terceiro conjunto de joias recebidas de presente da Arábia Saudita. Segundo os advogados do ex-presidente, os itens, avaliados em cerca de R$ 500 mil, estão à disposição para “apresentação e depósito”. No entanto, eles não informaram o paradeiro das joias.

Em nota, os advogados Paulo Amado da Cunha Bueno e Daniel Bettamio Tesser afirmaram que os bens foram devidamente registrados, catalogados e incluídos no acervo da Presidência da República conforme legislação em vigor.

“Todo o acervo de presentes recebidos pelo ex-presidente, em função do relevante cargo que exercia, será submetido a auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), assim como ocorreu com os mandatários anteriores”, diz o comunicado.

No entanto, o TCU desconhecia a existência desse terceiro conjunto de joias, revelado em reportagem publicada pelo site do Estadão na madrugada desta terça. 

Ainda nesta terça-feira, o Ministério Público de Contas, por meio do procurador Lucas Rocha Furtado, informou que apresentará pedido à presidência do TCU para que Bolsonaro devolva o terceiro conjunto de joias.

O estojo inclui um relógio da marca Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes, avaliado em mais de R$ 360 mil.

A caixa de madeira clara, que traz o símbolo verde do brasão de armas da Arábia Saudita, contém uma caneta da marca Chopard prateada, com pedras incrustadas. Há um par de abotoaduras em ouro branco, com um brilhante cravejado no centro e outros diamantes ao redor. 

O conjunto é formado ainda por um anel em ouro branco com um diamante no centro e outros em forma de “baguette” ao redor, uma “masbaha”, um tipo de rosário árabe, feito de ouro branco e com pingentes cravejados em brilhantes.

O Estadão disse que Rolex é encontrado na internet por R$ 364 mil. Os demais itens, quando comparados a peças similares, somam, no mínimo, R$ 200 mil. Ou seja, essa terceira caixa de presentes custa ao menos R$ 500 mil.

Diferentemente das outras duas caixas enviadas a Bolsonaro, este conjunto de joias foi recebido em mãos pelo próprio ex-presidente, quando esteve com sua comitiva em viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, entre 28 e 30 de outubro de 2019, de acordo com o Estadão.

Bolsonaro disse que “todo mundo” gostaria de passar uma tarde com um príncipe

A reportagem lembra que, naquela ocasião, Bolsonaro teve um almoço oferecido pelo rei saudita Salma Bin Abdulaziz Al Saud. No encontro, o brasileiro disse que tinha “certa afinidade” com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salma. Segundo Bolsonaro, “todo mundo” gostaria de passar uma tarde com um príncipe, “principalmente as mulheres”.

O Estadão apurou que, neste caso, Bolsonaro voltou com o conjunto de joias para o Brasil e deu ordens para que os itens fossem levados a seu acervo privado, o que foi confirmado no dia 8 de novembro de 2019, pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência.

Ainda segundo o Estadão, um formulário de encaminhamento de presentes para o presidente foi preenchido, com a especificação de cada item do conjunto de joias. Na parte inferior desta descrição, há uma pergunta que se questiona se “houve intermediário no trâmite”. A resposta é: “não”. Uma segunda pergunta questiona se o presente foi “visualizado pelo presidente”. A resposta é: “sim”.

A guarda dessas joias permaneceria no acervo privado de Bolsonaro por mais de um ano e meio, até que, no ano passado, o então presidente daria novas ordens, desta vez para ter o conjunto, fisicamente, em suas mãos, de acordo com a reportagem.

Isso ocorreu em 6 de junho de 2022, quando o sistema da Presidência registrou que os itens foram “encaminhados ao gabinete de Jair Bolsonaro”. Dois dias depois, em 8 de junho, conforme os registros oficiais, as joias já se encontravam “sob a guarda do Presidente da República”.

A assessoria do ex-presidente ainda não se manifestou sobre o mais recente caso envolvendo joias. Tampouco o próprio Bolsonaro, um dos seus filhos ou ex-ministros mais próximos.

Ex-presidente tentou ficar com outras joias trazidas ilegalmente da Arábia Saudita

Partiu também do Estadão as reportagens sobre as tentativas de Bolsonaro de ficar com joias recebidas do regime árabe. Como revelou o Estadão, em outubro de 2021, a comitiva do governo Bolsonaro tentou entrar ilegalmente no Brasil com presentes dos sauditas, sem fazer a devida declaração dos bens. Uma caixa de presentes, estimada em cerca de R$ 1 milhão, passou pela alfândega sem ser declarada pela comitiva liderada pelo então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque.

Bolsonaro, que, quando o Estadão denunciou os casos, disse desconhecer as joias dadas pelos sauditas, acabou por se desmentir dias depois e reconheceu que havia recebido um pacote que entrou ilegalmente no Brasil, sendo obrigado a devolver os itens, por determinação do TCU. Um fuzil e uma pistola dada pelos Emirados Árabes também foram devolvidos. O Tribunal de Contas da União deve fazer uma auditoria nos demais presentes recebidos pelo ex-presidente.

Um segundo conjunto de joias de diamantes, porém, que já chegou a ser estimado em cerca de R$ 16,5 milhões, foi retido na alfândega, após os auditores da Receita Federal suspeitarem dos membros da comitiva. Estas joias, segundo Albuquerque, seriam presentes para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Ela negou ter conhecimento sobre as joias.

Como mostrou a reportagem, Bolsonaro mobilizou não apenas ministérios, mas também militares, a chefia da Receita Federal é até um voo da Força Aérea Brasileira para tentar retirar o conjunto de diamantes detido pela alfândega.

De volta ao Brasil, Bolsonaro vai receber mais de R$ 80 mil mensais

Jair Bolsonaro deve retornar ao Brasil na manhã desta quinta-feira (30). Segundo ele, para “trabalhar com o Partido Liberal” e “fazer política”. O PL informou que vai pagar salário equivalente ao de ministro do STF para o ex-presidente, que exercerá a função de presidente de honra da legenda. 

O salário de um ministro do STF atualmente é de R$ 39,2 mil mensais. A partir de abril, o valor salta para R$ 41,6 mil, de acordo com lei aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado.

Além do novo salário, o ex-chefe do Executivo continuará recebendo as aposentadorias mensais de R$ 11,9 mil por ser capitão reformado do Exército e de R$ 30 mil pelo período em que foi deputado federal, de 1991 a 2018.

Somando-se as três remunerações, o ex-presidente pode ter um rendimento total de aproximadamente R$ 83 mil por mês a partir de abril.

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