BRASÍLIA — Ameaçado na Previdência, o ministro Carlos Lupi repetiu que não foi omisso diante das denúncias de irregularidades nos descontos do INSS. Com o escândalo das fraudes nas aposentadorias, Lupi foi à sessão da Comissão de Previdência da Câmara nesta terça-feira (29), e os deputados cobraram dele explicações sobre os crimes identificados em investigação da Polícia Federal (PF).

“Toda ação que está culminando nessas investigações são de iniciativa do governo do presidente Lula, do qual faço parte. Nunca teve uma ação desse porte na Previdência Social”, afirmou.

As medidas adotadas pelo INSS no último ano não foram suficientes para interromper os descontos irregulares nas aposentadorias. Lupi admitiu que o ministério e o instituto não agiram a tempo. “Demorou? Demorou, sim, mas estamos agindo. Está doendo na carne. Estamos exonerando gente que trabalhava conosco há dias. É um pavor, um horror. Quem tiver roubado dinheiro de aposentado e pensionista tem que ir para a cadeia”, disse. 

As investigações identificaram que as associações cobraram ilegalmente R$ 6,3 bilhões dos beneficiários em um período de seis anos. Com a revelação das fraudes, a Justiça determinou o afastamento imediato do diretor do INSS, Alessandro Stefanutto, demitido horas depois.

O ministro admitiu a responsabilidade pela indicação de Stefanutto para o cargo, mas aliviou a culpa e disse que todas as escolhas são passíveis de erros e acertos. “A vida é assim. A gente erra e acerta. Eu assumo todos os meus atos. Ninguém indicou. Eu escolhi porque vi nele preparo para desempenhar um bom trabalho na Previdência”, justificou.

Lupi chegou à comissão cercado por deputados da bancada do PDT. O partido montou uma operação para blindar o ministro durante a sessão. A falta de deputados entre os membros titulares da Comissão da Previdência não impediu a presença do PDT na audiência.

O líder da bancada, deputado Mário Heringer (MG), chefiou a equipe de proteção ao ministro. Até Weverton (PDT-MA), um dos três senadores do PDT, atravessou o Congresso Nacional para acompanhar Lupi na Câmara dos Deputados. Outros nomes do partido também passaram pela comissão durante a sessão: Afonso Motta (RS), Mauro Benevides (CE), Duda Salabert (MG) e André Figueiredo (CE) — suplente na comissão. 

Ministro cobra fim dos descontos automáticos no INSS

A investigação da PF e da Controladoria-Geral da União (CGU) identificou que associações e entidades eram responsáveis por descontos irregulares nos pagamentos para os beneficiários. Esses descontos são feitos diretamente nas folhas do INSS. O regime é criticado pelo ministro Carlos Lupi, que cobrou o fim desses descontos automáticos pelas associações.

“Acho que o governo não deveria se meter nessa relação entre os trabalhadores e as associações. Se o trabalhador quiser, ele que se entenda com a associação. Resolveram colocar o INSS como intermediário, como se tivéssemos pouco trabalho...”, declarou.

Lupi avaliou que esses descontos não deveriam ser feitos nas folhas do INSS e sugeriu que as associações aplicassem, por exemplo, mensalidades sem a intermediação da Previdência Social. 

Documentos da Câmara alertavam Lupi sobre irregularidades desde 2023

A Câmara dos Deputados alertava o ministro Carlos Lupi sobre irregularidades nos pagamentos do INSS desde março de 2023, pelo menos. Um requerimento apresentado pelo deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES) pedia que o ministro se explicasse sobre “descontos autorizados na folha de pagamento dos aposentados”.

As solicitações se repetiram nos meses seguintes. Outros deputados como Chris Tonietto (PL-RJ), Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) e Cabo Gilberto Silva (PL-PB), também pediram que o Ministério da Previdência respondesse sobre essas ilegalidades.

O líder do PDT, Mário Heringer, confirmou que todos os requerimentos apresentados pela Câmara dos Deputados receberam respostas do INSS. Ele também cobrou o deputado Evair Vieira de Melo, que apresentou o requerimento no início do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o acusou de se omitir durante o governo do aliado Jair Bolsonaro (PL). 

"É muito fácil agora apontar o dedo para o nosso ministro. A Polícia Federal tem que retroagir nessa investigação. O primeiro ministro que começou era o Posto Ipiranga do Bolsonaro... Como é mesmo? Paulo Guedes. Ele era o ministro da Previdência. E eles trataram a Previdência como coisa de segunda linha, acabaram com o Ministério da Previdência", criticou o líder. "A denúncia do Evair é uma denúncia do roubo do governo dele. Não pode ser esquecido", acrescentou.

Escândalo no INSS

A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) iniciaram uma operação no último 23 de março contra fraudes nas aposentadorias do INSS. O escândalo resultou no imediato afastamento do presidente do instituto, Alessandro Stefanutto, por determinação da Justiça.

O INSS é ligado ao Ministério da Previdência. Àquela altura, a permanência de Lupi no cargo começava a ser ameaçada, mas a situação piorou dois dias depois, quando atas reveladas pela TV Globo atestaram que o ministro demorou para agir contra as fraudes nas aposentadorias.

Lupi soube das irregularidades nos descontos nas aposentadorias durante reunião do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS) no primeiro semestre de 2023. Apesar disso, o assunto só voltou a ser incluído na pauta em abril de 2024 — mais de 10 meses depois.

As primeiras ações do INSS para coibir as fraudes aconteceram somente em março daquele ano, e a medida adotada ainda foi tímida e insuficiente para interromper as irregularidades: o INSS publicou uma instrução normativa que mudava as regras para os descontos feitos pelas associações nas aposentadorias. Os descontos ilegais seguiram até a última sexta-feira (25). 

Esses descontos são o ponto central das fraudes no INSS, segundo a Polícia Federal. A investigação indicou que as associações faziam descontos nas mensalidades dos aposentados e pensionistas diretamente nos benefícios do INSS.

Essas irregularidades aconteceram entre 2019 e 2024. Nesses seis anos, as associações cobraram ilegalmente R$ 6,3 bilhões dos beneficiários. Elas se vendiam como representantes dos aposentados e dos pensionistas, mas descontavam os valores diretamente na folha do INSS sem a autorização dos beneficiários.