BRASÍLIA - A exploração de crianças e a erotização de conteúdos envolvendo elas em redes sociais, alertadas pelo influenciador Felca, incentivou uma ação da Câmara dos Deputados prometida pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). O tema encontra apoiadores da oposição à base e colocou adversários históricos do mesmo lado.
Mas a regulação das redes, abordada em propostas que tratam da proteção a crianças e adolescentes no ambiente digital, é controvérsia e pode travar o andamento de uma legislação de prevenção aos crimes contra esse público.
Uma proposta votada pelo Senado Federal e pronta para análise na Comissão de Comunicação da Câmara é tratada como prioridade diante de um rol com mais de 60 proposições sobre o assunto - a maioria, apresentada entre a última segunda-feira (11/8) e quarta-feira (13/8), depois da denúncia de Felca. A matéria em estágio avançado terá requerimento de urgência votado a partir de terça-feira (19/8), conforme indicação de Motta, mas a análise do mérito dependerá de consenso entre opositores e governistas.
O relator do projeto de lei é o deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), que, em parecer protocolado na terça-feira (12/8), acatou alterações para tentar diminuir a rejeição à matéria. Entre as mudanças, consta a troca da expressão “dever de cuidado” das plataformas por “deveres de prevenção, de proteção, de informação e de segurança”.
A crítica patrocinada por parlamentares mais radicais de oposição é de que a pauta pode abrir brechas para regulação das redes sociais e “censura prévia”. Na contramão, deputados aliados à base defendem que discutir os direitos de crianças e adolescentes nas redes passa diretamente pelo tema da regulação.
A versão mais recente apresentada pelo relator à Câmara atribui às plataformas a responsabilidade de proteger crianças e adolescentes. “Os fornecedores deverão tomar medidas razoáveis para prevenir e mitigar o acesso e a exposição a conteúdos relacionados a exploração sexual, violência física, assédio e bullying virtual de crianças e adolescentes”, pontua.
O deputado também prevê, na proposta, que as plataformas avaliem os conteúdos publicados para impedir que esse público acesse “conteúdos ilegais, danosos e em desacordo com sua classificação etária”.
Parlamentares de oposição argumentam que essa regulação não cabe às plataformas, mas se trata de controle parental, cabendo, portanto, aos pais e responsáveis exercê-lo. Há, também, a avaliação de que o tema estaria sendo usado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com fins escusos para restringir a liberdade de expressão, inclusive, em âmbitos que não se referem às crianças e aos adolescentes.
A proposta irá à discussão nesta quinta-feira (14) em reunião do colégio de líderes da Câmara. O objetivo é reduzir as restrições à matéria e dar uma resposta rápida à sociedade diante da denúncia de Felca, assistida mais de 36 milhões de vezes no YouTube em sete dias.
Outro caminho adotado por Motta é a instalação de um grupo de trabalho que, em 30 dias, apresentará um parecer sobre os mais de 60 projetos protocolados na Câmara e que versam sobre o tema. A intenção é reduzi-los a propostas consensuais que contemplem todos os pontos ainda não regulamentados do uso das redes e das plataformas por crianças e adolescentes, como a monetização de conteúdos, por exemplo.
Engavetado, PL das Fake News previa proteção a crianças na internet
A erotização de crianças e a circulação de conteúdos de pedofilia em plataformas digitais não são novidades na Câmara e eram abordadas no PL das Fake News, criticado pela oposição até ser engavetado pelo ex-presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A proposta atraiu para si um forte debate ideológico entre esquerda e direita, o que impediu seu avanço. A oposição o classifica como um meio de censurar as redes sociais, enquanto a situação defende o projeto como meio para reduzir e impedir crimes no ambiente digital.
O substitutivo do projeto, pronto para votação no plenário da Câmara, é do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) e reúne mais de quatro incisos sobre a proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais. O principal deles é o artigo 11, que obriga os provedores e as plataformas a atuarem para prevenir e evitar crimes ligados à disseminação de conteúdos ilegais gerados pelos usuários.
“[Garantindo] esforços para aprimorar o combate à disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros, que possam configurar crimes contra crianças e adolescentes, e incitação à prática de crimes contra crianças e adolescentes”, prevê trecho do PL.
O artigo ataca diretamente a origem de denúncias feitas por Felca, como a sexualização de crianças e adolescentes pelos próprios responsáveis, além da pedofilia no ambiente virtual. A proposta também obriga as plataformas a adotarem medidas específicas para proteger os direitos das crianças, como a criação de instrumentos para verificação de idade e de controle parental.
“Importante tema por nós acrescido foi o relativo às crianças e adolescentes, no Capítulo X. O objetivo foi fazer com que provedores, em seus serviços acessíveis por crianças, tenham sempre como parâmetro o melhor para elas, adotando medidas adequadas e proporcionais a fim de assegurar um nível elevado de privacidade, proteção de dados e segurança”, justificou o relator Orlando Silva.
O PL das Fake News "morreu" na Câmara dos Deputados sem ir à votação. A avaliação nos bastidores é de que a proposta sofreu interferência do debate ideológico, o que prejudicou seu avanço no Congresso Nacional. Lira chegou a criar um grupo de trabalho para discutí-la, mas os deputados designados para o debate nunca se reuniram para tratar do projeto.