As recorrentes ameaças de ruptura institucional e ataques do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), à Corte do Supremo Tribunal Federal (STF), somada à convocação das forças de segurança nacional para atos de apoio ao governo federal no feriado do dia 7 de Setembro, tem colocado a crise institucional e a defesa da democracia na agenda de discussões e discursos políticos.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), reiterou que “a democracia é inegociável”, em pronunciamento após reunião com governadores na manhã da quinta-feira (2/9). “Há um aspecto que é para todos nós inegociável. Não se negocia a democracia, democracia é uma realidade, o Estado de Direito é uma realidade. A sociedade já assimilou esses conceitos e valores nacionais, de modo que estaremos todos unidos nesse propósito”, salientou Pacheco.

Na ocasião, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB-DF), manifestou “preocupação unânime” dos governadores com o que ele qualificou como “esgarçamento das relações entre os Poderes”. “Existe também unanimidade de que temos que caminhar juntos pela democracia”, disse Ibaneis, que adiantou o interesse dos governadores em se reunir também com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e com Jair Bolsonaro.

Segundo especialistas consultados pela reportagem de O Tempo, a crise institucional pode agravar o cenário político e econômico do país, com fuga de investidores, prejuízos para a retomada da economia e incerteza sobre garantia de direitos previstos na Constituição de 1988.

“Uma crise institucional é o começo de crises muito maiores, do ponto de vista inclusive do ordenamento social”, explica Felipe Nunes, professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor da Quaest Consultoria e Pesquisa.

Segundo Nunes, já existem indícios suficientes de que há uma crise institucional instaurada no país, tendo em vista as frequentes ameaças do presidente da República ao processo eleitoral e ataques diretos a autoridades, como no caso dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Roberto Barroso. Em termos práticos, essa crise representa insegurança sobre aspectos da vida política da população, como liberdade de expressão, de manifestação, de imprensa e o direito de defesa, mas há efeitos negativos também no campo econômico.

“É de fato algo muito perigoso, não só pela projeção da imagem do país para investidores nacionais e internacionais, mas também porque sinaliza insegurança sobre um princípio básico da formação do Estado, que é o de que ‘todos somos iguais perante a lei’. Nesse cenário, alguém pode ter mais poder do que todos e de uma maneira muito temerária”, acrescenta o especialista.

A crise institucional gera maior preocupação por provocar tensão e ameaçar o funcionamento do Estado, segundo explica Rui Tavares Maluf, cientista político e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “A partir da crise institucional, pode ocorrer a ruptura institucional ou o mais conhecido golpe de Estado. Mas não vejo indícios de que chegaremos a esse ponto”, considera o especialista.

Perda de tempo

Embora também não vislumbre a ruptura institucional, Nunes observa retrocesso político quando autoridades gastam no conflito o tempo que deveria ser dedicado à resolução das demais crises. “Temos problemas graves no Brasil de saneamento, educação, desemprego, saúde pública, infraestrutura, há um monte de questões reais que precisam ser resolvidas. Enquanto isso gastamos um tempo enorme discutindo preceitos institucionais, que até então pareciam consolidados. O que o cidadão mais sofre, e talvez não perceba, é que estamos perdendo tempo”, diz o cientista político.

Acompanhando essa perspectiva, Maluf destaca que a atual crise entre os Poderes impede que as instituições se dediquem às soluções a curto prazo para amenizar os efeitos da recessão econômica. “Essa crise está afetando profundamente o funcionamento da nossa economia, com inflação superior ao que o próprio Banco Central imaginava há pouco tempo. Ela está afetando também o campo social, das políticas públicas que poderiam minimizar o desemprego e a alta dos preços dos produtos”, nota Maluf.

Para o cientista político, a escalada da tensão entre os Poderes não é uma surpresa, pois desde o seu primeiro ano de governo Bolsonaro promove conflitos com outras autoridades, como no caso do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido) e com o ministro do STF Celso de Mello. “A campanha dele já tinha um discurso antipolítico e anti-establishment. Havia uma criminalização da política e o enaltecimento do que fere centralmente o estado democrático de direito, como a tortura praticada no regime militar”, recorda Maluf.

Desgaste político

Na avaliação do economista José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit), ao passo que alimenta o conflito entre os Poderes para agradar aliados, o presidente da República se desgasta politicamente perante a sociedade.

“O governo não está apresentando resultados econômicos. Ao criar instabilidades e consequentemente perder apoio, o que percebemos é que o presidente não vai entregar o que prometeu na campanha. O clima de instabilidade é fatal para os ânimos dos agentes econômicos”, reforça o economista.

Essa observação é corroborada pelas recentes manifestações de representantes do mercado e do agronegócio. Membros da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) estão rachados entre os que apoiam a assinatura de nota crítica ao governo, como o Itaú-Unibanco e o Credit Suisse, e aqueles que preferem evitar atrito com o Planalto, como BTG, Caixa Econômica e Banco do Brasil.

Há ainda a carta das entidades representantes do agro, divulgada na segunda-feira (30/8), na qual manifestam preocupação com a harmonia institucional e estabilidade econômica e política do país. “A crise política é impulsionadora do baixo crescimento econômico. Não é possível enxergar de onde virá o impulso para um processo de retomada mais forte da economia”, avalia Krein.

Fuga dos investidores

Um dos eixos da retomada econômica é a atração de investidores, nacionais e internacionais. Com o cenário de incerteza política, empresas brasileiras e estrangeiras tendem a retirar ou paralisar investimentos no país, analisa Nadja Heiderich, professora, economista e coordenadora do Núcleo de Estudos da Conjuntura Econômica da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

“No caso dos investidores internacionais, podem retirar recursos do país, fazendo o dólar subir. Também podem rever expectativas a longo prazo e decidir não se engajar nos projetos de privatização de empresas. Quanto às empresas brasileiras, podem preferir esperar um ambiente mais favorável. A incerteza jurídica não é boa para contratos, então uma empresa não vai querer fazer qualquer tipo de projeto que no futuro não tenha o cumprimento do contrato. Isso é um aspecto que deve ser levado em conta”, nota a especialista.

Além disso, segundo Heiderich, o cidadão comum sofre principalmente com a alta da inflação. Ela explica que a instabilidade política provoca saída de capitais, causando depreciação do real frente ao dólar e fazendo com que os preços dos produtos importados se elevem. “A demanda por produtos exportados do Brasil também subiu, pressionando os preços no mercado interno. Isso reduz o poder de compra das famílias, atrasando também o crescimento e a retomada econômica do país no curto prazo. Com o poder de compra afetado, o consumo é menor”, pontua a economista.

Para Krein, a crise entre os Poderes afeta sobretudo as possibilidades de crescimento do país. “Há um ambiente de instabilidade, de incerteza política, com sinalização econômica de desaceleração do crescimento, da volta da inflação e crise hídrica. Em meio a tudo isso, há o presidente tensionando as instituições. Estamos numa situação muito complicada”, conclui o especialista.