BRASILIA — As críticas à atuação da Fundação Renova estiveram presentes na cerimônia de assinatura do acordo de repactuação pela tragédia em Mariana, nesta sexta-feira (25), em Brasília, e o governador mineiro Romeu Zema (Novo) classificou a criação do instituto como um “erro histórico” cometido no bojo das ações de indenização às vítimas.
"Estamos aqui, hoje, corrigindo um erro histórico, que foi, acho, bem intencionado, mas não deu resultado: a Fundação Renova. A partir de agora, sim, as obras vão acontecer e as pessoas vão ver que as suas vidas estarão melhorando", discursou Zema. Mais tarde, em coletiva de imprensa, ele lembrou que a Fundação será extinta a partir da homologação judicial do acordo, e a Samarco ficará responsável por finalizar as transações.
Criada ainda em 2016, a entidade sem fins lucrativos é desde então responsável por conduzir as ações de reparação e indenização aos atingidos. A Renova, gerida pela Samarco, foi criada a partir de um termo de transação e ajustamento de conduta (TTAC) entre a União e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
No entanto, a entidade, cuja governança é predominantemente composta por membros da Vale e da BHP Billiton, sócias da Samarco, não conseguiu cumprir suas ações. Ao divulgar as informações do acordo de Mariana, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acusou a Renova de “descumprimento sistemático das deliberações do Comitê Interfederativo (CIF)”, o que levou a pactuação a não funcionar.
“Além disso, a judicialização dos temas relativos à tragédia causou lentidão no julgamento das ações”, acrescentou o Palácio do Planalto. Sem a gestão da Renova, caberá ao próprio governo Lula administrar a repactuação. A negociação concluída na madrugada prevê R$ 170 bilhões para reparação dos prejuízos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, na região Central de Minas Gerais, que completará nove anos no dia 5.
Zema lembra de Brumadinho
Durante a cerimônia, que pôs fim à negociação que se arrastou nos últimos dois anos, Zema afirmou ainda que o acordo se inspira no pacto firmado de reparação à tragédia em Brumadinho. Esse desastre, ocorrido apenas quatro anos após o rompimento da barragem em Mariana, resultou na morte de 270 pessoas e também foi responsabilidade da Vale.
"A tragédia de Brumadinho serviu de inspiração, e esse novo acordo [de Mariana] tem a mesma estrutura do que nós aprendemos em Brumadinho. Talvez, se não tivesse acontecido Brumadinho, não teríamos este momento tão importante aqui. Porque, quando Brumadinho aconteceu, ainda no meu primeiro mês de governo, chamei minha equipe e falei: 'Precisamos fazer algo que reponha a dignidade para as pessoas. E em dois anos construímos esse acordo’", afirmou.
Zema elogiou o acordo firmado com intermédio da Advocacia-Geral da União (AGU) e disse que a assinatura reforça uma "cultura de conciliação", como ele chamou, em Minas Gerais. Sobre as ações de reparação, ele citou a operação de limpeza do rio Doce, contaminado pela lama tóxica e pelos rejeitos que escorreram na bacia após o rompimento de Fundão
"Daqui a poucos anos, o Rio Doce será um dos mais limpos do Brasil porque todas as cidades banhadas pelo Rio Doce terão tratamento de esgoto e saneamento. Vai ficar muito mais limpo do que era em 2015", declarou. Zema pontuou, ainda, que as obras e as ações de reparação serão um "legado gigante" para os próximos governantes.
O acordo
Do valor total do acordo de R$ 170 bilhões, a parcela de R$ 132 bilhões será de novos recursos. A maior parte, R$ 100 bilhões, será paga pela Vale e a BHP, em 20 anos, à União, aos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e aos 49 municípios da Bacia do Rio Doce.
Conforme adiantou O TEMPO Brasília, Minas receberá R$ 60 bilhões dos R$ 100 bilhões. Esses investimentos serão realizados por meio de ações do governo federal, do Estado e das prefeituras.
Nos últimos ajustes do acordo também foi definido que Minas receberá mais R$ 21 bilhões em investimentos a serem feitos pela Vale no Estado, elevando o montante total destinado a Minas para R$ 81 bilhões.
A destinação de R$ 100 bilhões em novos recursos para ações de reparação será feita da seguinte forma:
- R$ 39,83 bilhões diretamente repassado aos antigos, desconsideradas as indenizações;
- R$ 16,13 bilhões aplicados em ações de reparação ambiental;
- R$ 17,66 bilhões em ações de reparação socioambiental, contemplando indiretamente também os atingidos e o meio ambiente;
- R$ 15,29 bilhões em obras de saneamento e em rodovias;
- R$ 1,66 bilhão na ação civil-pública de Mariana;
- R$ 6,1 bilhões aos municípios por adesão; e
- R$ 1,86 bilhões a ações institucionais, de transparência e outras.
As mineradoras Vale e BHP terão a obrigação de pagar o valor ao poder público em um prazo de vinte anos. Já a quantia restante de R$ 70 bilhões se divide em:
- R$ 32 bilhões para as indenizações individuais às famílias das vítimas e às pessoas atingidas pelo rompimento da barragem; e
- R$ 38 bilhões que as empresas dizem ter gasto por meio de ações de reparação coordenadas pela Fundação Renova.
O rompimento da barragem do Fundão da Samarco (joint venture da Vale com a BHP) despejou 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A lama não apenas contaminou a bacia hidrográfica do Rio Doce até o mar no Espírito Santo e causou danos à infraestrutura de Mariana e de cidades ribeirinhas, mas também resultou em perdas irreparáveis para as famílias das 19 vítimas e para as centenas de desabrigados.