BRASÍLIA - O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atrapalham o trabalho da autoridade monetária para o controle da inflação.  

“Quando você tem um questionamento em relação ao trabalho técnico do Banco Central, sim, impacta o canal de transmissão de política monetária”, afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico.  

A cada crítica do presidente Lula contra o Campos Neto e autonomia do BC, o mercado tem reagido de forma negativa. E o Real acaba sofrendo desvalorização frente ao Dólar. Investidores e analistas interpretam que as críticas do petista demonstram interferência do Palácio do Planalto na condução da política monetária. 

 Relação com Tarcísio e pretensão política 

Ainda na entrevista, Campos Neto disse que “são factoides” a falta de independência do BC o fato dele ser próximo e “amigo pessoal” do governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).  

Lula chegou a chamar Campos Neto de “adversário político” e levantou suspeitas sobre o trabalho dele a frente do BC, comparando o bancário ao ex-juiz de Lava Jato Sergio Moro.   

Questionado sobre essas falas do petista, Campos Neto disse que os críticos nunca mencionam, ainda no governo Jair Bolsonaro (PL), o fato do BC ter subido a taxa de juros. Ele negou que tenha pretensões políticas ou que ambiciona cargo na administração pública.  

“Não planejo nada. O tempo vai dizer a verdade (...). Não tenho intenção de me candidatar a nada, não vou me candidatar a nada (...) Eu gosto de finanças e tecnologia. Muito provavelmente, o que eu vou fazer no futuro é uma coisa que mistura essas duas coisas. Mas não será no governo”, declarou. 

Boa relação com Haddad  

O BC é responsável pela condução da política monetária do país, enquanto o governo federal, trata sobre política econômica e planejamento de gastos, despesas e investimentos. 

Durante a entrevista, Campos Neto afirmou que tem um bom relacionamento com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sinalizou que a política fiscal impacta na política monetária. 

“Quando a gente fala do fiscal, é sempre num ângulo que impacta a política monetária. O sistema depende do fiscal e depende do monetário. Não tem nenhum problema com o ministro da Fazenda e acho que ele está fazendo um esforço fiscal muito grande”, pontuou. 

Ele ainda comentou sobre a diferença da inflação corrente, de 4%, e a inflação oficial (Selic), que está em 10,5%. “Ao contrário às vezes da política fiscal, que tem um impacto mais de curto prazo, a política monetária leva entre 12 e 18 meses para fazer efeito. Então preciso tomar uma ação hoje olhando o que está sendo esperado na frente. Se eu tomar uma ação hoje baseada na inflação corrente, é muito parecido como dirigir um carro olhando o retrovisor”, avaliou.  

Pé de guerra de Lula com o BC 

O presidente Lula assumiu o governo com a taxa Selic em 13,75% ao ano e, desde agosto do ano passado, o BC deu início ao ciclo de cortes, que foi interrompido há duas semanas. Atualmente, a inflação oficial está em 10,5%.  

O Palácio do Planalto e governistas do PT tinham expectativa que o Comitê de Política Monetária (Copom), cortasse ainda mais a Selic. Mas houve apenas um “congelamento” do índice oficial, ou seja, nem corte e nem aumento. Isso gerou ainda mais irritação em Lula, que a cada véspera de reunião do Copom, tem subido contra Campos Neto e questionado a independência do BC.  

Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é o primeiro presidente da autoridade monetária a assumir o Banco Central de forma autônoma. Antes, a configuração era diferente. Sem mandato, o chefe da autoridade monetária era um cargo político, de indicação do presidente da República, podendo ser destituído.