BRASÍLIA - Um relatório da Polícia Federal (PF) mostra que Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e atualmente deputado federal (PL-RJ), gravou uma reunião com o então presidente Jair Bolsonaro e o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno. Na reunião, eles discutiram "um plano para abrir procedimentos" contra os auditores fiscais da Receita Federal, com o objetivo de proteger o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das supostas "rachadinhas".

Um trecho do áudio gravado por Ramagem, incluído no relatório da Polícia Federal, é uma das provas apontadas pelos agentes que fundamentam a quarta fase da operação "Última Milha". A operação investiga o uso de um sistema de espionagem ilegal na agência durante o governo Bolsonaroa, além da produção de fake news.

 

“Neste áudio é possível identificar a atuação do Del. Alexandre Ramagem indicando, em suma, que seria necessário a instauração de procedimento administrativo contra os auditores da receita com o objetivo de anular a investigação, bem como retirar alguns auditores de seus respectivos cargos”, mostra o documento. 

 

Na reunião, segundo a PF, estava também a advogada de Flávio Bolsonaro. A gravação de uma hora e oito minutos é do dia 25 de agosto de 2020. O áudio foi encontrado no celular de Ramagem, após a apreensão e inspeção do aparelho do ex-chefe da Abin em janeiro, quando outra fase da operação foi deflagrada.  

 

“Neste áudio é possível identificar a atuação do Del. Alexandre Ramagem indicando, em suma, que seria necessário a instauração de procedimento administrativo contra os auditores da receita (Escor07) com o objetivo de anular a investigação, bem como retirar alguns auditores de seus respectivos cargos”, argumenta a Polícia Federal.  

 

O relatório também aponta que supostos agentes envolvidos na produção de dossiês clandestinos - o policial federal Marcelo de Araújo Bormevet e o subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues - confessaram, em depoimento à corporação, terem monitorado ilegalmente os auditores fiscais a mando de Alexandre Ramagem. O objetivo era encontrar "podres e relações políticas" dos servidores públicos.

 

“O produto ilícito da ação clandestina deveria ser ‘jogado num Word somente’ revelando assim o caráter de extra oficialidade", escreveu a PF. Esses auditores fiscais espionados ilegalmente foram responsáveis pelo relatório de inteligência fiscal (RIF), que deu origem à investigação que apurava o suposto desvio de parte dos salários dos funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando Flávio Bolsonaro era deputado estadual.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa de Flávio Bolsonaro informou que ele não teve relação alguma com a Abin. "Minha defesa atacava questões processuais, portanto, nenhuma utilidade que a Abin pudesse ter. A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro", afirmou o senador.

A reportagem procurou a Abin e a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas até o momento não obtivemos retorno. O espaço segue aberto. 

 

Relembre


A ação desta quinta-feira (11) é uma continuação das investigações da operação Última Milha, deflagrada ainda em outubro do ano passado. Segundo a PF, as provas obtidas a partir das diligências executadas à época indicaram que o "grupo criminoso" criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços da agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático.

Na época, foi revelado que ministros do STF, jornalistas, advogados, políticos e adversários do governo do ex-presidente estavam entre as pessoas que foram monitoradas ilegalmente por membros da agência. A apuração identificou 33 mil acessos da localização telefônica dos mais diversos alvos

Conforme as investigações, ocorreram proveitos pessoais para interferir em apurações da Polícia Federal. Na época, foi apontado ainda que servidores teriam utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema para coagir colegas e evitar a expulsão da Abin.

Já em janeiro deste ano, a corporação cumpriu outra fase da operação, chamada de Vigilância Aproximada, e que teve como principal alvo Alexandre Ramagem, que foi diretor-geral da Abin na gestão de Bolsonaro. Na época, o ex-presidente também foi alvo dos agentes da PF. 

Ramagem é próximo da família do ex-presidente e foi lançado pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro nas eleições que vão acontecer em outubro deste ano. Foi na gestão dele na Abin, entre julho de 2019 e abril de 2022, que a PF identificou o uso de um sistema de geolocalização de dispositivos móveis (GPS) sem a devida autorização judicial por servidores.