BRASÍLIA - Ao discursar na reunião de cúpula do Mercosul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, nesta segunda-feira (8), que a América do Sul precisa estar vigilante aos ataques à democracia. Na ocasião, o petista citou como exemplo os atos do dia 8 de janeiro, no Brasil, e a tentativa de golpe de Estado na Bolívia, há pouco mais de duas semanas.
"A reação unânime ao 26 de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstra que não há atalhos à democracia em nossa região. Mas é preciso permanecer vigilante. Falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. Enquanto nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a estabilidade política permanecerá ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam lado-a-lado", declarou.
A 64ª reunião de cúpula de chefes de Estados e nações associadas do Mercosul é marcada pela ausência do presidente da Argentina, Javier Milei, e pela adesão da Bolívia como país-membro. Sem fazer menção direta a Milei, chamou atenção para o avanço da extrema-direita no continente. "No mundo globalizado não faz sentido recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista.Tampouco há justificativa para resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravaram as desigualdades em nossa região", discursou.
Em outro momento do discurso, o petista defendeu a “diversidade de ideias sem extremismo” no fortalecimento democrático do bloco. “O Mercosul é resiliente e tem sobrevivido aos difíceis anos de desintegração. Pensar igual nunca foi critério para engajamento construtivo nas tarefas do bloco. A diversidade de opiniões, sem extremismos e intolerância, é bem-vinda porque fortalece nossas democracias e nos conduz a escolhas melhores”.
Entrada da Bolívia
A Bolívia passa a ser país-membro do bloco econômico. O presidente boliviano, Luis Arce, compareceu à reunião de Cúpula do Mercosul com as nações permanentes e associadas. Na avaliação do presidente brasileiro, adesão do país andino “tem enorme valor estratégico e faz do nosso bloco ator incontornável no contexto da transição energética”.
Nesse sentido, citou as riquezas minerais da Bolívia, que também são comuns a outros países do bloco. “Somos ricos em recursos minerais e possuímos abundantes fontes de energia limpa e barata. Temos tudo para nos tornar um elo importante na cadeia de semicondutores, baterias e painéis solares. Podemos formar uma aliança de produtores de minerais críticos para que os benefícios do processamento desses recursos fiquem em nossos países”, defendeu.
Acordo União Europeia e Mercosul
Ao discursar, Lula voltou a mostrar frustração pelo fato do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia não ter sido concluído. Ainda na presidência rotativa do Mercosul, em 2023, o Brasil tentou fechar o acordo, mas não conseguiu. O Paraguai, que sucedeu o governo brasileiro, também não teve êxito.
“Só não concluímos o acordo com a União Europeia porque os europeus ainda não conseguiram resolver suas próprias contradições internas”, afirmou. As negociações sobre o tratado entre os dois blocos se arrastam há 20 anos.
Ainda no tema sobre relações comerciais externas ao bloco, Lula citou o acordo entre China e o bloco econômico. “Espero que neste ano possamos aprofundar o diálogo sobre um acordo abrangente com a China”.
O próximo presidente temporário do Mercosul, Lacalle Pou, do Uruguai, vem tentando fechar um acordo comercial entre o país dele e Pequim, o que na avaliação de outros chefes de Estado enfraquece o bloco econômico como um todo. Lacalle Pou assume a presidência do Mercosul ainda nesta segunda-feira.
Moeda Comum
Em seguida, o presidente brasileiro voltou a defender a criação de uma moeda comum nas transações comerciais. Essa iniciativa não é nova e é uma forma diminuir a influência do dólar. “Aprimorar o sistema de pagamentos em moeda local será importante tarefa da próxima presidência pro tempore. Maior harmonização nos procedimentos adotados pelos nossos bancos centrais para esse tipo de operação reduzirá custos e beneficiará sobretudo pequenas e médias empresas do nosso continente”, defendeu o petista.
Guerra em Gaza
O presidente também citou que o Brasil foi o primeiro país do bloco a ratificar o acordo de livre comércio do Mercosul com a Palestina, ratificado pelo governo brasileiro no início de julho. Em seguida, voltou criticar a guerra na Faixa de Gaza. “Não posso deixar de lamentar que isso ocorra no contexto em que o povo palestino sofre com as consequências de uma guerra totalmente irracional”.
Engajamento social do Mercosul
O presidente do Brasil pediu ainda mais engajamento dos agentes do Mercosul nas pautas sociais, sobretudo no combate à fome e questões de igualdade sexual. “Apagar a palavra gênero de documentos só agrava a violência cotidiana sofrida por mulheres e meninas”.
Crise Climática
Ainda nessa linha, o petista pediu mais “engajamento e ambição climática” dos membros do bloco. “É muito oportuna a adesão do Mercosul, nesta cúpula, ao Memorando de Entendimento sobre cooperação em gestão integral de risco de desastres. Somos o continente com a maior floresta tropical e as maiores reservas de água doce do mundo”, afirmou.
O petista citou tragédias climáticas recentes que assolam o continente, como as chuvas no Rio Grande do Sul e no Uruguai; as secas severas na Amazônia, nos Pampas, no Pantanal brasileiro e no Pantanal boliviano.