O presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu entorno têm buscado manter no campo político-ideológico a disputa com seus prováveis adversários na próxima disputa nas urnas, prevista para começar oficialmente em agosto deste ano com a propaganda eleitoral e com o primeiro turno marcado para o dia 2 de outubro.

Com perspectivas negativas para a economia em um ano eleitoral, a chapa da situação tende a buscar manter esse assunto longe dos holofotes, mas essa tarefa pode se tornar impossível no cenário no qual analistas se dividem entre prever um crescimento pífio e apostar até mesmo em uma recessão – o que dificulta as pretensões de um candidato que intenciona a reeleição.

No campo da economia, o país encerrou 2021 com dois trimestres seguidos de queda no Produto Interno Bruto (PIB), que recuou 0,4% de abril a junho e caiu mais 0,1% de julho a setembro, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em dezembro do ano passado.

Essa sequência de queda no PIB é chamada, no jargão da economia, de “recessão técnica”. Mas há um risco de piora no horizonte. Para 2022, a expectativa é de queda do PIB de 0,5% para 0,4%.

A projeção contraria previsão dos analistas do mercado financeiro no começo de 2021, que esperavam uma alta de 2,5% para a economia neste ano. As projeções são do mais recente Boletim Focus do Banco Central, divulgado em 27 de dezembro de 2021.

O economista Roberto Bocaccio Piscitelli, professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB), alerta que já existe previsão de nenhum crescimento em 2022 ou até recessão, que é determinada pela queda consistente da maioria dos indicadores econômicos – mercado de trabalho, atividade da indústria, serviços e vendas no comércio, por exemplo.

Isso independe da divulgação do PIB pelo IBGE, por isso é diferente da recessão técnica, quando há uma sequência de trimestres com quedas no PIB.

“O principal risco que o país corre é de acontecer uma estagflação, que é o aumento da inflação somado à recessão da economia. Esse é o pior cenário. Não estamos em estagflação, mas há risco de que aconteça”, frisa Piscitelli.

Turbulências das eleições e a economia 

Para o economista, a imprevisibilidade das reações do presidente Jair Bolsonaro com relação às regras do jogo eleitoral também agrava o clima de insegurança para investidores e empresários. O descontentamento dos setores que mais empregam no Brasil também se reflete na população, por meio das recentes pesquisas de opinião.

Na primeira semana de janeiro de 2022, Bolsonaro manteve o patamar de avaliação dos meses anteriores, que já não eram favoráveis ao governo. A pesquisa PoderData realizada de 2 a 4 de janeiro mostrou que 57% do eleitorado brasileiro considera o trabalho do presidente “ruim” ou “péssimo”. Para 24% dos eleitores, o trabalho do presidente é “bom” ou “ótimo”.

“O estado de ânimos da população não tem mudado muito, mesmo entre aqueles que receberam auxílio emergencial, os desempregados e de baixa renda. Esses recursos podem trazer um alívio a curto prazo, mas provavelmente não terá força para mudar a disposição e a propensão das pessoas em confiar mais na palavra do presidente, na continuidade das iniciativas do governo”, avalia o economista.

Seguindo essa mesma observação, Fernando Guarnieri, cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), pontua que mesmo os programas sociais articulados pelo governo federal junto ao Congresso Nacional podem não surtir o efeito de puxar mais votos para Bolsonaro.

“Está consolidado nos estudos eleitorais que o que conta mais na decisão do voto é a situação econômica geral do país. Por mais que o eleitor tenha se beneficiado pessoalmente com o governo, se ele avalia que a situação vai mal, tende a punir o governante da vez. E essa situação econômica ainda vai estar muito ruim, porque o Guedes já jogou a toalha do compromisso fiscal”, nota o cientista político.

Expectativas para a campanha de Bolsonaro

A chapa do ex-deputado federal e capitão da reserva Jair Bolsonaro, na época pelo PSL, com o general Hamilton Mourão, do PRTB, foi eleita em 2018 com promessas, entre outras, de mudanças conservadoras, liberalismo austero guiado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, e com críticas duras contra o Centrão – chamado de “velha política” ou “política do toma lá dá cá”.

Na perspectiva de Guarnieri, em 2022, o presidente Jair Bolsonaro, atualmente no PL presidido por Valdemar Costa Neto, não poderá contar com as mesmas estratégias políticas e de comunicação usadas quatro anos antes.

“Não vai se colocar como uma novidade, pintando uma ideia de outsider. Agora ele é o establishment e é do Centrão. Não vai poder falar de novo da velha política, da questão antissistêmica como falou em 2018. O discurso dele vai ser em cima do que fez no governo”, observa o especialista. “E dessa vez não vai poder contar com as fake news, porque agora o Judiciário vai estar mais de olho”, acrescenta.

Por outro lado, uma estratégia que pode favorecer o presidente na campanha eleitoral é a quantidade de ministros que vão deixar os cargos em, pelo menos, 10 dos 23 ministérios, para cuidar de suas próprias campanhas.

Bolsonaro indicou alguns nomes fortes do governo para disputas estaduais garantindo um palanque para si, um palanque que vai justamente mostrar os feitos do governo”, nota Guarnieri.  

A previsão é que em abril ocorra a substituição dos ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Flávia Arruda (Secretaria de Governo), João Roma (Cidadania), Fábio Faria (Comunicações), Onyx Lorenzoni (Trabalho) e Tereza Cristina (Agricultura).

O presidente ainda não sinalizou quais nomes serão escalados para chefiar essas pastas, mas nos bastidores há a expectativa de que sejam principalmente servidores e técnicos indicados pelo Centrão, bloco de partidos da base aliada do governo federal.

Relações entre os poderes

Outra fonte de instabilidade para a política e a economia do país, os embates entre Bolsonaro e membros do alto escalão dos outros poderes podem voltar com toda a carga neste ano.

Um dos motivos é a já conturbada relação entre o mandatário do país e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Moraes vai presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a partir de setembro deste ano e já prometeu que não fará vista grossa para a disseminação de notícias falsas, disparos em massa e desinformação.

Com relação ao Congresso Nacional, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, o governo federal poderá continuar encontrando mais resistências às propostas de reformas – como a administrativa, tributária, do imposto de renda e trabalhista, por exemplo – à medida que as eleições se aproximam. 

Apoio incerto na elite econômica

No âmbito da elite econômica, a perspectiva é de que Bolsonaro também desagrade o segmento empresarial. “A situação fiscal tende a se deteriorar mais ainda e nesse sentido ele pode perder um apoio importante que ele tem de financiadores e dos gigantes da economia, como Fiesp e Febraban, por exemplo”, observa Piscitelli.

Para Luiz Fernando Castelli, economista sênior da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), “tudo indica que 2022 vai ser mais um ano difícil”. “Houve retração das atividades nesses últimos meses, a inflação ainda está num nível muito alto e o Banco Central subiu os juros”, descreve o economista.

A alta dos juros tem impacto também na retração dos investimentos, na avaliação de Castelli. “Normalmente em ano eleitoral, as empresas ficam mais cautelosas em relação a novos investimentos”, observa.

Ele pondera, no entanto, que as concessões em infraestrutura, tanto de estradas quanto de comunicações, tendem a ajudar positivamente, com essa “série de projetos que estão sendo leiloados, como o 5G e ferrovias, por exemplo”.

Ainda de acordo com Castelli, há duas reformas que são inevitáveis para as próximas gestões: a tributária, que tramita no Senado e a administrativa, que tramita na Câmara.

“Independente de quem vencer em 2022, vai precisar lidar com essas reformas. No governo Temer, não passou a reforma da previdência, mas ela ficou preparada para votação no primeiro ano da atual gestão. São reformas que estão sendo discutidas na sociedade há muitos anos”, frisa o economista.

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