BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nesta quarta-feira (25) um recurso do Google para evitar a quebra de sigilo de pessoas que teriam buscado informações sobre a vereadora Marielle Franco. Investigadores pediram acesso aos dados de quem digitou combinações de palavras relacionadas à vítima ao longo da semana que antecedeu sua morte, em 14 de março de 2018. Além dela, o seu motorista, Anderson Gomes, foi vítima do atentado. 

O recurso discute se o juiz, em investigação criminal, pode decretar a quebra de sigilo de históricos de busca na internet de um conjunto não identificado de pessoas, sem identificar os investigados. A decisão do STF terá repercussão geral, ou seja, valerá para casos semelhantes, definindo limites para a quebra do sigilo de histórico de buscas de usuários de plataformas digitais.

A 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital mandou o Google identificar as informações dos aparelhos que tenham usado a plataforma de buscas entre 10 e 14 de março de 2018. As consultas verificariam termos de pesquisa como “Marielle Franco” e “Vereadora Marielle”, além de “Casa das Pretas” e “Rua dos Inválidos” — onde ela esteve pouco antes da morte. O Google recorreu, mas o Tribunal de Justiça do RJ manteve a decisão. 

O Google recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a decisão do tribunal fluminense por entender que a medida era justificada para apurar crimes gravíssimos. O Google alegou violação ao direito à privacidade. Disse que a medida, pedida inicialmente pelo Ministério Público do RJ, abre margem para que pesquisas online se transformem em meios de vigiar cidadãos indevidamente. Com a derrota no STJ, o Google apresentou recurso ao STF

Quebra de sigilos pode trazer novas provas

Investigadores afirmaram que as informações sobre as pesquisas são importantes para produção de novas provas, com a abertura da ação penal contra os denunciados. A Primeira Turma do STF tornou réus o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ); o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Domingos Brazão; o delegado da Polícia Civil Rivaldo Barbosa; o major Ronald Paulo Pereira e o policial militar Robson Calixto Fonseca.

Na denúncia ao STF, a Procuradoria Geral da República (PGR)  disse que Marielle foi morta por representar um obstáculo aos interesses econômicos dos irmãos Brazão.

Os responsáveis por desvendar o crime dizem que a quebra de sigilos que buscaram informações sobre a vereadora na internet pode trazer novas evidências que ajudariam a comprovar, por exemplo, o que o executor confesso do crime, Ronnie Lessa, contou em seu acordo de colaboração premiada — uma vez que ninguém pode ser condenado com base apenas em delações.

Ronnie Lessa será julgado em júri popular marcado para 30 de outubro. O ex-policial Élcio Queiroz, que também participou do crime, será julgado na mesma ocasião.

Ministra votou a favor do Google

O caso começou a ser julgado no STF em setembro de 2023, em sessão virtual. Na ocasião, só votou a então presidente, Rosa Weber – ela se aposentou logo depois. Ela votou por anular a determinação da 4ª Vara Criminal. Ou seja, a favor do Google e contra a quebra de sigilo de um grupo indeterminado de pessoas que fizeram pesquisas relacionadas a Marielle. 

Ao analisar a questão, Rosa Weber destacou a importância da investigação, mas entendeu que a quebra de sigilo indiscriminada é desproporcional e pode atingir até usuários comuns que procuraram informações sobre a morte da vereadora devido à repercussão na imprensa. 

“Um número gigantesco de usuários não envolvidos em quaisquer atividades ilícitas, nos termos da decisão objurgada, teria seus sigilos afastados, a demonstrar indevida devassa e a sua absoluta desproporcionalidade em razão do excesso da medida”, argumentou a ministra em seu voto.

Ela ressaltou que os IDs de dispositivos e endereços de IP possibilitam a identificação dos usuários por trás das buscas. Por isso, são dados pessoais. Para ela, a intervenção na proteção de dados pessoais exige lei que autorize a adoção de medidas restritivas. Tal norma precisa conter os requisitos necessários, detalhar o modo de restrição e viabilizar o controle do Judiciário.

“Acresço, como mero reforço, presente, ainda, a desproporcionalidade da medida adotada, o que pode ser verifica da própria delimitação temporal estabelecida. Os delitos objeto de investigação foram cometidos, segunda a própria decisão do Juízo de primeiro grau, por volta das 21h do dia 14 de março de 2018. O pedido da autoridade policial, acolhido pelo Juízo competente, foi de encaminhamento dos endereços de IP e dos Devices ID’s de todos que pesquisaram, no Google Search, o nome da Vereadora Marielle Franco, inclusive, ainda que por curto lapso, após o seu homicídio", escreveu a ministra em seu voto.

O ministro Alexandre de Moraes pediu vista (mais tempo para análise) e paralisou a discussão, que deve ser retomada na tarde desta quarta-feira.