BRASÍLIA – O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (23) por tornar seis aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) réus pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
“Há total viabilidade da apresentação da denúncia. Vem acompanhada de provas de materialidade e indícios de autoria”, afirmou Moraes, relator do caso que está sendo julgado pela Primeira Turma do STF. Dessa vez, o colegiado analisa a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o chamado Núcleo 2. A Primeira Turma é formada por Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux.
Ao ler seu voto, Moraes apresentou provas levantadas pela Polícia Federal (PF) na investigação que sustentou a denúncia da PGR. Entre elas, trocas de mensagens entre os acusados de montar um plano de blitz no dia da votação do segundo turno das eleições de 2022 para dificultar e até impedir o trânsito de eleitores, principalmente na região Nordeste, onde Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia ganho no primeiro turno.
Entre os integrantes do núcleo 2 está Silvinei Vasques, que era o diretor-geral da PRF no governo Bolsonaro e é acusado de liderar ações para intervir nas eleições de 2022 com o uso da corporação. Ele também é apontado como integrante de um grupo próximo ao ex-presidente que participou de planos de golpe de Estado.
Moraes ainda citou o fato de uma cópia do plano “Punhal Verde e Amarelo” ter sido impressa no Palácio do Planalto e levada ao Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro permaneceu recluso após a derrota nas urnas para Lula. Tal plano previa os assassinatos de Moraes, Lula e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB).
O ministro do Supremo lembrou que o próprio Bolsonaro admitiu, recentemente, ter visto e lido tal plano – o ex-presidente alegou ter ignorado a proposta e que o fato de ter acessado o conteúdo não pode ser considerado crime.
Tal plano seria executado por kids pretos, integrantes das Forças Especiais do Exército. Kids pretos estão entre os 34 denunciados pela PGR em 18 de fevereiro na ação que trata da suposta tentativa de golpe e outros quatro crimes.
A PGR dividiu os denunciados em cinco núcleos de atuação. O fatiamento foi feito para facilitar o julgamento, permitindo a análise separada dos diferentes grupos. Veja abaixo quem são os seis aliados de Bolsonaro do núcleo 2 que começaram a ser julgados nesta terça-feira:
- Fernando de Sousa Oliveira, delegado da Polícia Federal;
- Filipe Garcia Martins Pereira, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República;
- Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva do Exército e ex-assessor da Presidência da República;
- Marília Ferreira de Alencar, delegada da Polícia Federal;
- Mário Fernandes, general da reserva do Exército;
- Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal.
Moraes diz não haver dúvida que minuta do golpe chegou a Bolsonaro
Ao apresentar seu voto, Moraes citou ainda a chamada “minuta do golpe”, documento que nortearia as ações de Bolsonaro e militares para sacramentar o golpe de Estado contra a posse de Lula, segundo investigação da PF.
O relator da ação no STF disse que “não há dúvida que essa minuta, chamada de minuta de golpe, ela passou de mão em mão, chegando até o presidente da República”, referindo-se a Bolsonaro.
'Nenhuma imagem mostra nenhuma senhora com Bíblia na mão', observa Moraes
Assim como havia feito na sessão em que a Primeira Turma tornou Bolsonaro e sete integrantes do seu governo réus, há quase um mês, Moraes pediu para exibir no telão imagens de violência no 8 de janeiro de 2023 e de episódios que antecederam a invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.
Entre eles, a quebradeira na área central de Brasília após tentativa de invasão à sede da PF, um mês antes, e o encontro de uma bomba sob um caminhão-tanque na entrada do aeroporto da capital federal, na véspera do Natal de 2022 – três apoiadores de Bolsonaro confessaram o atentado, com a pretensão de provocar o caos e uma possível intervenção militar para impedir a posse de Lula.
“Essas imagens são públicas. Nenhuma imagem mostra nenhuma senhora com Bíblia na mão. Essas imagens são muito importantes para que as pessoas não se esqueçam da gravidade do que ocorreu em 8 de janeiro”, destacou Moraes.
'Você pediria (anistia) se acontecesse na sua casa?', questiona Moraes
Ele disse que fez questão de repetir a estratégia porque, “pessoas de bem às vezes são enganadas por milícias digitais, robôs, uma série de mensagens”. Em seguida, criticou o movimento por anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023.
“E se o que ocorreu pro Brasil, acontecesse na sua casa... Se um grupo armado organizado ingressasse na sua casa, destruísse tudo, mas com a finalidade de fazer o seu vizinho mandar na sua casa, ou seja, de afastar você e sua família do comando da sua casa. Com violência, destruição, bombas, você pediria anistia para essas pessoas? Se na minha casa eu não admitiria isso, por que eu vou admitir isso pro Brasil, pra República que elegeu democraticamente os seus membros?”, questionou o ministro.
'Milícias digitais continuam insistindo que eu sou relator, o juiz e a vítima'
Alexandre de Moraes também buscou “esclarecer algo que já foi muitas vezes esclarecido, mas as denominadas milícias digitais continuam insistindo que eu sou relator, o juiz e a vítima. É importante deixar claro que a denúncia não se refere a tentativa de homicídio. Obviamente que se houver uma denúncia de tentativa de homicídio contra um ministro do Supremo, esses fatos seriam apartados e seria distribuído para outro ministro”.
Moraes ressaltou o que se julga “é atentado contra as instituições democráticas e o atentado narrado pela PGR a partir das investigações se dão no contexto de tentar obstruir as investigações já iniciadas há mais de três anos”.
Colegiado rejeita suspeição e pedidos de anulação de defesas
Nessa fase processual, o colegiado apenas verifica se a denúncia atende aos requisitos legais, com a demonstração de fatos enquadrados como crimes e de indícios de que os denunciados foram os autores desses delitos.
Ou seja, a Primeira Turma avaliará se a acusação trouxe elementos suficientes para a abertura de uma ação penal. Caso a maioria dos cinco ministros do colegiado votem favoravelmente à abertura de ação, os denunciados viram réus.
Antes de apresentar o voto contra o núcleo 2, Moraes e os demais integrantes da Primeira Turma votaram contra a suspeição de três ministros [Moraes, Dino e Zanin], do procurador Paulo Gonet, o impedimento do STF para julgar o caso e a anulação da delação de Mauro Cid.
“Nós já afastamos qualquer impedimento de suspeição, ausência de parcialidade para que se possa julgar todos os fatos relacionados à PET 12.100”, ressaltou Moraes.
Moraes afirmou também que não há “nenhum ato concreto” que comprove a quebra de imparcialidade de Gonet. A posição dele foi seguida por todos os outros ministros do colegiado.
Cada advogado dos acusados do chamado núcleo 2 teve 15 minutos para apresentar a defesa ao colegiado. Além de fazer os pedidos negados pelos ministros, os advogados reclamaram da falta de acesso à integralidade das provas usadas pela PGR e pela PF na elaboração da denúncia e do inquérito, respectivamente.
STF já tornou Bolsonaro e outros aliados réus por golpe de Estado
Em 26 de março, a Primeira Turma decidiu abrir ação penal contra Jair Bolsonaro e sete integrantes do seu governo. Eles formam o chamado Núcleo 1.
Com base na denúncia da PGR, eles vão responder pelos crimes de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.