BRASÍLIA – A Justiça Federal condenou o vereador Sandro Fantinel (PL), de Caxias do Sul (RS), a pagar R$ 100 mil por falas preconceituosas voltadas a trabalhadores baianos.

Então filiado ao Patriotas, Fantinel fez as declarações durante sessão da Câmara de Caxias do Sul. Ao microfone e na frente de uma câmera, colegas e plateia, ele atacou trabalhadores baianos resgatados em situação de escravidão na vizinha Bento Gonçalves.

Operação da Polícia Federal (PF), em ação conjunta com o Ministério do Trabalho e Emprego, identificou cerca de 180 trabalhadores submetidos à situação análoga à escravidão.

Os baianos haviam sido contratados por uma empresa terceirizada para trabalhar em grandes vinícolas da serra gaúcha, onde já chegavam devendo ao patrão, por itens como o transporte e a comida para o traslado e a estadia.

Em um primeiro momento, as empresas não admitiram irregularidades. Diante da péssima repercussão do caso, eles se manifestaram publicamente chegando a dizer que tudo era “indesculpável”.

Durante discurso em defesa das empresas, em 28 fevereiro de 2023, Fantinel afirmou que vinícolas gaúchas não deveriam contratar trabalhadores baianos, apenas argentinos.

“[Os argentinos] São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e, no dia de ir embora, ainda agradecem o patrão pelo serviço prestado e pelo dinheiro recebido”, afirmou.

“Em nenhum lugar do estado, na agricultura, teve um problema com um argentino ou com um grupo de argentinos. Agora, com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema”, completou.

Fiscais encontraram os trabalhadores citados mantidos em alojamento apertado e sem higiene, tratados sob ameaças e até agredidos com choques e spray de pimenta. Foi investigado o envolvimento de policiais militares nas ameaças e agressões ao grupo.

Argentinos também foram vítimas nas lavouras do Rio Grande do Sul. Quatro deles foram resgatados em junho de 2022 em condições análogas às de escravo no município de Putinga.

Justiça diz que falas de vereador são mais graves justamente pelo cargo dele

Trecho da decisão que condenou Fantinel diz que “as ideias manifestadas pelo vereador compõem o pensamento de parcela significativa da população local, o que não exime o réu de culpa, mas ao contrário, a agrava por ser um representante eleito que deveria servir de exemplo de cidadania”.

O pagamento de R$ 100 mil por danos morais coletivos será destinado a um fundo público voltado a ações coletivas, com gestão compartilhada entre conselhos, o Ministério Público Federal (MPF) e representantes da sociedade civil.

A sentença da 3ª Vara Federal de Caxias do Sul foi dada conjuntamente em resposta a ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) e entidades de defesa dos direitos humanos.

Vereador não reconheceu erro e disse que falas xenófobas foram tiradas de contexto

Em entrevista à RBS TV, em 1º de março de 2023, Fantinel voltou a falar sobre o discurso. Ele disse que suas declarações contra os baianos não contêm crime algum e chegou a afirmar que a “questão da analogia à escravidão” flagrada em fazendas da serra gaúcha são golpes contra fazendeiros.

“A intenção da pauta na tribuna, ontem, era querer transmitir para os agricultores terem um certo cuidado. Porque existem alguns grupos que estão dando golpes usando a questão da analogia à escravidão. [...] Quando a gente está no calor da fala, [...] a gente diz palavras que não é o que a gente quer dizer, que não representa a gente”, afirmou.

Fantinel alegou que sua fala foi tirada de contexto, apesar de ela ter sido divulgada sem edição pela maioria dos veículos de comunicação.

“A única coisa que eu disse dos baianos é que eles gostam só de tocar tambor e ficar na praia né. Se a gente fosse ter essa conversa em um outro momento, a pessoa iria dizer: 'ah, é verdade. É a cultura deles, não tem nada de mal'. O problema é que entrou em um contexto que foi interpretado como forma de falar mal deles”, disse.

Mas, após a repercussão negativa do caso na época, o parlamentar publicou um vídeo em suas redes sociais afirmando ter se arrependido: “Em um momento de lapso mental, proferi palavras que não representam o que eu penso e sinto pelo povo da Bahia e do Norte e Nordeste”.

No mesmo ano, o plenário da Câmara de Caxias do Sul rejeitou os três pedidos de cassação contra o vereador por quebra de decoro parlamentar por causa do discurso.

Mas o Patriotas expulsou o vereador. Segundo a sigla, o pronunciamento de Fantinel foi “desrespeitoso e inaceitável” e traz “grave desrespeito a princípios e direitos constitucionalmente assegurados, à dignidade humana, à igualdade, ao decoro, à ordem e ao trabalho”.

Em nota sobre a recente condenação do cliente, a defesa de Fantinel disse respeitar decisões judiciais, mas analisa o texto para saber o que fará. “Após essa análise minuciosa, juntamente com o cliente, definiremos as estratégias e as medidas legais cabíveis, o que poderá incluir a interposição do recurso previsto na legislação”, diz.