BRASÍLIA - O julgamento de Jair Bolsonaro (PL) na ação penal por suposta tentativa de golpe de Estado é inédito no país, porque é a primeira vez que um ex-presidente e militares, especialmente generais de quatro estrelas, respondem por tal crime.

Bolsonaro, que foi presidente de 2019 a 2022, e mais sete aliados, terão o futuro definido pelos cinco ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a partir desta terça-feira (2/9).

Além do ex-presidente, estão no banco dos réus ex-ministros de sua gestão e militares de alta patente. Eles integram o que a Procuradoria-Geral da República (PGR) classifica como “núcleo 1” da suposta trama golpista.

São julgados no “núcleo 1”:

  • Jair Bolsonaro: capitão do Exército de 1973 a 1988, foi presidente da República de 2019 a 2022;
  • Alexandre Ramagem: diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro; também foi delegado da Polícia Federal (PF) e é, atualmente, deputado federal;
  • Almir Garnier: comandante da Marinha na gestão Bolsonaro, é almirante de Esquadra da Marinha;
  • Anderson Torres: ministro da Justiça no governo Bolsonaro e delegado da PF, era secretário de Segurança do Distrito Federal nos atos de 8 de janeiro de 2023;
  • Augusto Heleno: ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro, é general de quatro estrelas da reserva do Exército;
  • Mauro Cid: ex-ajudante de ordens da Presidência, era um dos principais assessores de Bolsonaro; é também tenente-coronel do Exército;
  • Paulo Sérgio Nogueira: ministro da Defesa na gestão Bolsonaro, é general de quatros estrelas do Exército;
  • Walter Braga Netto: general de quatro estelas da reserva do Exército, foi ministro da Casa Civil e da Defesa de Bolsonaro e vice na chapa dele em 2022.

O general de quatro estrelas é o mais alto nível na hierarquia do Exército Brasileiro. Braga Netto foi o primeiro militar desta patente a ser preso no país. As estrelas simbolizam o nível de responsabilidade e autoridade de cada oficial. Sendo eles:

  • General de Brigada: duas estrelas
  • General de Divisão: três estrelas
  • General de Exército: quatro estrelas

Sete dos oito réus do núcleo 1 são acusados dos seguintes crimes:

  • Abolição violenta do Estado democrático de direito;
  • Golpe de Estado;
  • Organização criminosa;
  • Dano qualificado ao patrimônio da União;
  • Deterioração de patrimônio tombado.

Alexandre Ramagem será julgado em duas etapas, por ser deputado federal. Quando já ocupava o cargo, ele teve sua denúncia aceita pela Primeira Turma do STF, acusado de cometer os cinco crimes acima, mas a Câmara, em embate com o Supremo, decidiu suspender parte da ação penal —aquela que tratava dos crimes que teriam sido cometidos após a diplomação dele como parlamentar.

Dessa forma, Ramagem será julgado a partir do 2 pela acusação dos crimes de golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa armada. Só quando deixar de ser deputado ele poderá ser julgado pelos crimes de dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado, ambos relacionados aos atos de 8 janeiro de 2023.

PGR dividiu denúncias por grupos

Além desses oito réus, o plano de golpe apontado pela PGR com base em investigação da PF envolve outros 24 acusados, organizados em mais três núcleos distintos, conforme o papel desempenhado por cada um no esquema.

A denúncia da PGR, aceita pelo STF em 23 de março, se apoia em uma lei sancionada por Bolsonaro em 2021 que revogou a Lei de Segurança Nacional herdada da ditadura militar (1964-1985). 

A nova legislação tipifica com clareza os crimes contra a democracia, como tentativa de golpe e abolição violenta do Estado democrático de direito. 

A denúncia

A investigação começou após os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas por apoiadores de Jair Bolsonaro pedindo intervenção militar. 

A PF identificou elementos que indicavam a existência de um plano articulado para um golpe de Estado. Veja detalhes sobre eles abaixo:

Plano para matar Lula, Alckmin e Moraes

Investigações mostram que Bolsonaro sabia do plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o uso de explosivos e veneno para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, além do plano “Copa 2022”, que previa capturar Moraes.

Descrédito das urnas

A PF lista uma reunião entre Bolsonaro e a cúpula do Executivo, em julho de 2022, na qual ele teria convocado os integrantes do governo a agirem antes das eleições para a disseminação de fake news sobre as urnas. O encontro aconteceu 13 dias após a reunião com os embaixadores, realizada com o mesmo objetivo.

A PF afirma que, no encontro, outros integrantes do governo, como os então ministros da Justiça, Anderson Torres, da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e do GSI, Augusto Heleno, além do secretário-geral da Presidência em exercício, Mário Fernandes, propagaram mentiras sobre fraudes nas eleições.

Questionamento da lisura do processo eleitoral

O documento lista ainda a representação eleitoral apresentada pelo PL após o segundo turno das eleições de 2022, com dados inconsistentes para questionar o resultado de mais de 200 mil urnas só naquele período. A PF aponta que o documento foi apresentado à Justiça Eleitoral com conhecimento de Bolsonaro e do presidente do partido, Valdemar Costa Neto.

Carta dos oficiais

Os agentes federais também citam que tiveram ações de pressão ao comandante do Exército, Freire Gomes, como a “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. A investigação aponta que o documento teve a anuência do ex-presidente.  

Minuta de golpe

Outro elemento central da investigação foi a elaboração do decreto conhecido como “minuta do golpe”, que previa a ruptura institucional para impedir a posse de Lula. O documento havia sido impresso no Palácio do Planalto, sede administrativa do governo federal. 

O arquivo, segundo os investigadores, determinava a decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para questionar a legalidade do processo eleitoral.

Conforme a PF, Bolsonaro convocou uma reunião em dezembro de 2022 com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a minuta, buscando respaldo para um golpe de Estado. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica rejeitaram a proposta, enquanto o da Marinha, Almir Garnier, teria demonstrado apoio.