O juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal de Brasília, recebeu "centenas de ameaças" por causa das decisões que levaram às prisões do ex-ministro Milton Ribeiro, dois pastores ligados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros dois acusados de integrar o esquema de corrupção na liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao Ministério da Educação (MEC).
A informação é da assessoria de comunicação da Justiça Federal. "Os pedidos de investigação já foram encaminhados para a PF [Polícia Federal]", afirmou a assessoria da Corte..
Renato Borelli ouve nesta quinta-feira (23) três dos cinco presos pela PF na operação desencadeada quarta (22). Todos vão ser submetidos à audiência de custódia.
Milton Ribeiro será ouvido de São Paulo, onde passou a noite na carceragem da Superintendência da PF. O pastor Arilton Moura está preso no Pará. Por isso ambos serão ouvidos por videoconferência. Já o pastor Gilmar Santos participará presencialmente, pois está na capital federal.
Além dos três principais investigados, outras duas pessoas foram presas durante a operação: o ex-assessor do MEC e advogado Luciano de Freitas Musse e o ex-assessor da Prefeitura de Goiânia Hélder Diego Bartolomeu.
Todos são acusados de pelos crimes de tráfico de influência (com pena prevista de dois a cinco anos de reclusão), corrupção passiva (dois a 12 anos de reclusão), prevaricação (três meses a um ano de detenção) e advocacia administrativa (um a quatro anos de prisão).
Os recursos são do FNDE, órgão ligado ao MEC controlado por políticos do Centrão, bloco político que dá sustentação a Bolsonaro desde que ele se viu ameaçado por uma série de pedidos de impeachment e recorreu a esse apoio em troca de cargos e repasses de verbas federais.
O fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.
Renato Borelli tem em sua carreira um histórico de decisões contrárias a políticos de diferentes partidos, como PT e MDB, e até mesmo contra Jair Bolsonaro.
Em junho de 2020, durante a pandemia, foi ele quem determinou, no âmbito da 9ª Vara Cível do Distrito Federal, que Bolsonaro fosse obrigado a usar máscara nos espaços públicos de Brasília, fixando multa diária de R$ 2 mil ao mandatário em caso de descumprimento.
Dias depois, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) acatou um pedido da União e derrubou a decisão.
Desde a prisão de Milton Ribeiro, bolsonaristas recuperam a determinação sobre o uso de máscaras para tentar minimizar a decisão sobre Ribeiro.
Aliados do presidente insinuam que o juiz teria alguma motivação ideológica para perseguir o chefe do Executivo, mas o histórico de decisões de Borelli não atesta essa tese.
O nome do juiz foi compartilhado pelos perfis do deputado Eduardo Bolsonaro (União Brasil-SP) e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O ex-secretário de incentivo à Cultura André Porciuncula classificou o caso como “ativismo judicial”.
“Sim, o juiz que sentenciou o presidente a usar máscara é o mesmo que mandou prender o ex-ministro Milton”, publicou Eduardo Bolsonaro.
Além de juiz federal, Borelli é palestrante e professor de direito administrativo em um curso preparatório para concursos. E
Ele dedica suas redes sociais a promover o curso, chamado Gran Jurídico, mas desde quarta-feira tem recebido comentários como “comunista ativista” e “juiz esquerdista”.
Em 2016, na 20ª Vara Federal, Borelli condenou o ex-deputado João Paulo Cunha, do PT, e o empresário Marcos Valério, envolvidos no escândalo do mensalão, por improbidade administrativa. O juiz decretou a João Paulo Cunha o ressarcimento de R$ 10,9 milhões ao cofres públicos, e a Marcos Valério, R$ 536,4 mil.
Em 2017, também na 20ª Vara Federal, Borelli determinou a suspensão da assistência médica oferecida pela Câmara dos Deputados ao ex-deputado Rocha Loures (MDB), ex-assessor especial do então presidente Michel Temer, e obrigou o emedebista a devolver salários recebidos no período em que esteve afastado do cargo por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 2018, ainda na 20ª Vara Federal, Borelli decretou o bloqueio de mais de R$ 3 milhões do ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella (Republicanos), que na época havia sido citado em uma ação por improbidade administrativa. O bloqueio atingiu ‘todos os valores creditados em contas bancárias, cadernetas de poupança, fundos de investimento ou quaisquer outras aplicações financeiras’ do político.
Os pastores presos são ligados a Bolsonaro e apontados como lobistas que atuavam no MEC. Ribeiro disse em entrevista que atendeu os dois a pedido do presidente, mas negou que os favoreceu.
No entanto, áudios revelados pela Folha de S. Paulo mostraram diálogo em que Ribeiro compromete ele próprio e o presidente.
Já Bolsonaro, quando o escândalo veio à tona, em março, se apressou em defender Milton Ribeiro ainda no cargo. O presidente chegou a afirmar que “bota a cara toda no fogo” pelo ex-ministro.
Mas, dias depois, Ribeiro caiu, diante de novas denúncias, feitas por prefeitos que acusavam os pastores de montar um gabinete paralelo para negociar a liberação das verbas do FNDE.
Apesar de nenhum dos religiosos ter cargo no MEC, eles chegaram a receber prefeitos no edifício-sede do ministério. Prefeitos contaram que os pastores pediram dinheiro e até ouro como propina. (Com Estadão Conteúdo)
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