Eleições 2022

Controle da desinformação no Brasil em ano eleitoral vai exigir esforço conjunto

Instituições e redes sociais se mobilizam para evitar que as práticas vistas na eleição de 2018 se repitam neste ano. Movimento para formar parcerias cresce e plataformas explicam como pretendem agir

Por LUANA MELODY BRASIL E FERNANDA VALENTE
Publicado em 30 de janeiro de 2022 | 09:00
 
 
 
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As eleições de 2018 que alçaram Jair Bolsonaro (PL) à presidência da República deixaram a marca da polarização política. Quatro anos depois, o clima de ataque a adversários políticos segue latente e coloca o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as plataformas de redes sociais cada vez mais na linha de frente para barrar determinadas estratégias. 

Questões como a disseminação de notícias falsas, desinformação, discursos de ódio e disparos em massa de mensagens entraram de vez para o radar das instituições e não devem ser toleradas no pleito deste ano. 

“Foi acumulada uma experiência a partir de 2018, temos agora um 'know-how' maior tanto do TSE quanto das plataformas para lidar com essa situação. As reações foram muito lentas em 2018”, aponta Fábio Henrique Pereira, especialista em sociologia dos públicos jornalísticos, professor da Universidade de Brasília (UnB) e titular da cátedra de Jornalismo e Comunicação Científica da Université Laval (Canadá).

O indicativo de atuação firme veio de quem estará organizando e conduzindo as eleições como presidente do TSE. Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), assumirá a presidência do tribunal eleitoral em setembro, durante o período das campanhas. Ele já adiantou que a Justiça não será pega de surpresa em relação ao comportamento de milícia digital.  

De forma incisiva, o ministro disse que “se for repetido o que foi feito em 2018, o registro [do candidato] será cassado e as pessoas irão para cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil”. A declaração foi feita durante o julgamento da cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, em outubro de 2021.

Enfrentamento à desinformação no TSE

Os ataques durante a campanha de 2018 pavimentaram a criação de um programa de enfrentamento à desinformação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A iniciativa que une mais de 70 instituições e organizações foi instituída em agosto de 2019 e se tornou permanente dois anos depois. 

A desinformação é considerada “um desafio global, multifacetado e potencialmente perene” pelo TSE. O objetivo com o programa para as eleições de 2022 “é intensificar o trabalho para que a escolha dos eleitores por meio do voto seja legítima, sem interferência de campanhas difamatórias”.

De 2019 para cá, o programa atuou em seis eixos principais, com ações de curto, médio e longo prazo, sendo elas: organização interna; alfabetização midiática e informacional; contenção da desinformação; identificação e checagem de desinformação; aperfeiçoamento do ordenamento jurídico e de recursos tecnológicos. 

As ações já desenvolvidas nas eleições municipais de 2020 envolveram uma coalizão para checagem de fatos e também o desenvolvimento de um robô que responde no WhatsApp as dúvidas sobre o processo eleitoral. Levantamento do TSE estima que, até novembro de 2021, quase 20 milhões de mensagens foram trocadas com o chatbot. 

Também foi criada uma central de notificações nos aplicativos e-Título, Mesários e Pardal - esse último permite enviar denúncias com indícios de práticas indevidas ou ilegais no âmbito da Justiça Eleitoral.

Até agora, o TSE tem parceria com WhatsApp, Twitter, Google/Youtube, Instagram/Facebook e TikTok. Mas quando se fala nas eleições de 2022 é o Telegram que está no centro das atenções do TSE por não ter representantes no Brasil.

A plataforma russa tem sido notificada sem sucesso pelo tribunal, levantando novamente o debate sobre o alcance legal da disseminação de dados em massa e dificultando o combate às informações falsas. O tribunal já estuda medidas e especialistas veem a possibilidade de banir o Telegram, caso haja movimentação do Congresso neste sentido. 

O que as redes sociais propõem?

Cobradas a se posicionar e adotar medidas de controle da disseminação de notícias falsas, do discurso de ódio e dos disparos em massa (assimilados por algumas como “comportamento de spam”), as empresas das plataformas de redes sociais têm anunciado mudanças em suas políticas.  

A pedido da reportagem de O TEMPO, as assessorias que representam o Twitter, Facebook, Instagram e Whatsapp informaram como as empresas pretendem agir para melhorar o ambiente do debate político no Brasil. 

O Twitter ativou uma notificação para oferecer o conteúdo produzido pelo site oficial do TSE a quem pesquisar palavras e termos relacionados às eleições. “Estamos conversando com o TSE para oferecer treinamentos gratuitos a todos os partidos e outros atores sobre as regras do Twitter, responsabilidade digital e boas práticas de conteúdo e interações na plataforma”, destacou a rede social. 

Questionada sobre como vai proceder quando a fonte da desinformação for líderes políticos, o Twitter respondeu que “nenhuma pessoa que usa a plataforma está acima” de suas regras de uso. No entanto, a empresa justifica que há “políticas específicas para alguns casos de conteúdos publicados” por lideranças devido ao “interesse público de suas declarações”.

“O Twitter é o lugar em que o debate público acontece. Temos trabalhado cada vez mais para proteger a saúde e a integridade desse debate. Muito de nosso trabalho na frente de desinformação, por exemplo, consiste em prover as pessoas com mais contexto sobre determinado assunto”, comunica a empresa.

Por sua vez, a Meta – empresa responsável pelo Facebook e Instagram – declarou que tem feito avanços “bloqueando contas falsas, limitando a disseminação de desinformação, trazendo transparência a anúncios políticos e facilitando o acesso dos eleitores a informações confiáveis”.

Semelhante à estratégia do Twitter, a Meta também vai adotar o redirecionamento para o conteúdo do TSE. “Como parte do nosso trabalho com o TSE para a eleição presidencial de 2022, iremos direcionar as pessoas usando o Facebook e o Instagram no Brasil para informações oficiais sobre o sistema de votação e artigos rebatendo desinformação sobre o processo eleitoral”, informou a empresa.

Para evitar o uso de disparos em massa de campanha eleitoral sem o controle de quem está pagando por essas propagandas, a Meta explicou que criou, especificamente para o Brasil, um rótulo obrigatório de anúncio eleitoral, que é como um certificado de quem é o anunciante e se tem residência no país. 

A empresa aponta que o Brasil é um dos primeiros países a contar com esse rótulo, que foi criado em 2018 e ativado nas eleições de 2020. “Como resultado, só no primeiro turno de 2020 rejeitamos 250 mil anúncios que não continham o rótulo ‘Propaganda Eleitoral’ ou ‘Pago por’ direcionados a pessoas no Brasil”, destacou a Meta.

Quanto ao Whatsapp, a empresa reiterou que vai colaborar com o TSE “da mesma forma como fizemos para as eleições municipais em 2020”. “Seguindo a liderança do TSE, trabalharemos para combater notícias falsas e assegurar que os eleitores tenham acesso a informações oficiais”, afirmou a empresa.

Uma das estratégias adotadas pelo aplicativo é a ferramenta criada em parceria com o tribunal, em 2020, que funciona como uma sala de conversa “para que as pessoas tirassem dúvidas sobre a votação e pudessem acessar serviços diretamente pelo aplicativo”. “Desenvolvemos também um canal de comunicação para receber denúncias de contas suspeitas de realizar disparos em massa, que não é permitido nos Termos de Serviço do aplicativo nem na legislação eleitoral”, informou ainda a empresa.

O Whatsapp também destacou como iniciativa o contato com partidos políticos e candidaturas para apresentar o que tem sido feito “para garantir eleições íntegras e conclamando os principais atores do jogo eleitoral a não contratar mecanismo ilícito de envio de mensagens pelo WhatsApp”. 

Para que isso fosse possível, segundo o Whatsapp, “foi fundamental ter tido pela primeira vez uma proibição expressa de disparo automatizado de mensagens na legislação eleitoral”, frisou.

Desafios para coibir a desinformação 

Atentos à realidade do cidadão comum, pesquisadores têm alertado para a necessidade de se compreender o que leva alguém a consumir e disseminar notícias falsas ou conteúdo odioso.

"É muito romantizado acreditar que a população vai fazer checagem de notícias. Geralmente as pessoas vão atrás da checagem se a notícia de alguma maneira impactou o posicionamento pessoal sobre o assunto. Existem muitas notícias que não chamam a atenção e são entendidas como verdadeiras por algumas pessoas”, explica a pesquisadora Débora Liberato Arruda Hissa, professora do departamento de Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Hissa é vice-coordenadora de um grupo de pesquisa sobre Linguagem, Ensino e Tecnologia que foi um dos convidados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para compor o Programa de Combate à Desinformação. O objetivo é reunir especialistas e outros parceiros para criar ações de enfrentamento aos efeitos danosos da desinformação sobre temas ligados à Corte.

Para a pesquisadora, o banimento da desinformação depende da mudança de postura de toda a sociedade, sobretudo dos políticos. "Fake news é um processo político de destruição daquele que é assimilado como inimigo. É uma estratégia política. Então coibir isso é um processo muito complexo, principalmente dependendo de quem encabeça esse projeto”, avalia.

De acordo com o professor Fábio Henrique Pereira, o engajamento das empresas, junto ao TSE, para controlar a circulação de notícias falsas revela uma preocupação adquirida de 2018 para cá, além da tentativa de mudar a percepção de que as empresas de redes sociais são coniventes com a disseminação dos discursos de ódio e desinformação.

Ele alerta, no entanto, que o combate à desinformação é quase como uma “batalha contra o tempo”. “Quem vai ser mais rápido, os políticos ou os órgãos de controle? Sobretudo no Whatsapp, que é uma rede fechada e bem criptografada. Quando uma desinformação estava pública e alguém resolvia fazer alguma coisa, já não adiantava, porque estava disseminada, já estava circulando. É quase uma batalha contra o tempo, quem vai fazer a desinformação e o discurso de ódio circular mais rápido”, afirma.

Por outro lado, Pereira – que analisou o papel do Whatsapp nas eleições de 2020 e na recepção da informação pelos usuários – nota que a melhoria do debate público não se restringe à proibição dos discursos de ódio e das notícias falsas. 

“Não existe uma explicação fácil para o que leva uma pessoa a consumir conteúdo de ódio numa rede social e, a partir disso, como ela começa a acreditar nisso. Existe uma questão cultural que a gente precisa considerar nas práticas das pessoas”, enfatiza Pereira.

Acompanhando essa perspectiva, Hissa diz que a solução para o problema das notícias falsas passa pela educação de base e incentivo à leitura aprofundada de diferentes visões de mundo.

"Os alunos hoje leem meme, porque é um recorte, é mais fácil e lúdico. Mas como vamos ensinar os nossos alunos a olhar uma notícia e identificar o que é desinformação? Estamos lidando com pessoas que não querem ler o mundo, o que inclui ler a perspectiva mais radical de quem pensa diferente. Não é ler sempre as mesmas ideias”, frisa a pesquisadora.

Com observação semelhante, Pereira acrescenta que retirar conteúdo do ar não é suficiente para mudar crenças e furar as “bolhas” de conteúdo. “Isso não pode ser atribuído ao TSE ou às plataformas, é preciso fazer um esforço coletivo mais amplo, fazendo um trabalho de sensibilização e de educação midiática para as pessoas”, conclui.

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