Vacinação

Entenda a investigação sobre fraude que levou ao indiciamento de Bolsonaro

Indiciados podem responder pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema público. Penas chegam a 12 anos de prisão, além de multa

Por Renato Alves
Publicado em 19 de março de 2024 | 09:33
 
 
 
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A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 16 pessoas no inquérito que apura a falsificação de certificados de vacinas de Covid-19. Caso o Ministério Público acate, eles vão responder à Justiça pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema público. Eles podem render até 12 anos de prisão, além de multa, conforme o código penal. 

O inquérito agora segue para o Ministério Público Federal (MPF), que decide se irá ou não denunciar os 17 indiciados. O procurador geral, Paulo Gonet, terá 15 dias para se manifestar sobre o caso. O trabalho conclusivo da PF é resultado da investigação que levou à deflagração, em maio de 2023, da operação Venire, para levantar provas sobre a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde.

Teriam sido incluídas no sistema, entre novembro de 2021 e dezembro de 2022,  informações falsas que comprovavam que o ex-presidente e outras pessoas teriam sido imunizadas contra a Covid-19. Com isso, eles puderam emitir certificados de vacinação e viajar para os Estados Unidos. 

A apuração mostra que o objetivo da falsificação era manter coeso o discurso ideológico voltado aos ataques à vacinação contra a Covid-19. As ações ocorrem dentro do inquérito policial que apura a atuação das “milícias digitais”, em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Quais são os crimes investigados pela PF? 

Os fatos investigados configuram em tese os crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.

Quem teve os dados de vacinação incluídos no ConectSus? 

De acordo com o inquérito da PF, foram forjados dados do ex-presidente Jair Bolsonaro; a filha dele, Laura, à época com 12 anos; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; a mulher, Gabriela Santiago Cid; as três filhas de Mauro Cid; além de Max Guilherme Machado de Moura e Sergio Rocha Cordeiro, ambos assessores e seguranças de Bolsonaro.

A participação de Mauro Cid no esquema

  • Na época que a operação foi deflagrada, foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão e seis mandados de prisão preventiva, em Brasília e no Rio de Janeiro. Nesse contexto, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid foi preso. 
  • Ele é apontado como o principal articulador da fraude em cartões de vacinação contra a Covid-19. Ainda em maio do ano passado, durante depoimento à PF, o tenente-coronel ficou em silêncio sobre o caso. Mas, a mulher dele, Gabriela Santiago Cid, admitiu que usou certificado falso. 
  • Em setembro do ano passado, veio à tona que Cid fechou delação premiada com a PF. Além do esquema de vacinas, ele abriu outras informações para os investigadores. 

Como funcionou o esquema

  • Os documentos apontavam que essas pessoas haviam sido vacinadas em Duque de Caxias, apesar de nenhuma delas morarem na cidade da Baixada Fluminense. O deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), que é irmão do ex-prefeito da cidade Washington Reis (MDB), foi apontado como intermediador dessa fraude. 
  • Eles teriam pedido a João Carlos de Sousa Brecha, secretário de Governo em Duque de Caxias, para inserir informações falsas no sistema do SUS sobre vacinação contra Covid-19, em meio à pandemia. 
  • Em 22 de dezembro de 2022, as doses foram registradas por João Carlos no sistema como se tivessem sido aplicadas em Duque de Caxias, entre agosto e outubro de 2022. O secretário foi preso à época. 
  • E, de acordo com a PF, em 27 de dezembro, os dados relativos a Bolsonaro e Laura foram excluídos do sistema de Duque de Caxias pela servidora Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva.
  • No caso de Bolsonaro e Laura, os comprovantes de vacinação falsos foram impressos no Palácio da Alvorada por Mauro Cid, segundo ele próprio. O ajudante de ordens disse ter entregue os cartões em mãos a Bolsonaro.
  • A PF apreendeu o computador e impressora usados para fazer cópia dos documentos. Peritos inclusive reimprimaram os cartões, por meio de arquivo recuperado no computador. eles tinham versão em inglês o que comprovaria que a intenção era usá-los em viagem internacional.

Outro registro de vacinação, dessa vez em SP

A PF, com base em levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU), identificou ainda um terceiro registro de vacina no nome de Bolsonaro – este, uma dose da Janssen supostamente aplicada em São Paulo.

Segundo a PF, quando Bolsonaro viajou para os EUA, essa era a vacina que constava em seu comprovante de vacinação. A CGU descobriu que a dose, supostamente aplicada em São Paulo em 19 de julho de 2021, só foi incluída no sistema do Ministério da Saúde em 18 de outubro de 2022.

Bolsonaro sempre disse ser contra vacina 

Na época da operação desencadeada pela PF, Bolsonaro afirmou em entrevistas que nunca se vacinou contra Covid-19 e que não houve adulteração nos registros de saúde dele e da filha. ele também já havia dito que não permitiria que Laura fosse vacinada.

Ao longo de sua gestão, Bolsonaro se recusou a informar se tomou a vacina contra a Covid-19. Questionado por meio da Lei de Acesso à Informação, o governo impôs um sigilo de até 100 anos aos dados sob a justificativa que isso se referia à vida privada do então presidente.

Em janeiro do ano passado, um grupo de hackers divulgou um cartão de vacinação que supostamente seria de Bolsonaro. Nele constava o registro de uma dose da vacina contra a Covid-19, que teria sido aplicada em uma unidade de saúde em São Paulo em 19 de julho de 2021. Era o mesmo já alvo de investigação da CGU.

Assim como Bolsonaro, Cid e outros ex-assessores próximos do ex-presidente atacaram as vacinas contra Covid-19. Chegaram a dizer inclusive que elas, em vez de proteger, deixavam sérias sequelas, principalmente em crianças. Também eram contra medidas de isolamento social.

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