Investigação

Entenda a operação da PF sobre suposto desvio de joias recebidas por Bolsonaro

Moraes retirou o sigilo da decisão em que autorizou a busca e apreensão contra os suspeitos. A equipe de O TEMPO em Brasília teve acesso a cópia do documento

Por Renato Alves
Publicado em 12 de agosto de 2023 | 09:50
 
 
 
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A Polícia Federal deflagrou uma operação nesta sexta-feira (11) para apurar suposto esquema para vender, de forma ilegal, presentes entregues a Jair Bolsonaro (PL) por delegações estrangeiras quando ele era o presiente do Brasil. Ele teria recebido o dinheiro apurado com as negociações, segundo a PF.

Agentes fizeram buscas e apreensões em endereços de alguns dos assessores mais próximos do ex-chefe do Executivo nacional. Os mandados, pedidos pela PF, foram expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

No fim da manhã de sexta, Moraes retirou o sigilo da decisão em que autorizou a busca e apreensão contra os suspeitos. A equipe de O TEMPO em Brasília teve acesso a cópia do documento. A partir dele,  entenda a operação, confira as provas levantadas pela PF e saiba o que ainda falta apurar:

AS JOIAS QUE ORIGINARAM A INVESTIGAÇÃO DA PF

A PF investiga desde março o suposto desvio de bens de alto valor recebidos por Jair Bolsonaro em viagens internacionais. Os presentes dados por autoridades estrangeiras deveriam ser incorporados ao patrimônio da União, conforme a legislação brasileira.

A investigação começou a partir da informação que Bolsonaro ficou com joias recebidas de autoridades da Arábia Saudita em outubro de 2021. Após a publicação de reportagens pelo O Estado de S. Paulo, advogados do ex-presidente confirmaram que os itens estavam com ele e anunciaram a devolução.

O jornal paulista revelou que um militar que assessorava o então ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) tentou desembarcar no Brasil, após viagem ao Oriente Médio, com artigos de luxo na mochila. Como não tinham sido declarados, os bens foram apreendidos pela Receita Federal.

No entanto, novas reportagens revelaram que havia mais itens de alto valor recebidos por Bolsonaro em países árabes que não haviam sido entregues à União. O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu investigação e cobrou a devolução de todas as peças.

Um segundo pacote, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos também da marca suíça de diamantes Chopard e depois entregues a Bolsonaro, estava na bagagem de um dos integrantes da comitiva e não foi interceptado pela Receita, como mostrou a Folha de S. Paulo.

Jair Bolsonaro e o seu principal ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, que já estava preso por causa de esquema de fraudes em cartões de vacina contra Covid-19, foram chamados para depor na sede da PF em Brasília sobre a destinação das joias. 

Bolsonaro admitiu ter ficado com as joias, mas alegou ter tomado tal decisão para evitar que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficasse com os itens ao tomar posse na Presidência da República em 1º de janeiro de 2023. 

OS ALVOS DA OPERAÇÃO DE SEXTA-FEIRA (11)

O nome da operação da PF desencadeada nesta sexta (11) é "Lucas 12:2", uma alusão ao versículo 12:2 da Bíblia, que diz: "Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido".

Policiais federais cumpriram mandados contra o general da reserva do Exército Mauro César Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid; Osmar Crivelatti, tenente do Exército e que também atuou na ajudância de ordens da Presidência (continua trabalhando como assessor de Bolsonaro); Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro e familiares do ex-presidente.

Durante o governo Bolsonaro, o general Mauro Lourena Cid ocupou cargo federal em Miami ligado à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Ele foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), nos anos 1970. 

O QUE A PF DIZ TER DE PROVAS CONTRA  BOLSONARO

Com base no relatório da PF, Alexandre de Moraes concluiu que, por “determinação de Jair Bolsonaro”, mostrou-se um esquema criminoso para desviar presentes de alto valor recebidos pelo ex-presidente quando estava à frente do Poder Executivo brasileiro. Tais itens foram vendidos principalmente nos Estados Unidos, conforme a investigação que culminou na operação desta sexta-feira. No documento, Moraes trata o grupo de Bolsonaro como organização criminosa. 

“Em período não delimitado do ano de 2023, nos Estados Unidos da América, Jair Messias Bolsonaro, Mauro Cesar Barbosa Cid, Marcelo Costa Câmara, Osmar Crivelatti, Mauro César Lourena Cid e outras pessoas não identificadas, uniram-se, com unidade de desígnios, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos recursos financeiros decorrentes da alienação dos bens desviados do acervo público brasileiro. Tais recursos ficaram acautelados e sob responsabilidade do general da reserva Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cesar Barbosa Cid, e posteriormente transferidos, em dinheiro espécie, para a posse de Jair Messias Bolsonaro”, escreveu Moraes.

O ministro do STF ainda ressalta que o grupo usou da autoridade e da estrutura da Presidência da República para “desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-Presidente da República e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no exterior”.

"Assim, destaca a Polícia Federal que (a) os dados analisados indicam a possibilidade de o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal da Presidência da República (GADH/GPPR) – órgão responsável pela análise e definição do destino (acervo público ou privado) de presentes oferecidos por uma autoridade estrangeira ao Presidente da República – ter sido utilizado para desviar, para o acervo privado do ex-Presidente da República, presentes de alto valor, mediante determinação de Jair Bolsonaro", completa o ministro na decisão.

O SUPOSTO USO DE VOO PRESIDENCIAL PARA LEVAR JOIAS AOS EUA

As investigações identificaram que Bolsonaro e auxiliares retiraram do país, no avião presidencial, ao menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado.

A viagem ocorreu em 30 de dezembro, véspera do último dia de mandato de Bolsonaro, para assim evitar seguir o rito democrático de passar a faixa a seu sucessor eleito, o hoje presidente Lula.

“As diligências realizadas indicam que JAIR MESSIAS BOLSONARO e sua equipe utilizaram o avião presidencial, no dia 30/12/2022, para evadir do país os bens de alto valor desviados, levando-os para os Estados Unidos da América e, na sequência, os referidos bens teriam sido encaminhados para lojas especializadas em venda e em leilão de objetos e joias de alto valor, situadas nas cidades de Miami/FL, Nova Iorque/NY e Willow Grove/PA (IPJs nº 22306028/2023 e 2249788/2023)”, escreveu Moraes.

PF DIZ TER PROVAS QUE PAI E FILHO PARTICIPARAM DA VENDA DE ROLEX

A PF tem evidências de que Mauro Cid participou da venda e recompra de um relógio da marca Rolex avaliado em US$ 60 mil (quase R$ 300 mil pela cotação atual do dólar). Pai do ex-assessor de Bolsonaro, o  general Mauro César Lourena Cid teria vendido o Rolex e um outro relógio de luxo da marca Patek Philippe por US$ 68 mil nos Estados Unidos. 

O Rolex foi um presente de autoridades sauditas a Bolsonaro durante uma viagem oficial do presidente em 2019 à Arábia Saudita e ao Catar. 

Segundo as investigações da PF, o general era o responsável por negociar nos Estados Unidos as joias e os demais bens recebidos por Bolsonaro na condição de presidente – o general inclusive recebia os valores em sua conta bancária. Cabia a Mauro Cid guardar todos os presentes recebidos por Bolsonaro nas viagens oficiais.

ROLEX TERIA SIDO RECOMPRADO PARA EVITAR PROVA

O Rolex teria sido recomprado após cobrança do TCU para que o item, dado como presente por árabes a Bolsonaro em viagem oficial ao Reino da Arábia Saudita, fosse incorporado ao patrimônio público, assim como todos os demais presentes de alto valor recebidos por ele em seu mandato.

A recompra teria sido feita pelo advogado Frederick Wassef, nos EUA. Wassef teve de pagar um valor maior do que aquele obtido na venda, de acordo com a investigação da PF.

E-mails recuperados pela PF mostram uma das tentativas de Mauro Cid para vender o Rolex. Na mensagem ele deixa claro que se tratava de um presente ganho em viagem oficial.

PF PROCURA OUTROS PRESENTES DE BOLSONARO

A PF aponta evidências de que outros presentes dados a Bolsonaro quando ele presidente da República, além dos que já se sabia por meio de investigações, foram desviados do patrimônio da União no suposto esquema que tinha como autores militares de extrema confiança do ex-presidente. 

No relatório enviado ao STF para pedir mandados de busca e apreensão usados na operação de sexta-feira (11), há uma mensagem enviada por Marcelo Câmara a Mauro Cid no início do ano.

“O que já foi, já foi. Mas se esse aqui tiver ainda a gente certinho pra não dar problema. Porque já sumiu um que foi com a Dona Michelle; então pra não ter problema”, diz transcrição do áudio enviado por Câmara. “As mensagens revelam que, apesar das restrições, possivelmente, outros presentes recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro podem ter sido desviados e vendidos sem respeitar as restrições legais”, ressalta relatório da PF.

Os investigadores identificaram ao menos outros cinco itens que teriam sido negociados pelos assessores de Bolsonaro. Entre eles, estão dois relógios, duas estátuas douradas – uma de barco e outra de palmeira – e um kit de joias que continha caneta, anel, abotoaduras e um rosário árabe. A PF calcula que esses objetos renderam cerca de R$ 1 milhão. 

O QUE BOLSONARO JÁ DISSE SOBRE CASO DAS JOIAS

Jair Bolsonaro se manifestou sobre a operação por meio de nota divulgada pelos seus advogados, na noite de sexta (11). O texto diz que o ex-presidente coloca sua movimentação bancária à disposição das autoridades e que ele “jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos”. A PF pediu a quebra dos sigilos de Bolsonaro.

“Sobre os fatos ventilados na data de hoje [sexta] nos veículos de imprensa nacional, a defesa do presidente Jair Bolsonaro voluntariamente e sem que houvesse sido instada, peticionou junto ao TCU — ainda em meados de março —, requerendo o depósito dos itens naquela Corte, até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito”, afirmaram os advogados na nota.

Quando o caso veio à tona por meio de reportagens, em março, Bolsonaro disse, inicialmente, não ter pedido nem recebido qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita. A ex-primeira-dama chegou a afirmar que desconhecia a existência de tais presentes.

“Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”, afirmou Jair Bolsonaro à época.

Segundo ele, dois ou três dias depois da retenção dos artigos, a Presidência notificou a alfândega de que as peças deveriam ir para um acervo. Em depoimento dado à PF, o ex-presidente afirmou ter tido conhecimento sobre as joias apreendidas na Receita 14 meses após o ocorrido.

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