Arapongagem

MPF em MG já investigava sistema de espionagem da Abin, mas órgão não cooperava

O MPF em MG já investigava o uso do sistema de monitoramento ilegal de pessoas pela Abin, mas esbarrava na falta de informações do órgão ligado à Presidência

Por Renato Alves
Publicado em 20 de outubro de 2023 | 11:28
 
 
 
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O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF-MG) já investigava o uso do sistema de monitoramento ilegal de pessoas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas esbarrava na falta de informações do órgão ligado à Presidência da República, que foi alvo de operação deflagrada pela Polícia Federal na manhã desta sexta-feira (20) justamente por causa da espionagem ilegal com tal software. 

O procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva, do MPF-MG, disse à reportagem de O TEMPO em Brasília que a Abin vem resistindo a dar informações sobre o uso do First Mile. Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o programa permite rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões. 

Com base no fluxo dessas informações, o sistema oferece a possibilidade de acessar o histórico de deslocamentos e até criar “alertas em tempo real” de movimentações de um alvo em diferentes endereços. E agentes da Abin faziam isso sem qualquer autorização judicial, o que é crime. Por isso, o STF emitiu dois mandados de prisão preventiva, 25 de busca e apreensão e mandou afastar cinco diretores da agência por meio da ação desta sexta-feira. 

Mas, muito antes, em março, o MPF em Minas abriu uma apuração preliminar sobre o caso, que, segundo o procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva, não avançou porque a Abin não dava informações concretas sobre o uso do First Mile. Mas o MPF-MG mantém a investigação preliminar aberta a partir de representação da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, e espera concluí-la rapidamente, agora que a PF fez uma ação com autorização do STF e a Abin diz estar cooperando.

“A Abin estava ignorando um dever legal, pois dizia que só responderia nossos pedidos por meio de ordem judicial. O MPF pode e deve fazer pedidos de informação diretamente, mas vinha sendo ignorado. Hoje mesmo estou enviando ofícios reiterando os pedidos à Abin e pedindo ao STF o compartilhamento de informações sobre a investigação da PF”, adiantou Carlos Bruno, que responde pela Procuradoria dos Direitos do Cidadão no MPF-MG. 

Agentes da PF apreendem US$ 171 mil na casa de diretor afastado

Além de mandar prender dois servidores da Abin na operação desta sexta-feira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afastou Paulo Maurício Fortunato Pinto, atual número 3 da instituição, e outros quatro servidores dos cargos. 

Todos foram alvo de busca e apreensão na investigação sobre o uso de sistema secreto que monitorou, ilegalmente, por meio da rede de telefonia celular, a localização de pessoas durante o governo passado. Jornalistas, advogados, políticos e adversários do governo Bolsonaro estão entre as pessoas que foram monitoradas ilegalmente por um grupo de agentes da Abin. 

Na casa de Paulo Maurício, em Brasília, agentes da PF apreenderam US$ 171.800 (cerca de R$ 860 mil no câmbio do dia) em espécie durante as diligências. Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Yzycky foram detidos no Distrito Federal.

Os dois servidores presos já respondem processo administrativo disciplinar e teriam utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema para coagir colegas e evitar a expulsão da Abin. 

Filho do general Santos Cruz também é alvo da PF

Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) Carlos Alberto Santos Cruz, é um dos alvos da PF na operação deflagrada na manhã desta sexta.

Segundo a colunista Bela Megale, do jornal O Globo, Caio Cesar dos Santos Cruz é apontado pelos investigadores como representante da empresa que vendeu o sistema à Abin. O software foi comprado pela agência brasileira por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação, no fim de 2018, ainda na gestão de Michel Temer (MDB). A ferramenta foi utilizada ao longo do governo Bolsonaro até meados de 2021. 

Em março, O Globo revelou que a ferramenta chamada FirstMile ofereceu à Abin a possibilidade de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”. 

Nos pedidos para conseguir as medidas judiciais usadas na operação desta sexta, a PF aponta que o sistema de geolocalização usado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. “A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos”, informou a PF, em nota divulgada após o desencadeamento da operação.

Como o Globo mostrou à época da denúncia, um integrante do alto escalão da Abin afirmou que o sistema era operado sob a justificativa de haver um “limbo legal”. Ou seja, como o acesso a metadados do celular não está expressamente proibido na lei brasileira, a agência operava a ferramenta alegando serem casos de “segurança de Estado” — e, portanto, não estava quebrando o sigilo telefônico.

Operação ocorre no âmbito do inquérito das fake news

A revelação do uso do sistema provocou questionamentos internos na Abin e levou à abertura de um procedimento interno para apurar o caso. As condutas ilegais teriam ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro, quando a agência era presidida pelo atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). Bolsonaro e Ramagem não foram alvo de mandados nesta sexta.

Os investigados vão responder pelos seguintes crimes:

  • Invasão de dispositivo informático alheio;
  • Organização criminosa;
  • Interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial, ou com objetivos não autorizados em lei.

Abin diz cooperar com investigação e que não usa mais sistema clandestino

A Abin foi criada com o intuito de produzir relatórios para auxiliar a Presidência da República na tomada de decisões sobre os diferentes assuntos, em especial no que diz à defesa, alertando sobre possíveis ameaças, internas e externas.

Em nota divulgada após a operação da PF, a Abin disse estar cooperando com a investigação e informou que, em 23 de fevereiro de 2023, a Corregedoria-Geral da da instituição instaurou procedimento interno para verificar a regularidade do uso de sistema de geolocalização adquirido em dezembro de 2018.

“A partir das conclusões dessa correição, foi instaurada sindicância investigativa em 21 de março de 2023. Desde então, as informações apuradas nessa sindicância interna vêm sendo repassadas pela Abin para os órgãos competentes, como Polícia Federal e Supremo Tribunal Federal”, diz trecho da nota.

“A Abin vem cumprindo as decisões judiciais, incluindo as expedidas na manhã desta sexta-feira (20). Foram afastados cautelarmente os servidores investigados. A Agência reitera que a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021. A atual gestão e os servidores da ABIN reafirmam o compromisso com a legalidade e o Estado Democrático de Direito”, completou.

 

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