Tragédia do Sarriá

Quem viu de perto: ‘Das maiores frustrações da história’

Jornalista Cláudio Arreguy, que cobriu a Copa do Mundo na Espanha, fala sobre o clima antes e depois da eliminação

Por Daniel Seabra
Publicado em 05 de julho de 2022 | 05:04
 
 
 
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E não foram só os jogadores e torcedores que se decepcionaram com a derrota. Quem trabalhou na cobertura jornalística da Copa do Mundo de 1982, e viu o time mágico de Telê Santana de perto, acima do trabalho, também se entristeceu. Foi o caso do jornalista Cláudio Arreguy, que estava na Espanha, trabalhando pelo Jornal do Brasil. “A perda daquela Copa foi uma das maiores frustrações da história do futebol brasileiro, porque era um trabalho que vinha sendo feito durante dois anos.”, disse.

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Arreguy se lembra bem do início do trabalho e conta, com detalhes, como foi a montagem do time. “Tudo começou com a eleição do Giulite Coutinho para a presidência da CBF, criada no lugar da CBD. Ele efetivou e escolheu Telê Santana como técnico exclusivo da seleção, o que não ocorria antes. Então ele pode se debruçar sobre os times. O time foi se encontrando e achou seu jeito de jogar nas Eliminatórias. Só que um jeito sem o Falcão, que tinha sido vendido para a Roma em 80, e o Telê montou um meio-campo muito móvel, com Cerezo, Sócrates e Zico. E o Tita, depois Paulo Isidoro, Reinaldo e Éder no ataque. A defesa era Edevaldo, às vezes Getúlio, Oscar, Luizinho e Júnior. No final de 81, ele (Telê) achou a solução para a lateral-direita", relatou.

Cláudio ainda relata o motivo pelo qual o principal ídolo do Atlético não foi convocado. "Ele (Telê) desistiu do Reinaldo por questões disciplinares, não por questão técnica. Achava  que o Reinaldo não estava levando vida de atleta. Acabou indo com Serginho e Careca para a Copa. O Careca se contundiu uma semana antes, teve que ser cortado, e o Serginho virou titular”, explicou.

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O jornalista, que hoje vive em São Paulo, ainda falou sobre a escalação. Para ele, houve um erro do técnico Telê Santana na montagem da equipe titular. “O mais lógico, pelo jeito que a equipe tinha treinado e se ele queria encaixar o Falcão, era adiantar o Sócrates ou o Zico ali se revezando, sem o centroavante, e mantido Paulo Isidoro na direita. Treinou durante dois anos nessa posição improvisada e compunha muito bem ali. Assim como o Éder fazia com o Júnior na esquerda. Ao ter que colocar o Falcão, com Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, ele ganhou uma qualidade muito grande. Um dos maiores quadrados da história. Mas perdeu uma recomposição pela direita. Ofensivamente, o time conseguia se compor com os avanços do Cerezo, do Falcão, do Sócrates, do Zico, se revezando por ali. Mas matava o Leandro na marcação”, lamenta.“Então o Brasil sofreu na Copa.”

Sobre a partida que determinou a eliminação da equipe brasileira, a derrota para a Itália, por 3 a 2, Cláudio não concorda com muitos que dizem se tratar de uma zebra. O jornalista acredita que o Brasil tinha um time mágico, mas, em matéria de efetividade, os italianos não ficavam para trás. “A Itália era um time de um nível muito próximo do Brasil. Não tinha a fantasia do Brasil, mas era um time com, pelo menos, meia dúzia de jogadores da primeira prateleira do futebol mundial. Era um time cheio de bons jogadores, que encontrou seu jogo a partir da segunda fase. Tinha ganhado muito bem da Argentina, explorando falhas, e explorou bem as falhas do Brasil. No jogo, quem falhou mais, perdeu. Foi um duelo de gigantes”, frisou.

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E a derrota, com a consequente eliminação do Mundial, para ele, acabou sendo um resultado quase que normal, já que, tanto italianos quanto brasileiros poderiam se classificar para a próxima fase da competição. “O Brasil saiu de cabeça erguida, tanto que o Telê foi aplaudido pela imprensa mundial na coletiva. Mas ela (a seleção) não ganhou, ganhou um time que era muito bom. Não tinha fantasia, mas tinha uma eficácia absurda. Esse time ganhou a final, depois da semifinal com a Polônia, e a final com a Alemanha, premiando também uma geração que já tinha sido semifinalista quatro anos antes na Argentina”, relembrou, referindo-se à Copa do Mundo de 1978, vencida pelos argentinos, em seus domínios.

“Ficou a frustração para o futebol brasileiro, por ver uma das suas melhores gerações de todos os tempos ficar no meio do caminho. Muito superior a outras que perderam Copas desde 70. As de 74, 78, a de 86, com o próprio Telê, as de 90 e 98. Então de 82 ficou aquela frustração. A seleção jogava muito bonito, mas infelizmente o futebol tem disso e não ganhou” disse.

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TELÊ SANTANA

Segundo Cláudio Arreguy, a derrota e a eliminação daquele time mágico, considerado favorito, interferiu, ainda, na vida profissional e pessoal do técnico Telê Santana. “O final daquela trajetória marcou muito profundamente o Telê, tanto que ele resolveu abandonar o futebol. Ele anunciou que nunca mais gostaria de dirigir a seleção. E algumas semanas ou meses depois, ele aceitou um convite do Al-Ahli, da Arábia, para trabalhar lá no Mundo Árabe. Ele saiu do futebol brasileiro. Ficou amargurado demais, porque tinha confiança naquela equipe, o mundo inteiro achava que o Brasil era o favorito, que iria ganhar. Aquilo o abalou muito”, lembrou.

Mas Telê, mesmo amargurado e profundamente marcado pela derrota, voltaria a comandar o time nacional, alguns anos mais tarde. “O tempo vai arrefecendo as coisas. Em 85, quando o Evaristo (de Macedo) não deu certo nos amistoso e nas Eliminatórias, o Giulite Coutinho fez um convite de última hora para o Telê, e o Al-Ahli o emprestou para dirigir a seleção nos últimos quatro jogos, contra Bolívia e Paraguai (ida e volta), e ele manteve mais ou menos o grupo de 82, com algumas correções de rota. Botou Casagrande de centroavante, Renato Gaúcho pela direita, no lugar do Paulo Isidoro. Não tinha Falcão, era o mesmo meio-campo, com Cerezo, Sócrates e Zico. E a defesa era a mesma, sem o Luizinho, mas com Edinho. E o goleiro não era mais o Valdir Peres, ele efetivou o Carlos e o levou até a Copa (de 86)”, explicou, sobre a montagem de um novo time, já visando o Mundial que seria disputado no México, no ano seguinte.

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Ao final das Eliminatórias, Telê, novamente deixou o posto e cumpriu o resto do seu contrato na Arábia. “Na sequência, houve eleição na CBF, e a turma do Otávio Pinto Guimarães, do Nabi Abi Chedid foi eleita, e eles chamaram o Telê para ser novamente técnico da seleção. E ele topou. Só que foi com um time muito mais pragmático. Ele percebeu que a base da seleção de 82 não daria certo, havia perdido intensidade, competitividade e manteve uma seleção mais competitiva, mas pragmática. Fez uma Copa muito boa, sem o brilho da anterior. O Telê estava depurando seu estilo, que chegaria ao auge no São Paulo, que dirigiria anos depois”, lembrou Cláudio.

Logo na sequência da Copa do de 82, os brasileiros que estavam naquele time, tiveram um destino, digamos, inusitado. Arreguy se lembra bem para onde foram vários jogadores daquele time. “O reconhecimento do brilho daquela seleção foi maior por parte justamente da Itália, o algoz do Brasil. Os italianos já tinham levado o Falcão. E levaram vários jogadores na sequência. Zico, Edinho, Cerezo, Júnior, Sócrates, alguns reservas, como Dirceu, Pedrinho, Batista. Então eles levaram boa parte daquela seleção brasileira. Inclusive o Careca, que foi cortado na última hora, também foi. O reconhecimento se deu, primeiramente, fora do país. O pessoal lá ama o futebol, ama o futebol bem jogado, que o Brasil mostrou naquela copa”, finalizou.

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ALÉM-MAR

O brilho da seleção brasileira na Copa do 1982 não ficou somente no Brasil e na Espanha, onde o Mundial foi disputado. Ali, ao lado do país sede, em Portugal, jornalistas e torcedores também se renderam ao futebol mágico do time de Telê Santana. “Aqui não se fala mais da seleção de 82, com detalhes, porque nem todos que estão na ativa por aqui tem memória dessa seleção. Mas tem muita gente por aqui que ainda fala desse time. Outro dia, assisti a um programa de TV, e os comentaristas diziam que colocavam essa seleção de 82 no mesmo nível do Barcelona de Pep Guardiola, quando Messi estava no seu auge”, disse o jornalista lusitano Rui Viegas, da Rádio Renascença.

“É um pouco o sentimento que tenho. Uma seleção que jogava um futebol encantador, um futebol fantástico, e que encantava os torcedores, mas à qual lhe faltou este troféu, essa cerveja no topo do bolo, para ser considerada, quiçá, a melhor equipe do mundo. Esta é a ideia que se tem por aqui”, frisou o radialista.

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Segundo ele, ainda hoje o time é lembrado como “uma seleção com grandes protagonistas, que jogava um futebol encantador, que jogava quase que de olhos fechados. Essa é a ideia que mais vezes vamos ouvindo aqui em Portugal, seja dos torcedores, seja da imprensa, seja de antigos jogadores, e essa é a imagem que tenho em relação à seleção.”

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