Há chance de convívio familiar

Distantes dos pais, acolhidos veem no apadrinhamento voluntário oportunidade de ter atenção individualizada e outra experiência de vida

Em uma das visitas que fizemos ao abrigo Tremedal, encontramos Miguel*, 16, aos prantos e gritando: “Vou fazer igual goleiro (quando quer agarrar a bola) e me jogar na frente de um carro. Quero ver se Deus vem me buscar!”. Ele tinha acabado de saber que seu padrinho desistiu dele após quatro anos de convivência. O garoto tem distúrbios mentais e começou a ficar mais agressivo. O padrinho tentou continuar, mas não aguentou.

Assim como na adoção, o apadrinhamento de adolescentes é mais difícil, já que a maioria das pessoas prefere crianças de no máximo 12 anos. “De dez ligações que recebo de voluntários, nove são querendo crianças”, contou o coordenador do Tremedal, Frederico Suppa Costa. Até dezembro passado, entre os 14 acolhidos (de 12 a 17 anos) na casa, apenas três tinham padrinhos continuados.

A Constituição Federal estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade e ao respeito. Mas, quando se trata de adolescentes, existe uma dificuldade cultural para se captar padrinhos afetivos que os incluam nos convívios social e comunitário. Por preconceito, a sociedade acha que o jovem é mais difícil de lidar. “Ele é marginalizado, mas, na verdade, é uma vítima social. E o apadrinhamento poderia mudar o rumo dele”, defende Norma Rosimere, coordenadora dos abrigos parceiros por parte da prefeitura da capital.

Há 15 anos, o Centro Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam) desenvolve o programa de apadrinhamento a crianças e adolescentes de 4 a 17 anos, na capital mineira. Eles estão, atualmente, com cerca de 200 padrinhos, mas o objetivo é ter sempre 350. “As pessoas visualizam como criança só os pequenos. O conceito internacional de criança é até os 18 anos incompletos. E o adolescente tem uma carência maior pelo tempo que está institucionalizado. Se queremos uma sociedade melhor, isso passa por acolher esses meninos”, disse o presidente do Cevam, Ananias Neves Ferreira.

Experiência

Por estarem distantes dos pais e de outros parentes, os padrinhos dão aos menores a oportunidade de ter uma atenção individualizada e de conviver em família. No apadrinhamento afetivo continuado, como o que tinha Miguel, os acolhidos passam fins de semana, feriados e férias nas casas das famílias voluntárias e criam vínculos. Ainda que haja desligamentos, os técnicos dos abrigos acreditam que esse contato é importante para os meninos. “O carinho familiar ajuda muito na evolução deles”, avaliou o psicólogo Fabiano Loureiro.

Há três anos, a técnica de enfermagem Márcia da Costa é madrinha afetiva das irmãs Júlia*, 12, e Bianca*, 15. “Apadrinhei como um ato de fraternidade, mas, com o passar do tempo, percebi que elas é que me ajudavam a quebrar muitas barreiras”, analisa Márcia. As meninas brigavam muito, mas, depois da convivência com o marido e as filhas de Márcia, ficaram mais amigas.

O apadrinhamento também fez com que Bianca passasse a falar sobre realizar sonhos e já pensasse em ser cabeleireira. “É bom ter uma madrinha para não sentir falta da mãe e para saber que tem sempre alguém para nos ajudar fora do abrigo”, diz.

Serviço

Como apadrinhar?
Os interessados podem procurar o Cevam, na rua dos Goitacazes, 71, no centro da capital mineira.
Telefone: 3224-1022 /www.cevambrasil.com.br

À espera por uma casa para passar Natal e Ano Novo

No fim do ano passado, faltavam poucos dias para o Natal, e, enquanto a maioria das pessoas se preparava para a festa, os adolescentes do abrigo Tremedal torciam para encontrar quem os levasse para as comemorações de fim de ano. Como a maioria deles não tinha padrinhos afetivos, a data era a chance de, ao menos uma vez, vivenciar o ambiente familiar. Mas a angústia da espera só acabou na tarde de 24 de dezembro, quando todos eles conseguiram uma família para passar a noite natalina – a outra opção seria ficar no abrigo com uma ceia improvisada pelos educadores de plantão.

No Natal e no Ano Novo, as pessoas estão mais sensíveis em apadrinhar crianças, e a procura é maior. Em Belo Horizonte, o Cevam faz essa mediação com os interessados, e a ideia é que o apadrinhamento se torne continuado, mas não obrigatoriamente.

Vitor*, 14, conseguiu uma madrinha de Natal horas antes da festa. “Só de sair daqui já é muito bom, mas eu quero comer aquela comida gostosa e jogar bola”, revelou suas expectativas ao conhecer a mais nova madrinha, Zilda Oliveira, 57. Ela abriu a casa para o acolhido e ganhou uma companhia para o neto adolescente.

“Ele (o neto) sempre passa as festas de fim de ano no meio de um monte de adulto. Achei a proposta de ser madrinha muito legal”, disse Zilda. Mas o desinteresse de Vitor, que só quis saber do computador, fez com que aquele apadrinhamento não se prolongasse depois. “Mas não vou desistir de ajudar, talvez agora pegar um mais novo”, avaliou Zilda.

A Associação Integração, por sua vez, percebeu que havia uma dificuldade de promover atividades com os adolescentes dentro dos abrigos, e resolveu apadrinhar as unidades de acolhimento como um todo. “Os acolhidos saem para passear e depois voltam para a casa deles, que não têm nada de interessante”, expressou a fundadora Lídia Pedrosa, 31. No abrigo Tremedal, que só tem rapazes, voluntários do projeto participaram de um churrasco na casa e levaram meninas de outras instituições para interagir.

* Nomes fictícios