Sozinhos e desamparados

No Brasil, 2.687 jovens atingirão a maior idade em abrigos; a prefeitura da capital planeja criar este ano repúblicas juvenis

Eles já começam a ficar aflitos aos 15 e 16 anos, porque passam a lidar com uma contagem regressiva para a maioridade. “Quando penso em sair do abrigo, acho que vou morrer”, afirmou uma garota de 15 anos, que foi acolhida aos 11. Alguns adolescentes saem com mais tranquilidade e vão morar com outros jovens. “Mas outros se angustiam diante da saída, principalmente os que estão institucionalizados há mais tempo e sempre tiveram o Estado os amparando”, afirma o psicólogo da Casa Tremedal, Fabiano Loureiro.

Paulo Silva e Lucas Moreira representam uma lista de nove* “expulsos” de unidades de acolhimento de Belo Horizonte, no ano passado, por atingirem a maioridade. Foram cinco homens e quatro mulheres. Em 2014, oito*. Em todas as situações, o parecer técnico apontava que não existia perspectiva de retorno ao lar nem de família substituta para esses que se tornaram jovens institucionalizados. Ao redor do Brasil, havia, em fevereiro passado, 2.687** adolescentes com 17 anos em abrigos – próximos a enfrentarem os mesmos desafios de Paulo e Lucas.

Menores que são vítimas de alguma violação de direitos (abandono, negligência, violência física etc.) e não podem permanecer na família de origem são acolhidos em instituições. Essa estadia, que deveria ser de, no máximo, dois anos, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), acaba se estendendo, em diversos casos, porque é constatada a impossibilidade de retorno à família. E, após os 7 anos, as chances de adoção no Brasil são mínimas.

Quando o adolescente completa 18 anos no abrigo, é abandonado mais uma vez, agora pelo Estado, que encerra suas obrigações. Defensores dos direitos desses jovens, no entanto, argumentam que os municípios devem oferecer uma república juvenil, onde esse “recém-maior de idade” tenha opção de morar até se estabelecer de fato. A Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social informou que planeja criar neste ano – pela primeira vez – duas repúblicas para ex-acolhidos de 18 a 21 anos, que não têm como se sustentar.

A proposta é ter unidades feminina e masculina, com seis pessoas em cada. Será feito um chamamento público para selecionar a entidade parceira, mas ainda não há detalhes nem previsão de data. “A maioridade dos acolhidos é uma questão que nos preocupa. Não há muita oferta de convivência comunitária, e a assistência social é uma política cara”, destaca Norma Rosimere, coordenadora da Supervisão de Entidades da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

A Associação Irmão Sol, responsável por cinco abrigos em Belo Horizonte, entre eles o Tremedal, já teve uma república onde era cobrado cerca de R$ 50 por mês dos meninos que saíam do acolhimento. Lá, eles podiam começar uma vida independente, com o apoio da entidade. Mas a organização da casa não deu certo e foi fechada recentemente.

Para o superintendente da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Minas (TJMG), desembargador Wagner Wilson Ferreira, o Estado e a sociedade deveriam ter mais projetos para profissionalizar essas crianças. “Com a preparação adequada no abrigo, não seria necessária a república”.

Angústia

Diante da falta de alternativas, com a proximidade dos 18 anos, quando não há possibilidade de reintegração familiar, os técnicos do abrigo buscam desenvolver com eles a aquisição de autonomia e de responsabilidades através de estudos, tarefas domésticas, trabalho e cursos. “Mas é muito complicado, porque a gente dá tudo para esse menino no abrigo, ele não tem noção do valor das coisas e do dinheiro”, ressalta o coordenador do Tremedal, Frederico Suppa Costa.

As partidas de Paulo e Lucas foram sofridas, mas eles se revelaram meninos bem-esclarecidos e tiveram algumas oportunidades no final. Há adolescentes que preocupam ainda mais, como os meninos que possuem transtornos e dificuldades de socialização.

* Informações do Sistema de Gestão da Informação das Políticas Sociais da PBH. ** Dados do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas do Conselho Nacional de Justiça.

Planejamento é o ‘trunfo’ para deixar o abrigo sem susto

Morar com a mãe não estava nos planos de João Vítor Alves quando ele saísse do abrigo, onde viveu por 11 anos. Ele tinha medo de não dar certo, de se envolver com problemas e, por isso, desejava viver sozinho. Alves buscou, então, a maturidade que a maioria dos abrigados não tem próximo de atingir os 18 anos. Hoje, aos 20, ele olha para trás e conta como conseguiu deixar o acolhimento bem, contrariando todas as expectativas. Ele está empregado, mora sozinho em uma casa alugada no bairro Carlos Prates, na região Noroeste da capital, e seu próximo objetivo é fazer faculdade de design gráfico.

“Guardei dinheiro durante os estágios que fiz quando ainda era menor de idade e aprendi a cozinhar, lavar roupa e limpar a casa no abrigo”. Com a fala desenvolta, ele conta a sua trajetória durante a infância e a adolescência. “Crescer sem os pais te obriga a atingir a maturidade mais cedo”. Mas ele só conseguiu porque soube ouvir os conselhos dos educadores do abrigo e, principalmente, da madrinha afetiva, que foi fundamental na sua formação. “Minha madrinha me incentivava a ler um livro por dia, aprendi um monte de coisa”.

Agora, ele faz questão de repassar essa orientação aos acolhidos, sempre que volta ao abrigo. “Tem que aprender a se virar cedo”. O bom relacionamento na unidade lhe rendeu frutos: João Victor é recepcionista na Associação Irmão Sol, responsável pelos abrigos onde ele viveu.