Justiça

'Tentou salvar a paciente', diz defesa de médico acusado de mentir sobre Lorenza

Investigação apontou que médico teria mentido sobre o atendimento prestado à mulher e, também, sobre sua relação com o promotor André de Pinho

Por José Vítor Camilo e Bruno Daniel
Publicado em 03 de maio de 2023 | 14:29
 
 
 
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"Vamos comprovar que ele estava ali como médico, um bom médico tentando salvar a vida de uma paciente". Assim a advogada Virgínia Fonseca, que representa o médico Itamar Tadeu Gonçalves Cardoso, descreveu a sua estratégia durante a audiência de instrução que deu o pontapé inicial no julgamento do profissional, na tarde desta quarta-feira (3 de maio). Ele é acusado de falsidade ideológica no caso do feminicídio de Lorenza Maria de Pinho, esposa do promotor André de Pinho, que já foi condenado em março deste ano a 22 anos de prisão

De acordo com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), durante a audiência seriam ouvidas uma testemunha de acusação e quatro de defesa, além do próprio réu. Entretanto, duas das testemunhas do médico acabaram sendo dispensadas.

Testemunharam em defesa de Cardoso uma colega de profissão e a secretária do hospital em que ele trabalhava. Pela acusação, foi ouvido o médico legista que realizou a autópsia de Lorenza. Outras quatro testemunhas do caso já foram ouvidas virtualmente em janeiro deste ano. 

Ao fim da audiências de instrução, a juíza Lucimeire Rocha estipulará um prazo para as alegações finais das advogadas do réu e do promotor que fez a acusação. Somente após isso a magistrada deverá revisar todo o processo e proferir a sentença contra o médico. 

Para defesa, acusação do MPMG é "descabida"

Nesta quarta, às vésperas do início do procedimento, realizado na 8ª Vara Criminal do Fórum Lafayette, em Belo Horizonte, a advogada Virgínia Afonso, conversou com O TEMPO e disse que a acusação de falsidade ideológica é "totalmente descabida". "Ele simplesmente atestou o que ele verificou no dia do ocorrido", disse. 

Questionada se o médico conhecia o promotor, a advogada alegou que todos no hospital conheciam Lorenza, que era uma frequente paciente no local. "Ele conhecia a senhora Lorenza, como quase todos os médicos do hospital. Inclusive, a própria secretária que atendeu o telefone no dia identificou que era ela. A senhora Lorenza tinha só de prontuário mais de 14 mil páginas. Então ela era uma paciente frequente do hospital", argumentou. 

"O promotor ligou no hospital e ele era o plantonista no dia. Então ele foi, junto com o motorista e uma técnica de enfermagem, ao local designado. Foi uma chamada normal, ocorrida dentro do próprio hospital", continuou Virgínia Afonso. 

Apesar do alegado pela defesa, a denúncia apresentada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) indica que o médico omitiu documentos da mulher, que era paciente do Hospital Mater Dei, na capital. Além disso, ele também inseriu declarações falsas no Atestado de Óbito da vítima.

O inquérito da Polícia Civil apontou que o médico teria mentido ao dizer à polícia que fez manobras de ressuscitação na mulher, já que, em ligação anterior ao Samu, ele disse tê-la encontrado com rigidez cadavérica, pele roxa e dilatação da pupila, que são indícios de que a morte já teria sido constatada e a manobra não seria necessária. Ele também teria mentido sobre o horário da morte no atestado de óbito e ao dizer que não teria relação com o promotor. 

Pena máxima

No Código Penal, o crime de falsidade ideológica está descrito como "omitir a verdade ou inserir declaração falsa em documentos públicos ou particulares", e tem pena de até 5 anos de prisão. 

Em entrevista a OTEMPO nesta terça-feira (2), o pai de Lorenza, Marco Aurélio, disse que o julgamento do médico é apenas “mais um passo” na investigação. “Espero que o médico seja condenado à pena máxima, como aconteceu com o André de Pinho. Ele [Cardoso] conseguiu de maneira assuntosa acobertar a morte da minha filha e deu atestado falso. Ao afirmar que Lorenza morreu às 7h mentiu, pois o IML (Instituto Médico Legal) informou que a morte aconteceu quatro horas antes, como apontou a autópsia”, disse o familiar da vítima.

Além de Cardoso, outro médico, Alexandre de Figueiredo Maciel, também chegou a ser denunciado na época do crime, porém, o profissional conseguiu a "suspensão condicional" do processo no último dia 24 de março deste ano. Por causa disso, o caso contra ele está suspenso por dois anos.

Relembre o caso

  • A morte

Lorenza Maria Silva de Pinho morreu no dia 2 de abril de 2021, no apartamento da família, no bairro Buritis, na região Oeste de Belo Horizonte. O promotor André Luis Garcia de Pinho solicitou a emergência de um hospital particular na residência da família para atender a mulher. A equipe médica foi ao local e tentou ressuscitá-la, mas sem êxito. O atestado de óbito teve como registro morte por intoxicação.

  • Hipótese de feminicídio

No dia seguinte à morte de Lorenza Pinho, a suspeita é de que ela tenha sido vítima de feminicídio. Laudos apontam indícios de violência física. Diante da denúncia, o velório dela que estava previsto para ocorrer em um espaço particular de Belo Horizonte foi cancelado. O corpo foi transferido para o Instituto Médico Legal (IML).

  • Promotor é detido

O promotor André Luis Garcia de Pinho foi detido no dia 4 de abril de 2021, dois dias após a morte de Lorena Pinho. Ele foi apontado como suspeito no envolvimento da morte da mulher. André Pinho foi detido no apartamento da família, no mesmo local onde a vítima morreu, no bairro Buritis, região Oeste da capital. 

  • Promotor troca de advogado horas antes de audiência

O promotor de Justiça André Luis Garcia de Pinho, apontado como suspeito de ter matado a mulher dele, Lorenza Maria Silva Pinho, 41, decidiu trocar de advogado poucas horas antes de ser ouvido em audiência de custódia na manhã do dia 5 de abril de 2021. O promotor de Justiça pontuou que preferia que um outro profissional, amigo dele, passasse a defendê-lo no caso.

  • Filhos do casal são ouvidos pela Justiça

Os dois filhos mais velhos de 15 e 17 anos do promotor de Justiça André Luis Garcia de Pinho e Lorenza Maria Silva Pinho, 41, foram ouvidos na manhã do dia 5 de abril de 2021 pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Os adolescentes compareceram na 23ª Promotoria de Infância e Juventude de Belo Horizonte acompanhados do avô materno, Marco Aurélio Silva, 72, pai de Lorenza Maria Silva, que assumiu os cuidados dos cinco netos. Os dois, juntamente com os outros três irmãos de 2, 7 e 10 anos estavam em casa quando a Polícia Civil efetuou a prisão do pai deles, o promotor de Justiça André Luis Garcia de Pinho, no dia 4 de abril.

  • Exame de necropsia é concluído

O exame de necropsia, feito pelos médicos legistas do Instituto Médico Legal, foi concluído no dia 5 de abril de 2021. No entanto, o corpo só seria liberado para a família mediante autorização do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

  • Equipe de investigadores é definida

A equipe de promotores de Justiça e delegados da Polícia Civil que atuaram na investigação da morte de Lorenza Maria Silva Pinho, 41, foi definida no dia 6 de abril de 2021. Os nomes foram publicados no Diário Oficial do Ministério Público de Minas Gerais e o grupo passou a ser formado por quatro membros do Ministério Público e quatro delegados da Polícia Civil.

  • Guarda dos filhos do casal

A Justiça concedeu a guarda dos cinco filhos do promotor André Luís Garcia de Pinho ao médico da família, o gastroenterologista Bruno Sander. A decisão foi publicada no dia 6 de abril de 2021. Pinho estava preso desde o dia 4 de abril, suspeito de cometer feminicídio contra a mulher, Lorenza Maria Silva Pinho, de 41 anos. Antes da decisão da guarda, as crianças estavam sob os cuidados do pai de Lorenza, o aviador Marco Aurélio  Alves Silva, de 72 anos.

  • Testamento sobre os filhos

O pai da vítima Lorena Pinho, o aviador aposentado Marco Aurélio Silva, revela à Justiça que a filha e o marido dela registraram testamento em 2018 apontando o médico Bruno Sander como guardião dos filhos.

  • Missa de Sétimo Dia

Familiares e amigos de Lorena Pinho participam da missa de sétimo dia na igreja Santa Rita de Cássia, no bairro São Pedro, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. A cerimônia foi solicitada por amigos de Lorenza e foi realizada com a presença de aproximadamente dez pessoas em menos de 30 minutos.

  • Filhos acreditam na inocência do pai

Os dois filhos mais velhos do casal Lorena e André disseram, em entrevista inédita, que acreditavam na inocência do pai. Os adolescentes relataram que a mãe era depressiva e misturava remédios com bebida alcoólica nas crises. O avô das crianças, o aviador Marco Aurélio Silva, contesta a versão e acredita que a filha tenha sido vítima de feminicídio.

  • Corpo de Lorenza é liberado

O corpo de Lorenza Pinho foi liberado no dia 13 de abril, dez dias após a conclusão do exame de necropsia pelo IML. Ciente da liberação, o promotor de Justiça André Luís Garcia de Pinho, solicitou autorização para comparecer ao enterro da esposa, marcado para ocorrer às 11h do dia 14 de abril no Cemitério Boa Morte, em Barbacena, no Campo das Vertentes.

  • Médico que atestou óbito depõe em BH

O médico Itamar Tadeu Gonçalves Cardoso foi convocado para depoimento no dia 19 de abril na sede do Ministério Público de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Ele foi responsável pelo atestado de óbito da vítima. O documento teve como registro morte por autointoxicação. Laudos da investigação apontaram possibilidade de feminicídio.

  • Perícia particular

O laudo de uma perícia particular, contratada pela defesa do promotor André Pinho, apontou que Lorenza morreu vítima de intoxicação. O documento indicou a combinação de álcool com medicação antidepressiva. A análise foi pedida pelos advogados de defesa para rebater as acusações de feminicídios.

  • Corpo de Lorenza estava sem sangue

O inquérito, obtido por exclusividade por O TEMPO em maio de 2021, revelou que o corpo da mulher chegou ao Instituto Médico-Legal (IML) quase sem sangue. O documento indica que o líquido pode ter sido extraído. Isso porque, conforme a investigação, o corpo dela não tinha lesões que pudessem justificar a perda do sangue. A situação atípica levantou suspeitas no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

  • Promotor vira réu pela morte de mulher

No dia 25 de agosto de 2021, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acatou a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra o promotor afastado André de Pinho, acusado da morte da mulher, Lorenza Maria Silva de Pinho. A partir disso, André de Pinho passou a ser réu pela morte da mulher. Ainda não havia data para que o julgamento pudesse acontecer.

Atualizada às 16h17

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