O frio costuma estar associado à introspecção, como canta Djavan na célebre canção “Nem um Dia”, lançada no álbum “Malásia”, de 1996: “Um dia frio/ Um bom lugar pra ler um livro”. No entanto, no verso seguinte o compositor alagoano deixa antever a faísca do desejo: “E o pensamento lá em você/ Eu sem você não vivo…”. Com a chegada do inverno e as baixas temperaturas, volta à tona a discussão sobre como fica a relação sexual nesse período. Afinal de contas, a vontade de ficar aconchegado em um lugar quentinho atiça ou reduz nossos ímpetos libidinosos? A resposta pode ser variada. 

De acordo com a sexóloga e terapeuta acupunturista Allys Terayama, sentir uma diminuição do desejo sexual no inverno “é uma realidade para muitas pessoas”. “As temperaturas mais baixas, a menor exposição ao sol e a mudança na rotina impactam diretamente a nossa fisiologia. O inverno favorece um comportamento mais introspectivo, e, com isso, é comum que a libido também sofra alterações. Mas é importante lembrar: não é uma regra. Algumas pessoas, ao contrário, se sentem mais estimuladas justamente pelo clima de aconchego”, pondera, deixando claro que, para alguns, a vontade de largar o livro e partir para a ação se impõe. 

Intimidade

A especialista explica, do ponto de vista biológico, o que estaria por trás dessa diminuição da libido para as pessoas que percebem uma baixa na frequência sexual. “O corpo, no inverno, tende a gastar mais energia para se aquecer, o que pode aumentar a sensação de cansaço. Esse estado de letargia pode ser confundido com desinteresse afetivo ou sexual, quando na verdade é apenas uma resposta natural do organismo à estação. A comunicação clara entre o casal é essencial para evitar mal-entendidos nessa fase”, orienta Allys. 

Não foi por acaso que compositores como Cartola (1908-1980) e Adriana Calcanhotto – em parceria com o poeta Antonio Cicero (1945-2024) – legaram à música brasileira as preciosas “O Inverno do Meu Tempo” e “Inverno”, respectivamente, de inegável verve melancólica. Por outro lado, Dominguinhos (1941-2013) compôs com Climério a sensual “O Inverno é Você” na pegada oposta, gravada com vigor por Elba Ramalho. “O frio pode ser um excelente aliado da intimidade. As roupas mais quentinhas, o cobertor compartilhado, o vinho, o filme a dois”, afiança Allys. 

Na opinião da sexóloga, “tudo isso cria um ambiente propício para a conexão emocional e física”. “A dica é transformar esse momento em um ritual de sedução, com carinho, toque e presença. Muitas vezes, o desejo nasce justamente da intimidade construída fora do quarto”, sugere. Trocando em miúdos, seria como o famoso ditado que instiga-nos a fazer do limão uma limonada. Ou, seguindo a linha exposta na bela canção de Dominguinhos, já que é para se aquecer que seja na companhia de alguém especial, compartilhando as propriedades do calor humano. 

Estratégias

Allys indica algumas estratégias para vencer as barreiras que costumam atrapalhar a atividade sexual no inverno. Dentre elas, manter-se ativo fisicamente seria uma das mais importantes. “O exercício regular ajuda a equilibrar os hormônios e a melhorar o humor. Também é importante manter uma alimentação rica em nutrientes e procurar se expor à luz natural, mesmo nos dias frios. Atividades prazerosas, que estimulem o bem-estar, como dançar, caminhar ou simplesmente sair da rotina, também podem fazer toda a diferença”, enumera a sexóloga. 

Outro componente decisivo nessa equação estaria relacionado a uma menor cobrança acerca do próprio desempenho sexual. “Aceitar que o corpo passa por ciclos é fundamental para uma relação mais saudável com a sexualidade. Isso não significa se resignar à apatia, mas sim entender os sinais do corpo e buscar formas gentis de se reconectar com o desejo. Respeitar os momentos de pausa também pode fortalecer a intimidade, desde que o casal esteja alinhado e disposto a cultivar o vínculo”, afirma Allys. 

Natureza

O respeito tanto com o próprio corpo quanto com os limites do outro estaria na base dessa perspectiva que, se num primeiro momento sugere certa regressão, ou seja, aqueles famosos “passinhos para trás”, pode ter como consequência justamente a melhora da relação sexual, resultando em um aumento da frequência. Allys lembra também o quanto o clima, o ambiente e a paisagem nos afetam em diferentes níveis. 

“A luz solar tem um papel crucial na regulação do nosso relógio biológico. No inverno, com dias mais curtos e menos luz, a produção de melatonina aumenta, o que nos deixa mais sonolentos. Ao mesmo tempo, a queda na serotonina e na vitamina D pode provocar alterações no humor e na energia, afetando diretamente a libido. É um efeito em cadeia. Menos sol, menos disposição, menos desejo”, detalha a especialista. 

Segredos para uma vida inteira

A terapeuta acupunturista e sexóloga Allys Terayama compartilha “segredos” que, segundo ela, devem ser levados para uma vida inteira, modificando-a para melhor continuamente. Ela defende que, quando se trata de preservar a qualidade das relações sexuais – seja no inverno, no verão, no frio ou no calor – “a chave está na intenção”. “Cuidar da intimidade não precisa ser grandioso, mas requer presença e atenção ao outro”, sublinha.

A especialista enumera singelas atitudes que fazem toda a diferença. “Pequenos gestos de afeto, escuta ativa, elogios sinceros, toques demorados, tudo isso nutre o vínculo. E mesmo que o desejo não apareça de imediato, ele pode ser despertado com a construção do momento. O frio pede proximidade, e é exatamente aí que mora a oportunidade de reinventar o prazer”, arremata.