Abstinência

Jejum sexual: alerta ou bem-estar?

Para especialistas, falta de contato sexual não significa exatamente uma abstinência e pode também trazer benefícios


Publicado em 14 de abril de 2023 | 05:00
 
 
 
normal

Uma pesquisa realizada pelo Sexlog, a maior rede social de sexo e swing do Brasil, revelou que a maioria dos seus usuários não adota o jejum sexual como uma prática regular. Segundo a pesquisa, que contou com a participação de mais de 13 mil pessoas, 20% nunca passaram mais de uma semana sem fazer sexo, enquanto 29% já ficaram sem transar por no máximo uma ou duas semanas. Por outro lado, uma parcela significativa dos participantes afirmou ter ficado mais de um mês sem ter contato sexual com alguém. Conforme os resultados da pesquisa, 16,5% disseram que a ausência de sexo durou entre três e quatro semanas, enquanto a maioria (34%) apontou que chegou a ficar mais de quatro semanas sem transar. 
A amostra da pesquisa foi composta principalmente por homens (67%), seguidos por casais compostos por homem e mulher (24%), mulheres (6%), casais de mulheres (1,2%), transexuais (0,75%) e casais de homens (0,19%). 

Os dados não surpreendem a consultora em sexualidade Aline Bicalho. Ela explica que queixas sobre jejum sexual aparecem frequentemente na sua rotina de atendimentos. “Mas não chegam com esse nome. Geralmente, é uma questão mais inconsciente, comunicada por meio de reclamações sobre a parceria não querer mais transar, sobre ter perdido o desejo pelo outro, sobre ter uma rotina tão exaustiva que falta tempo e ânimo para o sexo e, claro, sobre como, depois de ter filhos, o casal deixou de transar”, estabelece, destacando não se lembrar de nenhum relato de pessoas que buscaram por ela após a decisão consciente de simplesmente adotar a abstinência sexual como uma prática – “a menos que estivessem obedecendo a uma recomendação médica ou mesmo por questões religiosas”. 

A pesquisa do Sexlog, aliás, quis saber o que levava seus usuários a dar uma pausa na atividade sexual. Ao serem questionados sobre os motivos que poderiam levá-los a essa atitude, a recomendação médica foi o único motivo por que a maioria dos respondentes concordou em abdicar do sexo. Entre os participantes, 77% disseram “sim”, e 22%, “não”. No entanto, a pesquisa mostrou que os membros do site não acreditam que o jejum no sexo possa trazer algum benefício para o corpo, com 90% das respostas sendo negativas, contra 10% que disseram “sim”. 

Além disso, a maioria dos participantes não concordou que a falta de atividade sexual possa ser benéfica para qualquer outra área da vida, com 59% das respostas sendo negativas. A minoria (13%) acredita que sim, enquanto os demais (28%) afirmaram que só aceitariam se houvesse alguma comprovação científica do benefício. No caso de a abstinência ser motivada pela decisão do parceiro, a maioria (64%) disse que não aceitaria, enquanto 35,5% falaram que seria tranquilo. Já em relação a motivos religiosos, a quantidade de respostas negativas foi maior, totalizando 69,5%, contra 30% que responderam aceitar não fazer sexo por conta da religião. 

“Essas são questões delicadas, afinal as pessoas carregam em si desejos diferentes, mesmo quando formam um casal”, observa, destacando que os indivíduos podem encarar esse descompasso em relação ao desejo sexual, com uma parte mais afeita ao sexo que a outra, desde o início do relacionamento. “Mas isso também pode se tornar uma realidade em algum momento específico da relação”, destaca, acrescentando que a única e melhor opção é o respeito ao outro e a si mesmo. Ou seja, se forçar ou forçar o outro ao sexo está fora de cogitação. “Se uma pessoa deseja, por alguma razão, fazer o jejum de sexo, e a outra, não, é fundamental que elas conversem para chegar a um consenso”, expõe, fazendo alerta à violação conjugal ou estupro conjugal, uma forma de violência doméstica e abuso sexual caracterizada pelo ato de manter uma relação sexual com o cônjuge sem o seu consentimento. 

Movimento prega a abstinência para o bem-estar 

Se entre os usuários da Sexlog a abstinência sexual é entendida como uma prática indesejada, há outras comunidades que pregam justamente o oposto. O movimento “NoFap”, que surgiu nos Estados Unidos, tem ganhado popularidade nos últimos anos defendendo que a abstinência sexual pode trazer uma série de benefícios, como melhoria de desempenho, aumento do vigor e até mesmo melhoria no aprendizado. Mas especialistas indicam que esses argumentos não encontram respaldo científico. 

O NoFap surgiu em 2011, como um fórum online criado por um jovem americano que acreditava ter sido viciado em pornografia. Desde então, o movimento cresceu e se espalhou pelas redes sociais, reunindo pessoas que defendem a abstinência sexual como uma forma de melhorar a saúde mental e física. É fundamentalmente por meio de comunidades online que os adeptos da prática se concentram. Nelas, há conteúdo para auxiliar no cumprimento das metas, citando, inclusive, pesquisas científicas que indicariam prejuízos ligados ao consumo de pornografia e ao ato de se masturbar. Há também espaço para depoimentos sobre possíveis benefícios dessa espécie de método de reabilitação. Nesse espaço, são fartos os relatos sobre como a prática teria possibilitado uma melhoria de desempenho e de aprendizado e até o aumento do vigor – normalmente atribuído a um suposto aumento dos níveis de testosterona no corpo. 

Contudo, o médico Uno Vulpo, pesquisador de temas relacionados à sexualidade e à redução de danos, alertou, em entrevista a O TEMPO sobre o movimento pró-abstinência, que os artigos utilizados para fundamentar quais seriam os malefícios da masturbação e do consumo de pornografia, muitas vezes, são mal interpretados pelos adeptos do NoFap. Segundo ele, uma pesquisa que investigou a relação entre ejaculação e os níveis de testosterona sérica em homens teria dado início ao movimento. O estudo constatou que, de fato, houve aumento significativo do principal hormônio sexual masculino especificamente no sétimo dia de abstinência.

Depois disso, não foram registrados outros picos, e a testosterona se manteve em níveis basais ou normais. A partir da publicação desse artigo, em 2003, passou-se a inferir que a masturbação poderia provocar queda na produção hormonal. Mas “o estudo observa apenas a diferença entre as concentrações, e não se houve uma queda na produção de testosterona no longo prazo”, pondera. 

Além disso, o NoFap defende que a abstinência sexual pode levar a uma maior disposição física e mental, o que também não encontra respaldo científico. Sobre a afirmação, Vulpo volta a discordar. Ele diz que, na verdade, a abstinência sexual pode levar a problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, além de causar desconforto físico. A consultora em sexualidade Aline Bicalho concorda com ele. “Sou uma defensora da prática do sexo como um ato saudável ao corpo e à mente”, diz.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!